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Contos-->Caçador Ecológico -- 21/04/2007 - 11:15 (Lara Cardoso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Este texto me foi enviado por um leitor e, fiz constar aqui em minha lista, por considera-lo bom texto e, como forma de incentivo à este escritor para a continuidade de sua escrita.

Autor: Flávio Jarbas Vasconcelos Júnior


Diz que o homem tem sangue de caçador. Numa linguagem menos coloquial, ou, melhor dizendo, científica, diríamos ser um atavismo herdado dos nossos ancestrais pré-históricos, cuja sobrevivência dependia basicamente da caça e pesca. - Penso que só isso explica o caso que se se-gue.
O homem é intrinsecamente um caçador. Naturalmente que Florismundo não fazia exceção à regra, mesmo que, em sua pacata vida, o mais próximo que chegava a uma arma era quando ia ao banco retirar sua parca aposentadoria e passava pelo guarda de segurança, Seu Belizário, que portava orgulhosamente uma Luger do tempo da guerra em coldre imaculadamente brilhante de tão engraxa-do.
Sempre cumprimentava Seu Belizário que, no dorso dos seus oitenta e tantos anos, exala-va simpatia por todos os poros, cativando tanto os clientes, a ponto de por em risco a carreira de qualquer gerente novato naquela agência que ousasse forçar a sua já senil aposentadoria.
Tal era seu carisma que, os funcionários e clientes atribuíam-lhe, não a pretensa periculo-sidade com uma arma em punho, mas à pureza de espírito, aos bons fluidos emanados de sua pessoa, o fato de ali nunca ter havido um assalto ou qualquer tipo de violência.
Obviamente que todos cuidavam de não emitir tal opinião na presença de Seu Belizário que, montado no seu orgulho de ex-combatente, de um dos valentes pracinhas que fizeram a co-bra fumar e ganharam o Monte Castelo à duras penas, atribuía a impecável segurança daquela agência bancária ao respeito imposto pela sua Luger "aos garotos marginais da redondeza".
Arma essa que tinha história; história de bravura:
Ele, Belizário, submetralhadora em punho, rendera um sargento alemão, lá mesmo, no cume do Monte Castelo, que se encontrava no fundo de uma trincheira com algum misterioso problema intestinal. Sob a mira da metralha (de Seu Belizário e mais uma dezena de pracinhas) o infeliz germano fora rendido e obrigado a entregar as armas.
Essa era, em suma, a história da Luger de Seu Belizário.
História essa que sofria algumas alterações de menos importância a cada vez que era re-contada para algum cliente ou funcionário novo da agência. - É que Seu Belizário gostava de olhar bem no fundo do olho do interlocutor: se sentia que estava impressionando, aumentava a importância do pobre alemão com promoções de patente (já chegou a general), ao mesmo tempo que diminuía a quantidade de companheiros de batalha, chegando até mesmo a excluí-los total-mente. - Só dependia da receptividade do ouvinte.
Somando tudo e dividindo numa média aritmética, depois de ouvir uma dezena de vezes a tal história, decidimos por deixar constar nas atas da apreensão da arma como sendo tirada a um sargen-to sob a mira de uns dez pracinhas.
Florismundo fazia parte do seleto grupo que acreditava ter sido aquela Luger propriedade de um incauto general, rendido pelo solitário pracinha Belizário, lá pelos ermos da Velha Itália.
E foi durante uma dessas conversas com Seu Belizário que ressurgiu em ambos o instinto atávico de caçador.
Idealizaram uma caçada no Pantanal Matogrossense.
Acertaram tudo: Florismundo bancaria a campanha com os fundos (literalmente falando) da sua aposentadoria e Seu Belizário entraria com o apoio logístico: a Luger.
Mas tinha importante detalhe a ser considerado: Florismundo carecia de treinamento táti-co e bélico intensivos antes da empreitada.
Passaram então a reunir-se todas as sextas-feiras em casa de Seu Belizário, onde esse fazia o ansioso e paciente Florismundo desmontar, limpar, remontar e polir o coldre da querida arma. Passa-vam horas nessa atividade, que era devidamente cronometrada para posterior avaliação do adestra-mento.
Depois de conseguido o tempo considerado "bonzinho" por Seu Belizário, passaram para a segunda fase do treinamento. Fase de fundamental importância nas palavras do treinador. A arte de atirar.
Seu Belizário, com um ursinho de pelúcia seguro com ambas as mãos às costas, subita-mente o atirava, ora para a direita, ora para esquerda, ora na direção do próprio Florismundo (presumindo-se a possibilidade dele vir a ser atacado pela caça). Este tinha que sacar a arma, apontar o mais rapidamente possível e atirar. - Vale salientar que os disparos eram efetuados com a boca: Bang! Bang! Isso por dois motivos lógicos: Estavam em um apartamento pequeno e o risco do próprio Seu Belizário ser atingindo, principalmente quando atirava o ursinho na dire-ção de Florismundo, ficando ele próprio na linha de tiro.
Cronometrada e aprovada essa segunda fase do treinamento pelo exigente instrutor, fo-ram providenciar o necessário para a viagem.
Um se incumbiu de raspar o fundo do tacho de sua poupança para compra de passagens, re-serva em hotéis, etc., enquanto o outro desentocava dos confins de velhos armários, barracas de cam-panha, velhos cantis, mochilas e até mesmo uma enferrujada baioneta dos tempos da primeira-guerra.
Não se esqueceu do velho uniforme com a insígnia da cobra fumando. Botou na mochila junto a um outro, mais moderno, de camuflagem, que comprara numa loja de artigos esportivos para presentear o "novato" quando da sua primeira aventura bélica.
Uma linda manhã saudou os dois aventureiros devidamente paramentados com seus unifor-mes e apetrechos no refeitório de um hotel-fazenda, no seio do pantanal matogrossense que, impaci-entes, reclamavam da demora do desjejum.
Seu Belizário, impecável no seu capacete, botinas, cantil, binóculo, mochila com diversos apetrechos atados por fora à moda militar, tais como pás, machadinhas, cobertor. À cintura, a indefectível baioneta.
Florismundo, uniforme de camuflagem, chapéu de caçador, facão, binóculo, máquina fo-tográfica. À cintura, o polido coldre com a reluzente Luger.
Com os estômagos apaziguados partiram para a guerra.
E a primeira delas foi com o gerente do hotel que se recusava a quebrar as normas do es-tabelecimento e deixá-los ganhar a mata sem o devido acompanhamento de um guia.
Vencida essa batalha, que teve como principal arma a carteirinha de soldado de Seu Beli-zário acompanhada de um "sou veterano nessas coisas", levantaram-se e saíram a passos largos mata adentro. Só quando estavam bem distantes é que gritaram para o abismado gerente: - Va-mos caçar! E lhe voltaram as costas pisando forte, sem lhes dar atenção aos berros de aviso de que caçar animais silvestres é contra a lei.
Meia hora de caminhada e um pequeno coelho atravessa a trilha. Florismundo sacou ra-pidamente a Luger, fez mira e berrou - Bang!
Porém, simultaneamente, no que o coelho abriu carreira, Seu Belizário saltou de banda, tropeçou numa raiz, deu um salto incompatível com seus oitenta e tantos anos, e atropelou Flo-rismundo, ficando literalmente por cima deste. Ato contínuo, rolou para o lado e afundou de ca-beça numa moita de capim, ficando, nas mãos trêmulas, só a baioneta de fora lá do outro lado da dita moita, que ele até hoje não lembra como a desembainhou. Tremia tanto que, no balançar da moita, Florismundo cuidou fosse outra caça e já engatilhava a garganta para novo "disparo" quando atinou que era o velho amigo.
- Cê viu que rapidez? Menos de cinco segundos pra sacar e atirar!
- E você viu meu reflexo? Fui logo me posicionando pra te dar cobertura caso fosse bi-cho perigoso!
- É vero! Nada como ter um bom parceiro numa caçada.
- Mas deixa eu te ensinar mais uma coisa: Nunca atire assim, de peito aberto. Procure sempre a segurança d´uma caviuna, dum pau-d´arco, dum jacarandá; ou até mesmo dum tronco caído.
- É vero! Mas, de qualquer forma eu não fui bem?
- Tá bom pra afinar a pontaria, mas vamos atrás de caça mais parruda, disse Seu Belizá-rio controlando a tremedeira e dando tapinhas nas costas do amigo.
- Mas que eu fui bem, isso eu fui! Insiste Florismundo orgulhoso.
- Treinamento, meu rapaz, treinamento!
Seguiram em frente. Apareceu um tamanduá-bandeira. Florismundo sacou rapidamente, pulou por sobre um cupinzeiro, se atocaiou e berrou - Bang!
Seu Belizário, trepado nas últimas galhas de frondoso jequitibá:
- Muito bom!
Um veado:
- Bang!
Vários jacarés à beira do rio:
- Bang! Bang! Bang!
Um macaquinho no alto de frondosa aroeira:
- Bang!
Um pequeno lagarto se aquecendo ao sol:
- Bang!
À tardinha a munição acabou: É que Florismundo perdeu a voz de tanto gritar bang. Re-solveram retornar ao hotel onde um preocupadíssimo gerente os aguardava.
A notícia da caçada havia se espalhado e apareceram alguns funcionários do IBAMA com a justa intenção de fazer caça aos caçadores para evitar o possível extermínio dos poucos animais sil-vestres da nossa outrora riquíssima fauna.
Não os tendo encontrado, resolveram tocaiá-los no próprio hotel.
- Adentramos a mata na esperança de ouvir os tiros e flagrá-los, mas tudo que ouvimos foi um maluco ao longe gritando bang. Por isso resolvemos voltar e esperar aqui mesmo.
Os demais hóspedes do hotel, pescadores conscientes, daqueles que devolvem à água os peixes capturados, comentavam o absurdo da coisa. Uma matança sem sentido de animais silves-tres.
Mal chegaram, nossos heróis foram rendidos e desarmados - Na Luger. sequer cheiro de munição!
Florismundo completamente rouco. Seu Belizário com o uniforme imprestável, o corpo coberto de hematomas e arranhões. - Nem se deram conta da gravidade da situação dada a eu-foria em que se encontravam.
- Cacei um coelho, vários jacarés, um macaco, um tamanduá, duas onças um leão!.
- Leão! Aqui no pantanal?
- Deve de ter fugido de algum circo.
- No que se refere ao leão vocês não cometeram crime algum - não faz parte da nossa fauna.
- Crime! que crime?
- Onde estão os animais mortos? Digam logo e vamos resolver isso de uma vez.
- Que animais mortos?
- Os que vocês caçaram, lógico!
- Mas não tem nenhum animal morto.
- Como assim?
- É que somos caçadores ecológicos!
- Caçadores ecológicos?!!!
- É. Parecido com aqueles pescadores ali.
- ???!!!
- A gente caça e solta.


(o texto foi editado, exatamente como foi enviado, não tendo sido feita nenhuma alteração)
Lara Cardoso

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