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Poesias-->POEMAS QUE ME CRUCIAM (Alberto de Deus Nunes) -- 12/02/2008 - 17:05 (Jeovah de Moura Nunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
POEMAS QUE ME CRUCIAM



(Alberto de Deus Nunes)



"Alberto de Deus Nunes, foi um dos maiores escritores e poetas do Piauí. Nasceu em Picos,em 1913, cresceu entre os picos e serras da região, banhava-se no rio Guaribas de águas cristalinas e brincava com as borboletas. Lia e relia obras deitado nas campinas, observava o azul dos céus, a altura do urubú e as corridas de cavalos. Alberto Nunes, poeta de inigualável singeleza, foi o criador de lindos versos, viveu toda sua vida no anônimato e desconhecido ficou em sua bruma..."



About Me

Name:Alberto Nunes de Deus Location:Picos, PI.

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Alberto de Deus Nunes



January 2007



Thursday, January 11, 2007

Alberto de Deus Nunes





PREFÁCIO DO LIVRO



O livro “Poemas de Deus”, uma montagem literária que o Douglas, o filho do poeta, teve a feliz iniciativa de publicar, realizando assim o sonho do poeta, é uma dessas surpresas agradáveis que surgem repentinamente em nossas mãos.

Alberto de Deus Nunes foi poeta, escritor, filantropo, professor e jornalista. Faleceu em abril de 1969, na capital paulista, vítima de um derrame cerebral. Escreveu centenas, talvez milhares de poesias que ficaram, em sua grande maioria, perdidas, muitas engavetadas, consumidas pelo tempo. Mas outras tantas se salvaram e continuam vivas, transmitindo todo o ardor do poeta que é imortal; E tanto o poeta como as poesias, jazem presentes nesta manifestação literária, que lhe sorveu todas as suas aspirações no tempo, mas não o alento para apregoa-las.

Fazendo vir a lume esta obra, que por muitos anos permaneceu arquivada, Douglas não ditou esforços. Com tiras aqui e acolá, foi-se juntando poemas e poesias, cultivando, enfim, um todo. Uma obra inédita, inigualável dos anos 30 e 40 e que o Douglas soube como ninguém, registrar até no título, a dor pungente que atingia o poeta durante suas libações artísticas.

Este trabalho que juntou o acendimento criador atrelou além das que já existiam, muitas outras pesquisadas, reunindo uma riqueza literária, tendo como conseqüência para o leitor, o enriquecimento de sentimentos que a poesia transmite, pois se acha atualizada mesmo distante no tempo. A espontaneidade dos poemas, a suavidade do aparo que transmite sentimentos na brevidade dos versos, reunindo as estrofes como a pluma de algodão, tudo se encerra numa acerba obstinação de sobrepujar, por vezes seus próprios ideais; sufocante e áspera qual a dor dos agrados, tudo reunindo esperança, apesar de tudo, apesar da agonia evidenciadas nas letras do trovador.

O livro que estamos recebendo é uma demonstração viva de que, quando podam os líderes sempre ficam o tronco e as raízes presas ao chão. Cedo ou tarde, volta a brotar.

“Poemas de Deus”, não é apenas um broto, ou um ramo, é o próprio rebento gerado que suscita um novo gomo e que podemos saboreá-la através dos frutos nela contida. A própria poesia se declara como sendo um dos canais livres da inteligência, escoando sentimentos retirados do fundo da alma. Tanto no presente volume, como no poeta desaparecido, os sentimentos grafados se mesclam na magnitude da dor que o poeta quis manifestar, assim como na maneira diferente às vezes de sufocar uma paixão, intensamente avassaladora.

Obrigado a você Douglas, que teve a coragem de fazer chegar até às nossas mãos essa verdadeira obra prima da literatura piauiense. Oxalá pudesse existir outras dessa dimensão e assim podermos desfrutar dessa surpresa literária que se iguala às obras dos grandes gênios da literatura.









_____________________________

DEPOIMENTO



Ainda jovem sacerdote, por obediência aos meus superiores, vim residir em Picos, como vigário desta Paróquia, em setembro de 1947.

Tive, é certo, as minhas dificuldades.

Logo me apercebi, porém, que estava no meio de um povo acolhedor, de uma gente simpática, em grande parte ligada a mim pelo parentesco ou por laços de amizade de famílias. Conquistei muitos novos amigos, tornando-me mais forte, mais rico. Lemos no Livro do Eclesiástico (6,14): “Um amigo fiel é um refúgio poderoso, e quem o encontra, achou um tesouro”. Destes amigos, uns passaram a residir em outras paragens, outros se foram para a Eternidade, a chamado do Pai, Senhor da Vida, Senhor da morte.

Alberto de Deus Nunes, amigo fiel, foi um destes que se foram.

Primeiramente, em 1953, passou a residir em São Paulo. Depois, em 1969, se foi para a derradeira morada.

Apesar da distância no tempo, lembro-me perfeitamente do perfil, moral e físico, de Alberto Nunes. Era um forte, de corpo e de espírito. Pelas circunstâncias do tempo, não lhe foi possível conquistar lauréis universitários. Doutorou-se, porém, na Escola da Vida, tornando-se um autodidata, um “self-made-man”, como dizem os de língua inglesa.

Estudioso, o cabedal que entesourara na mente por esforço pessoal, sentiu-se na obrigação de transmiti-lo a outros. Para isto, ele foi professor.

Sensível aos problemas humanos, quis externar a outros as suas inquietações. Para isto, foi jornalista.

Os sentimentos mais nobres do seu coração transformou-os em belos poemas. Ele foi poeta, e que poeta!

Generoso, tinha o coração, as mãos e a bolsa abertos para os pobres, os detentos, os mais necessitados. Sabia repartir o pão, segundo os ditames de Jesus de Nazaré. Era um filantropo.

A maior riqueza do seu coração – o amor – dividiu-o primeiramente com Honorina Andrade, sua primeira esposa, que Deus levou logo ao nascer o primeiro filho, que logo depois a acompanhou na grande viagem da morte.

Foi um impasse difícil na sua vida, mas ele soube supera-lo heroicamente.

Casou-se em segundas núpcias com Almerinda Moura, nascendo-lhes deste enlace doze filhos. Bom esposo. Bom pai de família. Bom amigo. Tinha bom caráter, mas era inflexível nas suas decisões, quando as considerava corretas.

Lembro-me de um episódio de sua vida, que muito o magoou. Foi uma verdadeira prova de fogo para a sua dignidade de homem público.



Funcionário federal nesta cidade, foi, pelas autoridades do ensino, designado para fiscalizar as aplicações de provas no Ginásio de Picos. Uma vez que não podia fazer-se presente por ocasião dessas provas, ele, confiando no diretor e professores daquele estabelecimento, rubricava com antecedência as folhas oficiais das referidas provas.

Sentindo que estava sendo enganado, reagiu decididamente, recusando-se a rubricar tais folhas. Este fato acarretou-lhe sérios dissabores. Foi ele insultado, humilhado. Os alunos do Ginásio movimentaram a cidade. Fizeram programas de protesto numa amplificadora que funcionava na Praça Félix Pacheco, na chamada “Esquina Ideal”, tachando o professor, o jornalista, o poeta Alberto Nunes de analfabeto, entre outras coisas. Não satisfeitos, encenaram o seu enterro simbólico. Fizeram um caixão, cobriram-no de pano preto e de tarjas, e, parece incrível, saíram pelas ruas, uma cruz à frente. Uma aluna, vestida de viúva, carpia perto do caixão. Os outros, abraçados, cada um com cada uma, chorando alto, com velas acesas nas mãos, seguiam atrás.

Encontrando-me com o tal cortejo, eu protestei fortemente contra a profanação da cruz, levada num motim de estudantes. E pedi que a retirassem. O diretor do Ginásio, ou não quis, ou não soube, ou não pode evitar aquele drama nunca dantes visto, nem depois, na história desta boa, pacata e cristã cidade de Picos.

Apreensivo, dirigi-me para a casa de Alberto Nunes, então na hoje chamada Avenida Francisco Santos.

Afirmou Cícero, no seu livro “Da Amizade”: “Amicus certus in re incerta cernitur” – o amigo certo se reconhece numa situação incerta.

A situação para Alberto, naquelas circunstâncias, era incerta. E eu, e José Soares, procuramos ser amigos certos. Fomos visita-lo. Ficar ao seu lado, ao lado de sua esposa, dos seus filhos.

Encontramo-lo calmo, corajosamente tranqüilo. Aconselhamos-lhe que fechasse porta e janelas da casa, receosos do que fariam os manifestantes quando por ali passassem.

Felizmente, não houve nada contra ele. Deixaram apenas, nos batentes da porta e das janelas, as velas acesas, chorando lágrimas de cera, triste epílogo daquela encenação que bem merecia lágrimas de verdade.

Acredito que no mais íntimo do coração de Alberto Nunes, medrou um ressentimento profundo, por se ver assim tratado em sua própria terra, pela sua própria gente, sem nenhuma solidariedade por parte do seu próprio povo.

Talvez em conseqüência deste acontecimento lastimável, ele tenha decidido mudar-se para São Paulo, enfrentando toda sorte de dificuldades.

Alberto de Deus Nunes foi um forte. Lutou como um bravo, que não se deixa abater diante dos desafios da vida. Pode-se dizer que morreu pobre, como pobre viveu. Foi rico de coragem, de valor pessoal. E de filhos. Teve-os doze, seis nascidos em Picos; e seis em São Paulo. Prova bem patente de que confiava na Divina Providência.



Filho obediente da Igreja começou a morrer numa igreja, a de São Cristóvão, em São Paulo. Pela manhã saíra de casa em boa forma, alegre, para uma reunião de pais e mestres. Na volta, foi encontrado passando mal dentro daquele templo . Não se sabe se ele ali chegara antes ou depois do mal imprevisto que o acometera. Pessoas caridosas o socorreram. Por uma carta encontrada no seu bolso, descobriram o seu endereço. O quanto não sofreu Almerinda naquela ocasião. Quanto não sofreram também seus filhos. Levado para hospitais, não encontrou recursos que o salvassem da morte. Faleceu no dia 13 de abril de 1969.

Que a fé cristã, que nunca lhe faltou em vida, tenha-lhe servido de fanal, na sua saída deste mundo dos homens, nem sempre bons, e ingresso no Céu de Deus, sempre Bom e Misericordioso.

Um dos seus filhos, o Douglas, desejando escrever um livro sobre o seu heróico progenitor, e sabendo de minhas ligações de amizade com ele, pediu-me um depoimento.

Aqui está o meu DEPOIMENTO.

Sobre ALBERTO DE DEUS NUNES

Picos, Piauí, 25 de janeiro de 1987



Padre David Ângelo Leal.







________________________________

A P R E S E N T A Ç Ã O



Solicitado pelo meu irmão Douglas, o artífice material desta obra, para falar algumas palavras sobre o meu pai, senti-me comovido. Falar de meu pai sempre me comoveu. A herança espiritual deixada por ele é tão vasta, que dificilmente passo um dia sequer sem usar pequenas fórmulas de grandes filosofias saídas de seus lábios. Poderia ter sido um afortunado poeta, presente em ateneus de preciosos mármores, mas preferiu os escaninhos anônimos e sem privilégios de um lar, com a esposa e doze filhos a lhe atormentarem o intelecto inflamante. Posso dizer que mesmo numa advertência, ou numa surra corretiva, o que se notava em meu pai era a suavidade da voz portadora de uma linguagem escorreita, onde o verbo brincava nos ouvidos e cintilava no coração. Ele tinha o dom da palavra. Sua poesia foi destilada para nós outros da família, quando pertencia ao mundo. Daí nossa responsabilidade de propagar as que minaram aqui e acolá.

Nascido no lugar Lagoa Grande, Município de Picos, no dia 25 de abril de 1913, Alberto nunca freqüentou uma sala de aula. Na adolescência dedicava-se à confecção de livros e outros manuscritos que encontrava. Costumava refugiar-se, ora em seu quarto, ora à sombra das árvores na companhia dos livros, compenetrado em instruir-se e apurar a leitura. Sobraçava livros, almanaques emprestados. Copiava dicionários inteiros aperfeiçoando assim sua grafia e seu saber.

Até os quatorze anos era gago quase irrecuperável. Curou-se pela força de vontade inerente ao seu espírito. Vivia a discursar horas a fio, como se estivesse diante de uma multidão. Seu pai (meu avô), Benedito de Deus Nunes, tinha modesta barbearia na sala da frente, na hoje atual Av. Getúlio Vargas. Os fregueses ouviam os discursos daquela criança e saiam convencidos de que ali estava um caso triste de debilidade mental. Era difícil convencer as pessoas incrédulas do lado certo das coisas, naqueles tempos idos. Como soubera nosso poeta que treinar era o único recurso? Era, evidentemente, difícil conciliar o sertão de parcos recursos com a susceptibilidade latente e por vezes muito viva presente em sua alma inquieta.

Reabilitado da gagueira, parte para Fortaleza no ano de 1932, sobraçando livros e cavalgando um jumento, porém com lágrimas nos olhos. Amarga alguns meses a distância da família que em sonhos vêm fazer visita. As buzinas demais enjoadas ainda hoje em Fortaleza o serão em 1932, nos versos simples e puros?

É nessa época que a efervescência incontida da verve começa a desabafar suas libações artísticas, num cenário nada poético do Nordeste. Passados quase um ano, deixa as terras de Iracema e regressa ao lar paterno que ele denominava fagueiro. Retoma o trabalho de aprendiz de alfaiate e reinicia os estudos, tornando-se assim autodidata. Passa agora a ensinar. Mas não pára de escrever. A década de trinta absorve-lhe toda a sua juventude em estudos, trabalhos, por vezes até pesados, e a rotina da burocracia, certidões e cartas que lhes eram solicitados, face à leveza com que escrevia.



Em 1937 é contratado pela Vila de Jaicós, distante 50 quilômetros de Picos, para lecionar. O nosso poeta vencia duas vezes por semana tal distância no lombo de um eqüino durante horas. Tudo pela sobrevivência, mas, sobretudo pelo amor à propagação do conhecimento. É nessa escola simples que trava amizade com Honorina Coelho de Andrade, a qual também lecionava.

Como acontece nas histórias dos poetas, talvez pelo sublimado romantismo ou pelo amor imenso que dedicam às pessoas, meu pai casa-se com a professorinha em meados de 1937.

Contudo, como ele mesmo afirmava: -“A felicidade não é deste mundo”, no dia 24 de junho de 1939 morre Honorina, possivelmente de uma hemorragia pós-parto. Imagino aqui comigo o seu sofrimento interior, quando este moço é poeta, é artista amante das coisas mais puras e sacrossantas em sua vida humílima. Só uma pessoa assim é que sabe delinear a dor em todas as suas fases. Todavia, poeta é poeta e o amor não se esvai. Ele cresce como um leque e numa das extremidades refulge outro grande amor em forma de mulher. Casa-se com Almerinda Batista de Moura no dia 12 de outubro de 1940, já com seus 27 anos bem vividos.

Por esta época, era muito dado à política. Consegue, em razão disso, um cargo na Prefeitura de Picos, como Fiscal de Rendas. Cargo este decorativo, uma vez que o Prefeito o tinha sempre ao seu lado, como seu Secretário. Substitui por várias vezes o Prefeito e passa também a proferir seus próprios discursos. Em 1946 viaja à Capital Federal, na então cidade maravilhosa Rio de Janeiro, em busca de melhores condições de vida, onde trabalha por três anos como correspondente na Empresa Americana Park-Davis Corporation. Retornando a Picos em 1949 trazendo na bagagem um novo e revolucionário conceito jornalístico e procura empreender em sua cidade, com a fundação do Jornal “A Ordem”, juntamente com outros idealistas da época. Em suas páginas artigos pujantes e crônicas excitantes transformaram o mundo intelectual e os valores sociais dos administradores, isto é, passam a ter nova visão, com soluções objetivas, edificantes e não apenas divagações semânticas como era de moda. Por exemplo: foi um dos primeiros a denunciar no jornal o excesso de migrações de nordestinos para São Paulo, dando, evidentemente, soluções para fixar o homem à terra. E isto em 1950. Tinha várias idéias revolucionárias para a época, uma delas seria a construção pelo governo federal de uma linha férrea ligando Petrolina a Teresina.

Em 1952, Alberto Nunes era funcionário Público Federal, exercendo o cargo de Coletor Federal em Picos, e muito ligado ao jornalismo, onde escrevia como já foi dito, crônicas, artigos, poemas, contos etc. Como funcionário federal, foi designado a fiscalizar as aplicações de provas no Ginásio de Picos. Confiando no diretor e professores, rubricava com antecedência as folhas oficiais das provas. Sentindo que estava sendo enganado, recusou-se a rubricar as provas. Este fato acarretou-lhe sérios dissabores. Foi ele insultado, humilhado. Fizeram um caixão e cobriram-no de pano preto com uma cruz à frente, como um enterro, levando até em frente à sua casa, na hoje atual rua Francisco Santos. Tachando o professor, o jornalista, o poeta, o escritor Alberto Nunes de analfabeto, entre outras coisas.

“O texto do Padre David Ângelo Leal é arrasador! Ele foi muito feliz em suas colocações. Aquele texto é meu pai em pessoa. Narrou com detalhes o episódio que ainda ecoa nos meus ouvidos: a passeata, os xingamentos, as batidas fortes na porta. Minha mãe abraçada a mim e a Honorina, minha irmã pedia calma e nos confortava. A rua encheu-se de gente num tumulto apavorante. Meu tio, o Zuzinha, ficou próximo à porta com uma peixeira na mão. Meu pai o repreendia dizendo que aquilo era inútil. A confusão demorou. Parecia não terminar. Foi a noite mais longa de minha vida.

Padre David em seu depoimento, foi corajoso, sincero e verdadeiro. Deu-nos o mesmo sentimento que dera a Alberto naquela época, ao postar-se ao seu lado, ao lado do amigo, ao lado do mais fraco, ao lado da coragem. Nos dias subseqüentes meu pai notou que era “persona non grata” em Picos e decidiu partir para sempre”. (sic).

Naquele mesmo ano de 1952 veio a transferência para a cidade de São Simão, no interior do estado de São Paulo. Enfrentando todo tipo de dificuldade, parte Alberto Nunes com toda a família para o desconhecido, para uma região onde predominava o frio, em temperaturas abaixo de 0º, castigando furiosamente os viandantes desavisados do frio, além, sobretudo, do preconceito aos nordestinos, mormente existente nas escolas do interior do estado de São Paulo naquela época.

Em meados do ano de 1966, treze anos depois, Alberto Nunes torna à sua cidade natal em passeio, revendo por quarenta dias todos os seus. E em Teresina onde reencontra a irmã querida de suaves cabelos brancos Isaura Nunes Santos. Retornando a São Paulo, acompanha-o uma dor atroz, ingerida na alma, para nunca mais regressar àquela que ele chamava, lar fagueiro.

Acerba dor da saudade, então, se abate sobre o poeta e na dor pungente, escreve lindos versos dedicados à sua terra natal, encerrando contatos com a família amada, pais, irmãos e irmãs, seu lar fagueiro, o seu rio Guaribas de águas cristalinas, enfim, de seus ideais e de seus leais amigos.

Em 1968, residindo à Rua Dom Antonio de Melo, nº 93 no Bairro da Luz, na capital paulista, Alberto Nunes funda o jornal “Alvorada”, semanário de assuntos fiscais e literários que circulava de terça à sábado. A fundação do Jornal, era uma última tentativa de produzir algo valioso e poético e literário, apesar de ser um jornal em que trazia assuntos fiscais e editais de balanço e imóveis, era também um último recurso para minimizar as despesas do lar numa família numerosa composta de 14 pessoas.

Temente a Deus, Criador de todas as coisas, Alberto Nunes começou a morrer numa igreja, a de São Cristóvão na Av. Tiradentes, em São Paulo. Foi encontrado passando mal dentro daquele templo. Levado para hospitais, não encontrou recursos que o salvassem da morte. Faleceu no dia 13 de abril de 1969.



Hoje, passados 36 anos de seu falecimento, descobrem-se através de estudos aprofundados, o grande número de poesias e trabalhos em publicações em jornais, livros e revistas de cidades do interior de São Paulo, como São Simão, Bauru, Macatuba, Ribeirão Preto, Jaú, Limeira e Barra Bonita. Em reconhecimento a muitos serviços prestados, a Prefeitura Municipal de São Paulo homenageou-o com nome de rua no bairro do Tremembé.

Aproveitando o Depoimento do Padre David Ângelo Leal, que reputo como prestimoso e sincero, meu pai deixou realmente uma obra inacabada, cujos filhos em número de doze procuram aqui e ali costura-la. São as pinturas da mana Isabel, o sonho artístico com as tintas do Percival, as reivindicações do Jales, a excessiva leitura do Beto, a calma do Benedito, a expansividade da Josina, a destreza do Noca, a minha vontade de escrever, a novação rica de detalhes do próprio Douglas, as providências burocráticas do Américo, o recolhimento da Nainha e finalmente a humildade da Goretti. Todos possuem algo do gênio de meu pai, uma pessoa turbilhonada de paixões, incrivelmente cheio de façanhas realizadas em Picos e fora de Picos e, no entanto, “desconhecido ficou em sua bruma”, tão bem dito em sua última poesia, escrita três dias antes de morrer.

Escrevo, portanto, vivendo a paisagem do CASARÃO de meu querido e saudoso Américo de Moura Santos, pai de minha mãe e já vivendo as delícias do mundo espiritual, abrindo este livro que considero um dos melhores já impresso nestas bandas do Piauí.

Fico feliz e surpresa ao receber a informação de que a poesia intitulada PICOS, recebeu o primeiro lugar no Concurso Literário promovida pela UNE de Picos, em abril de 2.000. Na oportunidade, o presidente da UNE, lembrou a necessidade de se “redescobrir o poeta. Trazer de volta à vida a obra desse que foi no passado de Picos, um idealista, escritor, poeta e professor, um homem comprometido com o seu tempo, pois Há Homens que Nascem Póstumos”. - “Alberto Nunes foi um poeta e um artista que pintou (brincava) com as palavras e aprisionou o tempo e os versos”.



Jeovah de Moura Nunes

"Jeovah de Moura Nunes é poeta, escritor,

crítico, jornalista, relojoeiro, comerciante, camelô, foi secretário de grandes empresas, estenógrafo, auxiliar de engenheiro agrônomo, motorista, viajante e lojista. Atualmente está com 20 (vinte) livros escritos, mas apenas 4 (quatro) publicados. Tem, entretanto, dez livros publicados virtualmente, o chamado "e-book".

Reside em Jaú - Estado de São Paulo.





_____________________________________________

SONETO QUE ME CRUCIA





Vou partir pesaroso e sombrio,

Vou partir transpassado de dor!

Separando-me, em pranto eu sorrio,

Para em choro cruel não me pôr!...



Vou deixar dentro em breve os meus pais,

Vou deixar cinco irmãos bem queridos!

Qual momento pungente que faz

Uma família em doentes gemidos!...



Cara mãe! Ainda mais um adeus!

Um adeus que escrevo chorando,

Afogado em soluços pr´os céus!...



E papai que os poderes são seus,

Dê perdão a seu filho errando!...

E adeus, pai, irmãos, mãe, adeus!





Picos, 02/06/1933









EU





Aos vinte e cinco do mês de abril

Do ano treze, às dezesseis e meia,

Nasceu em Picos, Piauí, Brasil,

Uma criança cabeçuda e feia.



Esse vivente, na vida infantil,

Jamais gozou além da pança cheia

Mas hoje – ai, Deus! – na quadra juvenil

Nem sempre come, porque muito anseia.



E escreve versos – dolorosa tese!

Carpindo a vida cruciante e acerba,

De certo por vir dum presságio treze...



Seu canto – o treno de quem já morreu

Sentindo o mundo na infernal soberba

Assina, ressentido, o nome meu...









DEDICATÓRIA





Caro patrício que ler este livro,

Não me leveis à incredulidade;

- Se o livro é pobre, não tem estrutura,

Mas mostra uma força de vontade!...



Se nele vedes falhas de aprendiz

Feios senões em grande quantidade.

Lembrai-vos de que só por mim foi feito

E que eu só tenho a força de vontade.



Vejo que não mereço o tal desprezo

Que dão os ostentosos da vaidade.

A eles não envio este livrinho,

- Não sabem o que é a força de vontade.



Em face do saber eu só possuo

A natureza e a curiosidade;

Sou pobre e aqui nasci, sou sertanejo

- Não tenho a mais da força de vontade.



Devemos dar somente o que podemos

Pois, pra estudar com mais facilidade

Foi que fiz este livro que vós tem

A vós, pois, uma força de vontade.









PICOS





Emoldurado caprichosamente

Por um rosário enorme de colinas

Agita-se entre quérulas buzinas,

A linda Picos, gárrula envolvente.



Banhada pelas águas cristalinas

Do plácido Guaribas, certamente

Minha cidade é muito florescente,

Por suas qualidades peregrinas.



Que belo vê-la sempre atarefada!

De música, de flores enfeitada,

Suando na canícula do clima!



Que singeleza em todos os seus prédios!

Mas que colosso a igreja dos Remédios,

Em que seu povo todo se sublima!









A MERETRIZ





Somente a meretriz, ao que parece,

Dos preconceitos vive independente

Porque vivendo depravadamente

Nenhuma lei ou norma ela obedece.



Tristíssimo destino o dessa gente

Tão livre, mas, que infelizmente esquece

Que, alegre e descuidada, permanece

No cárcere do vício repelente.



Escrava voluntária do pecado

É, todavia, o triste resultado

Do convencionalismo que envenena.



Pobre mulher! Não fiques muito tarde

Mercadejando a carne, vil, covarde

Levanta-te, qual nova Madalena.









A PROSTITUTA





Escandalosamente destronada

Dos paramos divinos da pureza,

Passeia, alegre e desavergonhada,

Bonita moça aqui da redondeza.



Exibe-se, oferece-se coitada!

No trágico mercado da impureza

Sedenta de prazer, narcotizada,

Vegeta a pobre vítima indefesa.



Mas quantas prostitutas disfarçadas,

De puras e santinhas rotuladas

Não há, sobrepujando as meretrizes?



Tumores asquerosos da maldade

Essas figuras, na sociedade,

São mais covardes e mais infelizes.







O MEU BRASIL





País tão novo, tão forte e fecundo

Como esta terra de grandeza mil,

Não há quem veja um outro no mundo,

Nem quem descubra oculto outro Brasil!...



Oh! Que beleza vê-se nesta terra!

-- Um paraíso de vida grácil...

Como é feliz a gente que descerra

Os olhos virgens neste meu Brasil!



Oh! Que fulgores tens nesta amplidão!

Que lumes de ouro neste céu de anil!

Grandeza infinda neste meu sertão,

No litoral e em todo o meu Brasil!...



Dizer, quem há de, meu país de amores,

O dom que tens assim primaveril?!...

-- És tão florido que nas tuas flores,

Ébrio, eu não falo – Sinto o meu Brasil!...



Extasiado, fico mudo em ti...

E sou feliz na quadra juvenil!...

Mesmo afastado no meu Piauí,

Conheço e sinto o meu grande Brasil!...





Picos, 1.935









O POBRE





Ser pobre no Brasil é ser ninguém.

É ser trambolho que se evita e se afasta.

Lei que o protege logo se desgasta,

Na má vontade dos que tudo tem.



Até lhe dão a pecha d´uma casta

Humana inferior e vil, a quem

Falta a cultura, falta todo o bem,

Por força d´uma sina assaz madrasta.



Por qualquer erro o pobre é logo preso,

Cumpre sentenças longas, sofre o peso

De uma justiça oriental de xátria.



Porém, o pobre é povo, é maioria e,

Se algum dia houver democracia,

Teremos nele a salvação da Pátria!









PICOS, MINHA TERRA





Esta minha terra amada,

Que é por Picos batizada,

Me embeleza, me seduz...

É que ela é a natureza

De mais luxo e mais beleza

Que já fez o bom Jesus!...



Esta terrinha daqui

É do grande Piauí,

Território do Brasil.

É cidade florescente,

Dá vida pra toda gente,

Nada em minha terra é vil.



Tem comércio, tem usina,

Tem lavoura muito fina

E tem criação de gado.

Faz mui grande exportação,

Minha gente tem ação

- Trabalhar é o seu fado.



Minha terra tem amores

Na brisa com seus rumores,

No vergel doce e fagueiro

Que fica dentro do muro,

Do qual sinto o que figuro

Neste canto de roceiro.



Quisera que as nove Musas,

De inspiração inconfusas,

Ajuda sem minha pena

Para, como Casimiro,

Cantar em doce suspiro

Minha terra nesta cena.



Minha terra, amado berço,

Onde à noite rezo o terço

Sempre ao lado de mamã.

Terra de vergel de amor,

Do vergel que me dá flor

A Laurita, minha irmã...



Minha terra é tão formosa,

Tão gentil e tão mimosa

Por ter tanta poesia...

Quem será que nesta terra,

Vendo o que nela se encerra,

Não se encanta e se extasia?



Qual será seu habitante,

Ou mesmo qualquer passante

Que não vê a primazia

De Deus neste paraíso?

Tirai a prova a juízo,

E vereis que poesia.



Vereis que temos riqueza

Nesta terra qual princesa

No seu leito a espreguiçar-se,

Não se vê promiscuidade;

Do trabalho, na verdade,

É difícil descansar-se.



Vereis belas serrarias

Caternas de cercanias,

Arvoredos seculares

Carnaubeiras gigantes,

Coxilhas tão verdejantes,

A natureza em seus cantares.



Vereis que tenho razão

Em contar, nesta canção,

Estes revérberos seus;

E que é sua poesia

Que me dá tanta ufania,

Pra contar o que fez Deus...



Minha terra sendo assim,

Cheia de tanto festim,

Furtar-me-ia a bendize-la?

-Não! Em mim por ela pulsa

Meu coração, que em repulsa

Viveu tempos, por não vê-la.



Sim; Já conheço a saudade

- A grande contrariedade

Que fenece um coração

Em viver longe carpindo

Crua ausência; a dor sentindo

Por não ver o meu torrão...



Foi minha terra que deu,

Com todo esse encanto seu,

Poesia à minha pena!

Porque foi por sua causa

Que na ausência, numa pausa,

Rimei saudade serena!...



Quem me deu a poesia

Foi meu ninho de alegria

Suscitando-a na saudade!

Portanto é terra bendita

- Picos, toda a minha dita;

Minha mor felicidade!...



Terra da minha inocência,

Em que naquela indolência

De precoce e leda vida,

Balançava-me em cipós

Que fortes, lisos, sem nós,

Viam-se em sombra querida...



Terra das azuis falenas,

Em que nas tardes amenas

Ia vê-las no regato.

Via então grandes contendas;

Bofetadas estupendas

Chega, era mesmo um fato...



Minha terra vou finalizar,

Já estou rouco de cantar

O que justamente és.

Contei o que é ser picoense,

Fui-te fiel, ninguém pense

Que eu seja de vil jaez.



Já que grande é minha terra,

Com seu rio e tanta serra,

E eu sou ente sem valor,

Peço a Deus olhe pra mim,

Pra que sempre cante assim

Hinos à obra do Senhor!



Esta minha terra amada,

Que por Picos é chamada,

Me fascina e seduz.

Ela é meu querido berço,

Onde à noite rezo o terço

Ao Coração de Jesus...









M I N H A I N F Â N C I A





Como triste vou contar

Algo de quando em criança

Desfrutei, com segurança,

Da inocência seu cantar!

Sou mui triste, na verdade,

E mais, por ser a saudade

Que dá tédio a esta idade

A que vivo a experimentar!...



Foi deveras bem gozado

Esse tempo de folguedos,

Em que eu sempre com brinquedos

Achava tudo encantado!...

-- Fazia na várzea cenas,

Corria atrás das falenas,

Via as marrecas serenas,

Na lagoa a todo nado...



Punha a “funda” em forte ação

-- Matava muitas casacas;

Pegava aquelas mais fracas,

Dava-lhe sua extinção.

Mas as do papo amarelo,

Na gaiola, com farelo,

Trancava-as para o magrelo

Do Zuzinha, meu irmão...



Era vida de regalo!...

-- Via a altura do urubu,

O horário da nambu,

As corridas dos cavalos;

As borboletas voarem

As flores, para beijarem,

Ouvia os machos piarem

E o cantar forte dos galos!...



Nunca vi felicidade,

Tamanha glória na Terra

Que dê tudo quanto encerra

A nossa precocidade!

-- Quando me lembro daquela

Mania de ir pra janela,

Para ver a grande tela

Do Mundo em festividade...



Oh! Meu Deus, quanta lembrança...

Me crucia a paciência!

Tende, Senhor, a clemência

De os meus tempos de criança

Não me viverem na mente!

-- E então, muito contente,

Rezarei, constantemente,

Por tão feliz aliança!...



Mas, continuo a pensar...

E me lembro da palestra

Daquela sonora orquestra

Das aves a gorjear...

Lembro-me do boi pintado,

Que dizia ter comprado

Para, depois de domado,

Sorridente passear...



Lembro-me também da roça,

Onde vigiei arroz;

E só voltava depois

Das seis, para a nossa choça.

Lutava com passarinhos

Que queriam os cachinhos

De arroz, inda novinhos,

Sendo grande faina nossa...



Em junho ia às novenas

Rezadas a Santo Antonio;

Satisfeito e mui risonho

Cantava-as, junto às dezenas

De pessoas ao redor;

Sabia todas de cor,

E no altar sempre ia por

Em ordem as açucenas...



Tudo achava deslumbrante

Como inda são as manhãs.

Minha mãe, minhas irmãs,

Eram meu tesouro infantil...

Assim cheio de alegria,

Não pensei que a poesia

Me fizesse companhia

Pra sentir vida penante...



Verdade pura! – Estes meus

Pensares que me atormentam

Só se acalmam e afugentam

Quando, olhando para os céus,

Elevo meu coração

Em sinal de imploração,

Pedindo absolvição

Dos pecados ao Bom Deus!...



Oh! Mui triste já contei

Algo de quando em criança

Desfrutei, com segurança,

Da inocência o que narrei!

Sou mui triste, na verdade,

E mais por ser a saudade

Que dá tédio a esta idade

A que sempre experimentei!...





Fortaleza, 01 de junho de 1.933

O poeta aos 20 anos de idade









M A M Ã E



Mamãe eu tenho um segredo

Pra lhe contar amanhã!

É lindo como são lindos os olhos

De minha irmã.

É belo como as florzinhas

Daquele pé de romã.

Mamãe eu hoje não digo

Mas eu lhe digo amanhã.



Foi Mamãe mesma quem disse,

Que os sonhos que a gente tem

Pra se tornarem verdade

Não se diz nada a ninguém.

Mas amanhã eu lhe digo

Se outra vez eu sonhar,

Porque assim são três vezes

Eu posso o sonho contar.



- Te deita meu filho e reza.

Prostar ao peito as mãozinhas,

Que Deus sorrindo aparece

no sonho das criancinhas.

Assim dizia beijando a mãe

ao lindo filhinho,

Que adormeceu como dorme

Nos pés de Deus um anjinho.



No outro dia cedinho

Marchetado em rubi,

Logo Henrique acordava

mamãe assim:

- Mamãe, mamãe me dê água,

que sede, meu Deus que sinto.

- Mamãe que doces gostosos

Comi do céu de onde vim.



Foi São Miguel quem levou-me

Para uma festa de Arcanjo,

Lá no céu onde os meninos

Brincavam por serem anjos.

Mamãe que rosas tão belas,

Que borboletas, que luz,

Que beija-flores tão lindos,

Mamãe eu disse a Jesus:



- Papai do céu, eu não quero

para a Terra feia eu ir!

E Jesus sorrindo me disse:

- Vai ver se tua Mãe quer vir!

- Vamos, vamos mãezinha,

Que Deus mandou lhe chamar.

Aqui mamãe só tem pranto,

Lá não tem de que chorar!



No outro dia a criança

Amanheceu morta no chão,

Qual vela branca apagada

Ao sopro da viração.

E pobre mãe que não viu

Seu lindo filho morrer,

Ficou aflita e chorosa

Quase louca a correr.



Foi tarde lembrar do sonho.

Procura o seu filho no berço,

Não encontrou rasgou o seio

Julgando acha-lo no peito.

A noite no seu outeiro

Foi assentar-se na praia

Esperando a criancinha

Onde a luz desmaia.



Alberto Nunes

Teresina, 21 julho 1966









TEUS OLHOS



Teus olhos, moreninha, são diamantes

Que incitam a noite a um esboço imenso,

E quando os vejo assim tão fascinantes,

Num êxtase ou num sonho eu te pertenço!



Não tem rival teus olhos ofegantes!

Fitando-os não sei se em tudo penso,

Porque eu só penso que sou dos amantes,

Que com as deusas tem firme consenso...



Peço-te pois, morena, o esplendor,

Que teus olhos a incitar amor,

Neste meu martirizado coração...



Vem! Dá-me um lenitivo à minha dor

- Só tu és o meu guia e salvador,

Na vida amarga e triste da paixão!







O S O L



Oh! Que maravilhoso esplendor!

Espalhas pela mata e pelos prados,

Num êxtase contemplo teus fulgores,

E cismo nos teus belos predicados.



Tu és a vida mesmo nos ardores

Do meu dia! – Por todos os lados

Produzes chuvas, amenizas dores,

Salvas o Mundo com bens sublimados...



Mas admiro mais as tuas cores

Quando, pela manhã – tão multicores,

Que me prendes os olhos para os céus.



À tarde, então, ao invés de teus calores,

Mostrando um ouro que provoca amores,

Me dizes: - Quanto é grande o Senhor Deus!









AO CHEGAR



Foi das serras que avistando a cidade

de Picos – terra amada, lar fagueiro –

Bati na mula para mais ligeiro

Sarar-me as grandes chagas da saudade!



Mui sôfrego, passando o meu ribeiro,

Entrei nas ruas com vivacidade;

Olhando os pontos que numa outra idade

Brinquei, contente, o mais feliz viveiro.



Cheguei. Entrei. Abraços apertados...

É que abracei meus entes adorados,

Na efusão da amizade padecida.



- E mamãe? ... – com um soluço vexadíssimo

Falei – “Foi a visita do Santíssimo...”

Não tardou, abracei mamãe querida...





Picos, 16.03.1934









GRILO INFAME





Ah! grilo desgraçado, és infame!

Como é que estragas a melhor das roupas

Que guardo para um dia festejado?!...

Porque os ternos rotos tu me poupas?



Minha roupinha que eu tanto zelava

Tem dois buracos irremediáveis;

De brim caro, de quatro mil réis,

Dificuldades incomensuráveis...



Estou sem roupa – Deus! – só tenho trapos,

E sem dinheiro, sem mesmo um vintém...

- Como ouvirei as missas dos domingos?

Meu Deus! Sou pobre como mais ninguém!



Quando terei, ó Deus, outra roupinha

Igual aquela que o grilo estragou?

Jesus amado, vós que fostes pobre,

Vede a penúria atroz em que estou!









RECONHECIMENTO



Sentindo que aproxima-se o dia

Da suprema alegria deste mundo,

Posto-me ante a imagem de Maria

Em reconhecimento o mais profundo.



Porque a graça de tão grande alegria,

Alcançada de amor santo e fecundo,

É o fruto do que eu sempre pedia

À Virgem Mãe para a vida neste mundo.



-Ajudar-me na luta pela vida

Desde o dia da minha despedida

Da casa santa do meu berço amado.



E ouviu-me a Nossa Mãe da Conceição

Agora, caminhando pro sertão,

Retorno ao meu povo adorado!...







Viajando, 12.03.1934

De Fortaleza para Picos.









O ORGULHOSO





Que personalidade patogênica!

Pior que tudo que no mundo existe

De vil e imundo, e sórdido, consiste

Em grossa paranóia neurogênica!



Tua figura, eternamente triste,

Empavonamente fotogênica,

Estorva sempre a melhoria eugênica

Da espécie humana que te não resiste.



O orgulho que te enfuna e te deforma

É a cátedra satânica que forma

O teu caráter caviloso e mal.



É homem só de nome, sim; és lama.

És a excrescência ilustre da má fama,

Contigo é certo que só mesmo pau.









SE TU SOUBESSES



Se tu soubesses, ó minha deidade,

Do que se passa pelos corações

Dos moços que não tem felicidade

Talvez sentisses minhas aflições...



Se tu soubesses que em meu peito invade

Um pranto enorme de desilusões,

Talvez tivesses de mim piedade

E me sorrissem tuas afeições...



Ai, do poeta assim desventurado

Que tanto ama e nunca foi amado!

Ai, do vivente que for como eu...



Se tu soubesses deste amor, querida,

Talvez me desses toda tua vida,

Porque sou teu, inteiramente teu!...









A VIRGINDADE DE MARIA



Sentaram-se no banco de um passeio

Dois moços em grotesca discussão.

Um fala contestando, sem receio,

A Virgem Mãe de Deus e a confissão.



O outro, bom rapaz, logo interveio,

Dizendo ser ilógico a asserção.

-Às vezes ficas preso, sem receio,

Então precisas obter perdão.



E vais ao Diretor, contar-lhes a culpa

E juras ser fiel e bom no estudo;

Confias no poder da autoridade.



E quanto a Mãe de Deus, não há desculpas!

Não dizes que só Deus pode com tudo?

Como não pode dar-lhe a virgindade?











NOIVO



O pai de minha diva deferiu-me

Aquela petição desajeitada.

Que belo! A Providência conferiu-me

A dita de noivar com minha amada!



Agora tudo vai mudar. Sorriu-me

Toda a felicidade desejada.

O amor, que tudo pode, conduziu-me

Aos píncaros da vida afortunada...



Vou construir meu ninho. Quero tê-lo

Tão puro e casto como o das pombinhas;

Tão puro e simples sossegado e belo!



E o mundo velho das desgraças minhas

Que fique por aí – hei de esquece-los,

Que o mundo, para mim, tem, novos limbos...











SAUDADES MIL



Penso: - qual triste é viver

Sem te ver,

Ó querida gente minha!

Não suporto o dissabor,

Desta dor,

O consolo não me aninha!



Saudade mil do meu céu,

Do que é meu:

Meus bons pais e meus irmãos

É deveras torturante,

Cruciante,

Cruciante para os Cristãos!...



A vida de Casimiro

- Eu a miro

Esclarece bem a minha:

-Ele, longe, escrevia

Poesia,

Versos à sua mãezinha...



Sem que possa eu o imito

Com o fito

De provar: -vivo a carpir

A saudade que dá tédio

Sem remédio,

Que se possa â dor fugir...



Quando de manhã eu vinha

À salinha!

O café então bebia,

Ao lado de meus pais

Ainda mais,

De meus irmãos... Que alegria!



Lembro-me da glauca terra

E da serra,

Do colear daquele rio!...

Também vejo as andorinhas,

Tão mansinhas,

Sobre a igreja, no cicio...



Deixar em tão moça idade

A cidade

De Picos do Piauí...

Pais, irmãos e torrão, berço...

Não exerço

Vida alegre estando aqui.



Uma mãe, o maior bem

Que se tem

Neste mundo de ilusão!

Por mamãe eu me sujeito,

Satisfação,

A qualquer execução!...



Quanto os santos que viveram

E morreram

Sofrendo de horrendo algoz,

Sem a Deus terem pecado...

Mas ficado

Com a lei que ele nos pôs...



...Sim! No céu pra se entrar

Expiar

Os pecados é mister!

-E eu tenho iniqüidades...

As saudades

Devo, pois, bem merecer!...



Fortaleza, 13 de julho de 1933











A ORGULHOSA



Não te orgulhes, ó mulher, por seres rica;

-Tua riqueza é mesquinha para a minha

pois, sou poeta, e poeta é inteligente,

e a inteligência é ouro que não tem fim!...



Não te orgulhes, ó mulher, por eu ser pobre;

-Eu não aspiro ouro terreno ruim...

eu só desejo a salvação da minha alma,

e neste mundo escrever versos assim!



Não te orgulhes, ó mulher, em tal grandeza...

Pois, tudo passa, até o mundo tem fim!

-E, se não queres sofrer eternamente,

Não te orgulhes para os pobres sem festim!...











VEM, QUERIDA - 01

ELEGIA





Da quadra inocente da vida de outrora,

Da vida que chora ou que ri só por fado,

Conservo, saudoso, na minha lembrança

De quando em criança te via a meu lado.



Tu eras amiga sincera e contente

E constantemente brincavas comigo.

Não tinhas o orgulho com que me torturas

Nem tinhas loucuras de fero inimigo.



Eu sou sempre o mesmo, quer queiras, não queiras

Voltar às maneiras com que me tratavas.

Sozinho eu fico revendo o passado;

Ele é o atestado das “bolas” que davas...



Tu passas bonita na minha calçada,

Pisando empinada e não falas comigo.

Que foi que te fiz para tal merecer?

Há mal em fazer poeminhas contigo?



Pesado demais o meu fardo de vida,

Assim sem guarida, sem luz ao relento...

Na minha existência tão dura, sombria

Só tenho alegria no meu desalento...



Mas se me voltassem aqueles ditosos

Momentos gozosos do nosso passado,

Querida, eu te juro, não te tocaria:

A mim bastaria brincar a teu lado...



O trono luzente que tens no meu peito

Confere o direito de seres rainha.

E com vassalagem eu te serviria

De noite e de dia na nossa casinha...



Não tardes, querida! Supere esse orgulho!

Embrulha-o e o embrulho humilhante espezinha!

Sê digna dos dias mimosos de outrora.

Oh! Vem, sem demora brincar de rodinha...













VEM, QUERIDA - 02



Da quadra formosa da vida de outrora,

Da vida que chora ou que ri só por fado,

Eu guardo em espinho ferindo a lembrança

De quando em criança te via a meu lado...



Tu eras amiga, gentil, inocente,

E alegremente brincavas comigo

Não tinhas o orgulho com que me torturas

Com o qual me procuras ser teu inimigo...



Não sou sempre o mesmo, embora não queiras

Voltar às maneiras com que me tratavas,

Sou brando, não posso rever o passado,

Ele é o atestado do quanto me amavas...



Tu passas ereta ao pé da calçada,

Em forte pisada não falas comigo...

Que foi que te fiz para tal merecer?

Será por dizer que sou teu amigo?



É duro demais se viver esta vida,

Assim sem guarida em completo relento...

Não quero não devo ser reles figura,

Sabendo da agrura pra sempre erguida...



Assim é muito triste para mim o passado,

Definho ao lado da flor do viver...

Terás alegria, eu te felicito,

Meu pobre prestígio não tardas a ver...



Da quadra inocente da vida de outrora,

Da vida que chora ou que ri só por fado,

É que em plangentes idílios de moço,

Me vem o esboço por ti torturado.











S O U T R I S T E



O mundo forte não cansa na lida,

Segundo diz a própria matéria;

Mas eu, na idade juvenil da vida,

Vivo lutando numa vida “séria”...



E a força então, em que fase consiste,

Se sou tão moço e – débil, sem pujança?

Deus, inclemente, diz que ela existe,

Porém o pobre só tem esperança...



A força, pois, é coisa que não tenho,

Porque no mundo tudo é vil e vazio!...

Assim espero carregar o lenho

Da minha cruz até o meu Calvário.



Já tenho a força só em ser tão pobre,

Conheço a marcha de quem goza a vida.

Tendo na mente o irrevogável dobre,

Eu não terei a salvação perdida.



E sou um moço embevecido, ardente,

A sonhar glórias as mais divinais;

Não sou Bocage, mas unicamente,

Um brado contra o mundo vil, falaz.



Porque não devemos viver qual Ahasverus,

Somente nos meros sentidos da vida.

Não quero não devo ser reles figura,

Sabendo da agrura pra mim sempre erguida!...



Assim é mui triste pra mim o passado,

Definho ao lado da flor do viver...

Terás alegrias, eu te felicito!

Meu pobre prestígio não tardas a ver!...



Da quadra inocente da vida de outrora,

Da vida que chora ou que ri só por fado,

É que, em plangentes idílios de moço,

Me vem o esboço por ti torturado.













MARTÍRIO



Minha vida é tão dolorida,

Tão cruel e tão sentida,

Quando penso nos teus olhos...

-É deveras torturante

O viver de pobre amante,

Sentindo tantos abrolhos...



Ai tristezas! Ai martírios,

De prolongados delírios,

De desprezo e esquecimentos!

Ai! Dores cruéis! Pungentes

Nos meus tristes ambientes

De completo isolamento!



Amor! Que horrível amor!...

Que amor de tanta dor

Vivo, vivo a experimentar!

Tão sozinho, neste exílio,

Sem alento, sem auxílio,

Sem fé... Neste delirar!



Como foste pura e santa

Naquela vez, que me encanta

Só em me lembrar agora,

Quanto me juraste amor!

E já vives num torpor,

Não te lembras dessa hora?...



Ai! Amor de desenganos

O dos falsos levianos,

Olhos sedutores, belos!

Ai! Que dor tudo me faz

-Ela não se lembra mais

Que comigo teve anelos...



Foi num belo mês de julho,

A sos tínhamos o arrulho

De andorinhas inocentes,

Que eu, de amor sempre faminto,

Junto a ti, junto a teu cinto,

Tive momentos ardentes...



E tu te esqueces, ciente

Duma noite sorridente

Em que sentimos em céu?!...

Não te lembras mais daquelas

Palestrinhas das janelas

Em que eras minha e eu teu?



Não é possível, morena

Minha encantadora Helena,

Que não tinhas na lembrança

Aquele baile de Maio

Em que quase num desmaio

Me beijavas a aliança!...



Não é possível, amor,

Minha verdadeira flor,

Que tu te esqueças, tão cedo

De dois anjos sorridentes

Uma deusa e um aedo!...



Demais, agora me lembro,

Foi a quinze de setembro

Que nos ébrios devaneios

Duma valsa sedutora,

Pizei... Não sei como fora,

Tive extáticos enleios...



Pisei... pisei em teu pé;

E sem mesmo te ver, te

Perdia... Perdia a mente.

Corei. Pedi perdão, posto...

Respondeste-me “era gosto

se pizasse novamente”...



É quase incrível, Helena,

Minha querida morena,

Esta tua indiferença!...

Já que tens mau coração;

Me passando esta lição

Em ti não terei mais crença!...



Quantas cousas não se sentem

No deslizar, tão fremente,

Da vida nas seduções!

Quantos entes a sofrerem,

Chegando mesmo a morrerem

Pelas suas afeições!













BENEFICÊNCIA SOCIAL





Aurora límpida. O Sol se levanta.

A passarada em voz sonora canta

A Deus nas alturas;

O mundo acorda do sono das trevas;

Trabalhadores, ávidos, em levas,

Vão às aventuras...



O camponês à sua roça corre,

Todo legume com os olhos percorre

Com a mente a julga-lo;

Na praça cada qual ja se ocupara,

Na estrada o viajante a conquistar

Léguas a cavalo.



Nesse dia de tanta poesia,

O “seu” Mandi, mui longe de alegria,

Não tinha um só pão;

E triste, sem saber onde almoçar,

Hesita, sem certeza do jantar,

Numa objeção...



Atrás de ganho corre até a rua,

E pede um “jeito” aos da amizade sua

O que lhe não dão.

Pede emprego de toda a natureza,

Não vê quem lhe sacie a fome acesa,

Cresce-lhe a aflição!...



Assim, luzente, sem serviço algum,

O “seu” Mandi, na sentença incomum

De não mais comer,

Vê os filhinhos a choramingarem,

Fere-lhe a dor de nada mastigarem

E diz: “Que sofrer!”



Acanhado, ele não vai mendigar;

Vem a tarde e sem nada mastigar

Fica tresloucado...

Corre a casa a procura d´um objeto,

Não acha, pois vendera até o espeto

De fazer assado...



Pensa, não vai, pois nunca mendigou;

Não achar jeito pr´o que nunca usou,

Nem supôs usar!...

Acha melhor mandar os seus filhinhos

Quebrarem os penosos jejunzinhos,

Pedindo a andar...



Passam-se os dias. Hórridos momentos!...

“Seu” Mandi tem sofrido fragmentos,

Acha-se desfeito...

Tem vivido à mercê d´um seu compadre,

Mas já ouviu da boca da comadre:

“- Acaba-se o jeito!”



Então, no meio de tanto penar,

Vem-lhe a idéia de ao padre ir falar

Sobre a caridade

Da obra divinal de São Vicente.

Corre, vai receber, sofregamente,

A santa piedade...



Assim fazendo o velho Mandi vive,

E a gordos burgueses sobrevive,

(Causa original).

Todos os dias tem o seu abrigo!

Tem quem lhe core com o caldo, com o trigo,

Nisso, tão fatal!



Passam-se os tempos; vem enfim o inverno.

O “seu” Mandi, com um pedido terno,

Planta um quintalejo.

O inverno é bom; o milho e o feijão crescem

As touceiras do arroz o cacho erguem

No melhor desejo...



Vem a colheita, “seu” Mandi se farta:

Deu tudo bom, não teve nem lagarta,

- Parece milagre! -

Tudo agora é xenxém pro torturado,

Que há meses não mais tinha pescado

Ao menos um bagre...



Vai o nosso Mandi à Conferência

De São Vicente de Paulo à clemência

Grato, agradecer.

E penhorado diz, textualmente:

-“Quero ser vicentino, eternamente,

Pois, grato ei de ser!...”



Do bem de São Vicente espalha o bem

O bom do “seu” Mandi, que sempre tem

Na mente a grandeza

Da sociedade sã dos vicentinos,

Em livrar pobres de cruéis destinos,

Com tal gentileza!...



Então, um dia, “seu” Mandi exclama:

- Oh! Grande santo! Quem não te proclama

Vicente Bendito?!...

Mui grande é o teu poder sobre a pobreza,

Eu sou o exemplo de tua grandeza,

Nada em ti é mito!...



E vêm auroras, dias como aquele,

Poético e alegre em que só ele,

Mandi, não cantava.

A passarada seus trinados solta,

Ele desperta e ao seu trabalho volta

Sim volta ao que amava.



Efetivamente é a Sociedade

De São Vicente a mor felicidade

Pra vida dos pobres;

Devemos envidar grandes esforços,

Cooperando pr´os seus fins gloriosos,

Por serem tão nobres!...













VERSOS DE AMOR



Oh! Que dias dolorosos

Esses que passei ausente,

Amando como um demente

A miss de minha terra!

Oh! Que dias de tormentos

Passem sem ver minha bela,

A verdadeira donzela,

Que aos meus olhos tudo encerra!



Predicados como os teus,

Tão virgens próprios de santa,

Poeta algum, jamais canta

Poema que lhe faz jus,

Porque são misteriosos,

Mas levado por paixões,

Não me furto a descrição,

Pois sou mártir e tu és a cruz.



Teus olhinhos tão espertos,

Atraentes, excitantes;

E tuas faces amantes

Convidam-me a acrescentar

Estes versos de louvor

Ao perfil de encantos.

Mas, pergunto-me: - Com quantos

tu podes acalentar?



Oh! Não creio que respondas

Negando-me o teu amor;

E não me faças supor

Que hesitas em me querer...

Mas, se não queres cantar

O que agora estou cantando,

Diz apenas me olhando:

Contigo eu me quero ver!...



Se é que dizer me confortas

E feliz serei então;

Dando-te o meu coração,

Poderei gozar a vida.

E juntinhos, bem juntinhos,

Tu dirás, alegremente:

-“Quem viver assim não sente

Uma vida empobrecida”...



Oh! Que dias dolorosos

Esses que passei ausente

Amando como um demente

A miss de minha terra!

Oh! Que dias de tormentos

Passei sem ver minha bela

- A verdadeira donzela

Que aos meus olhos tudo encerra!













MEDITAÇÕES



Eu não trouxe boa sorte

Pra viver aqui na terra;

Pois aqui só mesmo o forte

É que vence, é que descerra

A amplidão dos mil castelos

Da ventura, que são pelos

Domínios róseos e belos

Do saber que tudo encerra.



Eu adoro o meu sertão,

- Estas matas, estes prados...

Mas, meu Deus, sinto aflição

Por ser um dos desgraçados

Que desejam Hipocrene,

Esta fonte tão perene,

Do Universo a mais solene,

Por ser vida e amor alados...



Porque vim nascer aqui

Num grosseiro e rude brejo

Dum rincão do Piauí?

Foi pra ser um sertanejo?

Pois, assim, esta natura,

Que me dá tanta tortura

Não devia dar-me a altura

De chegar ao que desejo!...



Oh! Se os meus dias ditosos

Consistissem em ver os meus

Horizontes tão brumosos!...

Se o Onipotente Deus

Me criasse como a tantos,

Sem saber dos mil encantos,

Da poesia os seus cantos,

Da cultura os lumes seus...



Então eu, muito contente,

Obscuro a tais desejos,

Gostaria, ardentemente,

Dos costumes sertanejos.

Não veria que a bruma

Veda tudo, formando uma

Sombra negra que, em suma,

Só se encontra nestes brejos.



Mas eu sei que do outro lado

Dessas brumas há uns céus;

Tem um lindo Eldorado

Com esterpes e Orfeus...

Porém, não desobedeço;

Paciência é o que careço.

Assim penso que careço

A atenção do Grande Deus...











CONHEÇO EU, APENAS...



O tempo requeria bastante precaução;

Havia indicação de chuvaradas para a tarde.

E já, precisamente, batiam doze horas

Quando o Chico, às esporas, partira em seu “Alarde”.



Seguira pra cidade em completa disparada

Para alcançar a amada família, não distante.

Era o costume belo de ouvir a missa aos domingos.

A chuva, em grossos pingos, alcança o itinerante.



E logo na chapada pararam os viajantes,

Debaixo de um abrigo. “Antes não tivesse vindo”,

Diria o disfarçado cristão, arrependido

Por ter assim saído ante um temporal surgindo.



Mas isso, não. “Seu” Chico, católico como era,

Nunca! Jamais dissera, em aperto, tais loucuras!...

Antes oferecia, com a família, ao Senhor

As suas obras, óbices, planos e torturas.



Que gente encantadora! A Teresa e Dona Alina.

A santa e pequenina família de “seu” Chico.

Tão boa a Teresinha porque, mesmo educada,

Não era espevitada, nem nunca fez fuxico.



E era linda e amável... seu rico possuía

A doce poesia da mocidade em flor.

Como a manhã desperta erotismo à natureza,

Ela era a sutileza de um erótico langor.



Chamavam-na de “miss”, o que era compreensível,

Mas tinha, imperecível, um velho e puro amor;

Seu grande alheamento a tão importante assunto,

A mim não me pergunto, que não sou delator.



Teresa era devota, puríssima, inflexível,

Fazia o impossível pra não olhar ninguém.

É que desde o colégio que seu coraçãozinho

Consagra um amorzinho, que muito lhe convém.

Quem teve tal ventura? – O senhor Brasiliense

Um pobre amanuense simplório da cidade.

Há muito tinham dado a palavra em juramento,

E com devotamento, provavam lealdade.



O amor tem uma face chamada sofrimento

Que dá o desalento, suscita a provocação,

Pois é que, na cidade, Teresa suspirava

E mesmo até chorava cruel desolação.



Partira Brasiliense a cumprir o seu destino

Ficando em desatino a formosa Teresinha;

Também ele sofria ou sentia mais que ela,

Que só por merece-la deixava a pobrezinha.



Seis anos e ele atento ao contrato voltaria,

E logo casaria, cumprindo o compromisso.

Já tinha certo o emprego, no Rio de Janeiro,

Embora em verdadeiro viver de submisso.



Distante, revelava as saudades cruciantes

Nas grandes e chocantes missivas que enviava.

Dois anos recebeu boas cartas de Teresa,

Depois... a natureza silenciosa e brava.



Encontrando-se “seu” Chico em paragens mui distantes,

Lá onde hilariantes boatos garantiam

Haver muito dinheiro e haver muita riqueza;

Também onde Teresa e um João se casariam...



Conforme o compromisso, regressa Brasiliense,

Não crê, não se convence do logro das quimeras.

Descobre o paradeiro da deusa da bonança

E corre a ver se a alcança, rompendo matas feras.



Rumina mil castelos, sozinho, viajando:

- “Serei feliz... Chegando, vou ser bem recebido....

Converso satisfeito e demonstro ser o mesmo...

Não vou assim a esmo; Serei correspondido...”



Chega afinal. Na sala brinca uma pequenita.

O desgraçada a fita: -“Que rosto parecido!

Acompanhando um homem Teresa sai à porta,

E queda, quase morta, cai perto do marido...



Momento indescritível e desesperador!...

Coalizão do amor com a infidelidade!...

Ninguém acertaria em cheio o que passaram

Aqueles, que afundaram o amor na leviandade.



Ninguém. Por mais arguta que seja a inteligência

E pobre para a essência do amor que não foi seu.

Conheço eu, apenas, a dor do amanuense,

Porque o Brasiliense que chora aqui sou eu...













FIFINA





A Fifina, galhofeira, não quer ser moça de reza.

Vive sempre na cegueira de ser grande na beleza

De que é possuidora, com minestra sedutora.

Defendi-a, certa vez, de horrível adultério.



Certo indivíduo, descortêz, quis forçá-la ao mistério

De ser moça maculada, dos rapazes namorada...

É verdade que Fifina relutou exemplarmente.

Porém ela não se inclina a qualquer tipo demente.



Talvez seja esse o motivo do seu gesto tão altivo.

Quando em pleno carnaval, la na praça da palmeira,

Se envolvia a Capital nas taças da bagaceira,

Notei dois jovens sorrirem, e depois assim dizerem



- Já é hora, Pedregoso! – Sim, Fifina, já é hora...

Preparemo-nos, pr´o gozo; Somos um só corpo agora...

Bote a máscara, portanto, eu a espero neste canto.

Pedregoso, um goza a vida, era noivo de Fifina.



E já era conhecida a amizade como sina,

Porque o ato conjugal seria após o carnaval.

O sujeito que tentara ultrajar miss Fifina,

Esse colóquio escutara vira os dois e tudo atina.



Pôs, ativo, mãos à obra, com astúcias de sobra.

Preparou-se, muito lesto, e ficou-se donde vinha

A Fifina, no funesto pensamento de doidinha.

Encontrando-a, venturoso, simula ser Pedregoso.



-Esperaste-me no canto? Eu tardei, não é assim?

-Não; até não foi lá tanto. Não percamos tempo, sim?

Lá se vão mascarados, no pecado embrulhados.

Por falarem diferente, nessa voz carnavalesca...



A Fifina, bem contente, não dá pela ação burlesca

Do sujeito seu inimigo que se torna bem amigo.

Alta noite, num dos bares, descansando numa alcova

E isolados de outros pares, eles dois têm uma nova:



-Tiremos isto da cara, ninguém aqui nos repara...

-Quem? Que vejo?! ... É o senhor?! – Fala, atônita, Fifina.

Quer sair pro corredor, lamentando sua sina.

O sujeito quer mata-la; Ela grita, já não fala...



Socorrendo-a os vizinhos, na escuta dos gritinhos,

Viu-se ali, o Pedregoso, porém, foge: era o

Carlinhos seu bom pai, o criminoso. Mas Fifina

– mui lamento não terá mais casamento













A RENÚNCIA DO PRESIDENTE





Toda renúncia exige fortaleza

De espírito, coragem, sacrifícios.

E é necessária se se tem certeza,

De que nos traz melhores benefícios



E Jânio Quadros, com sua agudeza,

Sentiu de seus fracassos os indícios

E preferiu deixar de ser grandeza,

A nos causar maiores malefícios.



Em crise, confessando-se impotente

Para aplicar seu método fecundo,

Renunciou o grande Presidente.



Se o fez movido pelo amor profundo

Que nutre, humilde, pela sua gente

Seu gesto não tem símile no mundo.











SONHO





Trabalho e ganho o pão, honestamente.

Deveres cumpro à risca; e só por eles,

Suporto a vida, humilde e santamente,

Opondo-me ao que é sujo, vil e reles.



Momentos de ventura, docemente,

Envolvem-me. Pressinto, neles,

As alegrias que a família sente

Por ter exemplos que não é daqueles...



Mas nunca tenho promoção alguma.

Por falta de talento ou qualidade,

Desconhecido fico em minha bruma.



Contudo sonho com felicidade,

Com melhorias, ascensões – em suma

Com mais dinheiro e provida equidade.







___________________

MEU PAI





Pobre pai! No limiar dos sessenta,

Com doze almas que do mundo são herdeiras,

E doze corpos que ele ainda alimenta;

Não fraqueja desde as almas primeiras.



Não titubeia, ante a brutal verberação,

Deste mundo insano e deveras repelente;

De longa época remonta sua ação

De viver, de criar filhos, em fremente



Luta; despojado do que é seu,

Para a vontade daqueles que mais ama.

No entanto, sua pujança e fibra austera,



São os símbolos dos olhos meus,

E sua vontade férrea é o brilho da chama,

Que não se apaga. Meu pai é quase uma quimera!





Jeovah de Moura Nunes



posted by Poemas de Deus
5:20 AM
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