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Contos-->TJN - 011 = Casos do Dia (1) = Dar à Luz -- 18/03/2007 - 14:10 (TERTÚLIA JN) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Aquele homem agradou-lhe, caiu-lhe no corpo e alojou-se-lhe na alma. Como nunca antes, estava a ferver de paixão, perdidamente, sequer discernindo que o raciocínio lhe andava à flor dos poros. Com os dias e as noites rodando num só pensamento, cedo se apercebeu que o almejado amante não era inteiramente seu. A preocupação de como prendê-lo a seus anseios e enleios atirou-a para os braços de Heureca em perdição, cega entre os deuses do diabolismo terreno à procura do céu. De olhos bem abertos, inventou um falso estado de gravidez, simulou ao extremo, traçou ao milímetro e foi executando um desvairado plano em lenta matutação, completamente alheia ao drama que iria produzir a si e a outrem, até ao dia de dar à luz...

Após ter estudado e absorvido a rotina de funcionamento do hospital que escolheu para efectuar o desmiolado golpe, munida de um saco com tamanho previamente calculado, entrou sorrateira na dependência de recém-nados, tomou num ápice uma bebézinha adormecida e escapuliu-se entre o movimento, mas sem reparar que uma das câmaras de vigilância lhe captara a imagem. Empolgada, como que voando sobre o solo a caminho de casa, consumava assim o "sem-ser-mãe", troféu onde presumia enfim lograr as algemas de ouro para encantar e prender o seu desprendido amante.

Entretanto, a "mãe-das-dores", a autência mãe entre as mães em evolução cada vez mais desmedida para deixar de sê-lo, depois do primeiro período de repouso, acorda e pede à enfermeira para ver e estar com a sua filha. A assistente dirige-se ao berçário e logo a estupefacção se lhe depara no lugar vazio. Tal e qual algures em Nova Iorque ou em Londres, a cena que o cinema já exemplificou e demonstrou em todos os ângulos, repete-se de facto, em Portugal, muito além do "não-há-duas-sem-três", com a prevenida experiência mais uma vez apanhada a dormir ou quiçá a olhar para o verniz das unhas que arranham os amantes atrás das paredes do tédio, ansiosas por acariciar o "amor-à.pressa".

Interrogando os astros e os adjacentes arcanos: uma mulher do povo, já experimentada "mãe-da-casa", de condição humilde e conceito firmes entre familiares e vizinhos, como é que fica e resta psicologicamente ao tomar conhecimento que a filha acabada de dar em parto foi raptada? Como é que avança pelo tempo adiante, durante mais de um ano, com o nome de Andreia, feito em "baptismo-sem-ver", no corpo e na alma sem lhe conhecer o rosto?

As investigações policiais desencadearam-se em face do desaparecimento, cujo rasto, apenas atido a uma imagem pouco nítida, carece de paciência para montar e ligar entre a diversidade das plausíveis causas que desde logo se colocam, espécie de agulha num palheiro que pode inclusive ter-se introduzido dentro de uma palha. Todavia, como o propósito merece sempre o prémio do acaso, a Andreia tornou-se deveras real aos olhos do pais, com a idade de 13 meses, a andar e tudo, proporcionando auspiciosa festa e exuberante regosijo a uma pequena multidão de Lousada.

Ah... A Andreia, mais uma menina que a actual sociedade de consumo e consumição proclama pretender defender contra os malefícios da vida, encosta-se estranha ao ombro da mãe verdadeira que só agora começa a descobrir, implantada em seus olhos tristes, sofrendo sem saber o quê e porquê, presos ao rosto da "mãe-sem-ser" a que se habituou como se fosse definitivamente sua. - "Ei... Ó gente, vinde beber e deixai a menina em paz. Ela vai lá por seu pé..." diz quase a gritar o senhor Joaquim-da-loja à porta do tasco em mangas de camisa.

A sociedade dá à luz todos-todos os dias e, de luz em luz, entre biliões de luzes em gigantesco luzeiro, é surpreendente verificar como há tanta-tanta gente às escuras...

António Torre da Guia
Porto - Portugal
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