Para evitar malentendidos
digamos desde já que nos amamos.
Cacaso
Se pudesse, Edilberto, te namorava. A gente se conhecia, no sentido bíblico do termo. E se estranhava. E se conhecia mais do que nessa nossa prosa que se desenrola no dia a dia. A gente lia o mesmo jornal, Alberto. E passeava de mãos dadas. E se ria e dançava forró. Mas temos entre nós tanta distância. E você nem desconfia que por detrás de tanta fala tenho um jeito de te olhar que era pensar em namoro, aconchego, carinho, ainda que não haja nesse descomeço algum indício de amor além do que é possível na amizade. A história então começava e quem sabe aonde iria parar. Você não tinha ciúmes, nem eu, éramos só uma tagarelice ainda maior, cumplicidade a não mais poder. Mas então. Tenho o dobro da sua idade, Adalberto. Tenho filhos, tantas histórias amorosas, tanta página virada, rabiscada, preenchida. Você ainda está no prefácio. Tem sonhos diferentes dos meus. Os meus já se complicaram por demais, Odiberto. Admiro seu jeito diante da vida. Toda a sua intensidade. E sua religião não permite certos pecados incertos. Você vai se casar, ter filhos, a vida complicar-se, as teorias o deixarão cansado. Escreverá livros, lerá muitos, ensinará a escrevê-los. E quanto tiver a minha idade, Roniberto, você talvez se parecerá com o que sou agora. E terá talvez esses mesmos sonhos que tenho, vividos em profunda e desesperançada solidão a ponto de ser impossível uma simples, óbvia, esquisita declaração de amor.
Luiza Helena O. da Silva
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