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cronicas-->Não dá pra segurar -- 26/10/2000 - 09:53 (Renato Rossi) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Há instrumentos que estão a serviço do homem. Deixam-se dominar, servem ao seu senhor. As lapiseiras, por exemplo. De um modo geral as lapiseiras escrevem o que o portador deseja. Há outros que dominam o portador. É o caso das picaretas e marretas e algumas colheres quando caem nas mãos erradas. Raimundo, o operário apanha uma marreta, com toda a boa vontade deste mundo. Ele sabe que deve demolir apenas trinta centímetros da parede para ali encaixar um novo pilar, de acordo com o estabelecido na planta. Seu Manoel, o mestre de obras, o alertou, fez um risco na parede mostrando onde deveria parar. Disse para quebrar com cuidado, para não ferir a parte sobrevivente da parede, poupando os reparos.

A primeira marretada é perfeita, atinge a parede no lugar certo, uma marretada cirúrgica. A segunda segue a primeira, depois a terceira, a quarta e um sem fim de golpes que vão executando seu destino. Trinta, cinquenta, oitenta centímetros de parede. O operário sabe que já passou do objetivo, mas não consegue parar. Vai batendo, batendo, os tijolos vão caindo, a poeira sobe. Bate daqui pra lá, bate de lá pra cá, retira o tijolo, raspa o cimento, bate sem parar até não ter mais em que bater. Foi-se a parede toda. Seu Manoel estava de costas. Aquele som, de certa forma o embalara, aquele ritmo ele conhecia e, junto com Raimundo, sem querer, aproveitara aquela sinfonia de percussão.

Quando se virou, era tarde. Ia reclamar, mas já não havia muito a fazer.

Isto me aconteceu uma vez. Minha mãe comprou doce de leite e o deixou na cozinha. Foi ver televisão na sala. Eu fui até a cozinha e vi aquele doce de leite ali, olhando, talvez piscando. Com uma colher, provei. Bom, muito bom, assim purinho, sem pão. Uma delícia. Outra colherada. Desta vez bem cheia, destas de encher a boca e ficar saboreando a iguaria. Confesso que não lavei a colher. Também não me ocorreu pegar outra limpa. Outra colher do doce. Mais uma. Outra. Uma delícia. Só mais uma. Minha mãe chamava por mim e perguntava o que eu estava fazendo. Eu respondia com um "nada, mãe" sem muita convicção. Ela sabia o que eu fazia, mas não imaginava a intensidade. Mães sabem de tudo, ou quase tudo. Para que minha mãe não notasse, alisei o doce, aplainei os sulcos feitos por tantas colheradas. Quando estava pronto o disfarce, juro, ele piscou novamente. Bem, ai foi só comer mais uma colher e outra, e mais outra, e só mais uma, e só esta aqui, e esta última. Um pouquinho mais, só um pouco e uma última provinha. Quando me dei conta, havia comido todo o doce de leite.

Quando minha mãe voltou à cozinha, era tarde. Ia reclamar, mas já não havia muito a fazer.

Escrito em 12.09.2000
Publicado na Crónica do Fauth em 09.10.2000 (http://planeta.terra.com.br/arte/fauth/)




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