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Contos-->A Véia e seu Trombone -- 17/03/2007 - 19:50 (Maria Emilia Pereira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Véia e seuTrombone!


Todas as tardes, após lavar a louça do almoço,
era a mesma rotina de sempre.
O que se pode exigir de uma garota de 18 anos,
nascida e criada até o momento em uma cidadezinha
do interior de Minas Gerais, desde os 14 anos sem a mãe, falecida ainda jovem, aos 50 anos de idade, vivendo na companhia de um pai repressivo e 6 irmãos,
cuja maior distração era seguirem os passos da moça,
onde quer que ela fosse?
Por isso ela gostava de ir passar suas tardes na casa de
Dona Eulália, uma mulher forte, já com seus 55 anos de idade, que vivia sentada em seu banquinho de madeira, um furo no meio (que era “para proteger das hemorróidas”),
pois tinha uma ferida que não cicatrizava,
em uma das pernas e por isso locomovia-se
com certa dificuldade
e, só o que fazia era gritar com o marido,
“Seu” Manoel “Pinote” (esse era seu apelido, o qual,
nunca soube o porquê, detestava quando o chamavam assim).
Ela fumava um cigarro de palha atrás do outro, gostava de tomar café quente, feito na hora, traçar umas pamonhas quentes com leite frio, tossia muito, com aquela pigarra danada de cigarro na garganta e depois.,.peidava!
Eita! Cada tossida era um zumbido, enorme, mais parecendo um solo de trombone!
Longo e cadenciado!
Ela tossia, peidava.. . . e ria!
E, quanto mais ria, mais tossia e peidava ainda mais!
E o marido saía de perto praguejando, cigarrinho de palha no canto da boca, xingando a mulher de todos os nomes
que lhe vinham á cabeça.
Ela então gritava:
- Manoel, pára com isso!
Não vê que a menina veio aqui conversar comigo
e ocê fica xingando palavrão, hômi de Deus!
Mas ele, muito irritado com aquela peidação toda,
saía dali em direção à oficina nos fundos da casa,
prometendo não entrar mais enquanto
ela não parasse com aquilo!
Ele era um ferreiro muito conhecido na cidade,
atendia a todos os fazendeiros da região e,
era capaz de perder um freguês quando ele,
inadvertidamente o chamava de Manoel “Pinote”.
Detestava aquele apelido mas não contava
nem pra mulher porque ele não gostava.
A garota era vizinha deles e fez amizade com a filha mais velha (eram duas filhas e um rapaz, tinhoso que só ele,
sempre fazendo o que bem queria,
pois tinha a proteção do pai, que o endeusava).
A filha mais moça já havia se casado e tinha uma filha.
Vivia distante e quase não visitava os pais e irmãos.
A filha mais velha, Cissa, era uma solteirona.
que já passava dos trinta e, naquela época,
considerando o tamanho e progresso da cidade,
já estava fora do rol de moças casadoiras, coitada.
Ficava o dia todo em sua máquina de costura,
falando pelos cotovelos e sonhando com
o Príncipe Encantado que apareceria um dia para tirá-la dali, do meio do nada e das brigas constantes dos pais.
Além de tudo, era ela quem sustentava a casa com suas costuras para a vizinhança toda, quase não saía e, sua única distração era rir das maluquices dos pais em meio aquelas discussões todas por causa dos traques da mãe,
provocando os xingamentos do pai.
Mas gostava muito de ouvir as histórias da garota,
bem mais jovem do que ela e que ainda sonhava,
um dia, sair daquela cidade que “não dava futuro a ninguém”, embarcava nas fantasias da adolescente,
pois há muito já não tinha mais aquelas sensações,
ou, talvez, nunca as tenha sentido, por falta de oportunidade,
de se soltar, de viver realmente a sua vida,
pois sempre viveu a dos outros.
Gostava de conversar com a menina e,
apesar da diferença de idade,
elas se entendiam muito bem e a garota
até lhe ensinava coisas que ela não tinha conhecimento,
a respeito da vida, de outro mundo lá fora, pois estudava,
lia muito, tinha um tino apurado devido a sua inteligência
e perspicácia, e a pobre Cissa, mal sabia ler e escrever, mergulhada anos e anos ali naquela máquina velha de costura, vendo sua mocidade fugir,
sem que nada pudesse fazer!
Ela, então, ouvia a menina contar suas histórias
e era como se ela estivesse dentro daqueles planos.
- Um dia eu irei embora daqui..
Não vai demorar muito e irei para São Paulo,
a cidade grande, onde eu vou continuar meus estudos,
trabalhar em uma grande empresa,
ganhar meu dinheiro, viver por minha conta
e me libertar de meu pai e meus irmãos que ficam
só me vigiando!...Não agüento mais!
Cissa gostava tanto de ouvir os planos da garota que,
quando ela não aparecia, por um motivo ou outro,
o que era raro, ela ia até sua porta chamá-la para ir lá,
tomar um café quentinho com roscas ou,
junto com sua mãe, Dona Eulália,
degustar as pamonhas apetitosas que ela fazia, com leite frio.
Ela dizia que ninguém mais comia isso!.
Eram as únicas que descobriram o sabor inigualável
da pamonha quente com leite frio.
E, depois de comer duas ou três pamonhas grandes,
com um ou dois copos de leite, a conversa rolava solta,
e elas riam muito, porque aquilo fazia um verdadeiro alvoroço dentro do aparelho digestivo de Dona Eulália,
sempre sentada em seu banquinho de madeira com furo no meio e elas ficavam esperando a parte boa da coisa.
Após a “pamonhada”, Dona Eulália bebia uma xícara
de café quente, feito na hora, tomava posse do
cigarrinho de palha e começava o concerto.
Mas ela era sádica.
Esperava “seu”Manoel entrar da oficina para pegar seu café
e fazer “boca de pito”, para soltar seu primeiro peido...
Mas era um som alto, longo, de trovão,
anunciando tempestade e logo “seu”Manoel fechava a cara, quase batendo na mulher o que a fazia rir muito,
tossir aquela tosse viciada,
bem próxima de um efisema pulmonar,
o que provocava ainda mais os sons de seu intestino,
explodindo em gazes barulhentos.
E a velha peidava...
E “seu” Manoel praguejava:
-Ô veia maldita!
Qualquer dia eu enfio uma rolha nesse cu
e ocê não vai peidar nunca mais na minha cara!
E retornava á sua oficina de ferreiro, tocando o fole com ligeireza e batendo a marreta no ferro quente
para expelir toda a sua raiva por ter que conviver
todo aquele tempo com a velha peidorreira.
Dona Eulália adorava atiçar o velho Manoel.
Ainda se ouvia os gritos dele lá da oficina:
- Véia peidorreira! Ocê vai ver o que eu vou fazer
qualquer hora se não parar com essa peidação a toda hora!
É de dia... é de noite, peidando!
E ela, por sua vez, entre um peido e outro, rebatia:
- Eu peido, mas ao menos tomo banho, véio sujo!
E ocê que nunca toma um banho e vai pra cama fedendo e ainda quer “fazer coisas” comigo?
Eu, heim! Não adianta vir que não tem mais nada, viu?
E ria... e tossia... e peidava!
Ria tanto que às vezes a garota precisava bater forte
em suas costas para que o fôlego retornasse
aos seus pulmões, a cinza do cigarro de palha
caía em seu colo, a menina limpava,
acendia outro cigarro pra ela e a velha... peidando!
Era uma orquestra sinfônica,
com todos os instrumentos e todos os sons!
Hoje, passados mais de trinta anos daqueles tempos,
a garota (hoje já uma senhora vivida, experiente)
se lembra com saudades de tudo!
Sente saudade daquela vida, daqueles sonhos,
daqueles planos!
Eles se cumpriram, em sua maioria, não pode reclamar!
Veio para a cidade grande, estudou, trabalhou,
casou-se, aposentou-se depois de certo tempo,
e, hoje, escreve em suas horas de lazer.
Tem uma vida boa!
Nada que não estivesse dentro de seu planejamento.
Poderia ter sido melhor?
Sim, poderia!
Porém... poderia ter sido bem pior!
E não foi!
Mas a saudade bate forte, de vez em quando!
Saudade das tardes de pamonha quente com leite frio?
Dos planos que contava e fazia brilharem
os olhos desesperançados de Cissa,
a sua amiga mais velha e cheia de sonhos não realizados?
Do riso, da tosse e dos peidos de Dona Eulália?
Até disso ela tem saudades...

By Milla Pereira


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