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Contos-->Tres contos infames -- 16/03/2007 - 16:54 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Três contos infames


A patroinha

Depois de ter passado muitos anos dando duro como motorista na fábrica, o José, a quem chamavam de Baiano, aposentou-se com um salário miserável. Dona Lurdes, sua esposa, quando viu chegar o primeiro contra-cheque do marido levou um baita susto e começou a pensar num trabalho fixo. Ela sonhava em ter a sua carteira de trabalho assinada, tudo como manda a lei. Sabia que só assim teria mais segurança e, se Deus ajudasse, um dia poderia também aposentar-se ganhando talvez até mais do que o marido Baiano.
Mas os tempos no Brasil sempre foram bicudos pra gente que é pobre. Dona Lurdes correu atrás, procurou, andou de “Ceca a Meca”, fez de tudo um pouco. Lavou, passou, arrumou, mas sem conseguir manter qualquer vínculo com as eventuais patroas ou com o emprego que era sempre fugaz. Virou diarista e acabou trabalhando como autônoma, exatamente o que nunca sonhara para o seu futuro. O seu sonho era ter um trabalho fixo, registrada em carteira. Sua sagrada carteira azul seria guardada na bolsa com cuidado quando saísse na rua, ou arquivada na segurança do armário quando estivesse em casa. A carteira assinada é a maior garantia de um pobre. Dona Lurdes pensava como o Lula e botava muita esperança nele.
Um certo dia aconteceu o milagre. Uma vizinha rica, gorda e bondosa, que era professora universitária e ganhava bem, apareceu com uma abençoada e simpática cachorrinha de nome Nani (abreviação de Nanica) que encontrara faminta, perdida na rua. Como a professora dava muitas aulas e seu tempo era curto, a cadelinha Nani, que tinha jeito de peixe, ficava em casa sozinha e chorava muito. Logo se percebeu que Nani precisava de uma babá. Dona Lurdes, um pouco envergonhada, candidatou-se ao cargo e levou fácil. Tudo se deu mais rápido do que ela esperava. Os arranjos legais e burocráticos junto ao órgão do governo foram providenciados e a sua bendita carteira azul foi assinada. Foi assim que dona Lurdes virou babá de cachorra. Apesar de tudo, sentia-se feliz, tinha agora salário mensal certo e garantido, a entrada fixa de uma grana certa estava devidamente assegurada.
Muito religiosa, a dona Lurdes passou a ir à missa com mais freqüência e todos os seus amigos agora sabem que ela pede a Deus —apesar de ser um segredo que ela imagina guardado a sete chaves—, uma força extra para si e para as cadelinhas solitárias e perdidas como um dia fora a Nani.
Pela manhã, bem cedo, quando chega para o novo e gostoso trabalho, a primeira coisa que dona Lurdes faz é uma longa prece para desejar muitos anos de vida para a cadelinha Nani, sua nova e abençoada patroinha. Que a Nani viva por cem anos ou mais, pois enquanto ela viver, benzadeus, o seu emprego estará garantido!








Velho elefante

Os velhos elefantes quando percebem que estão chegando ao fim da vida, deixam a manada e vão para um lugar solitário da floresta e ali se deitam para aguardar a morte. Estive pensando nisso e comparei a vida deles com as nossas próprias vidas. É tudo mais ou menos igual. Os elefantes vivem em grupos permanentes, definidos e aparentados, durante toda uma existência. Seu tempo médio de vida é de oitenta anos, uma média próxima à dos humanos.
Dia desses, trocando umas figuras com o meu amigo e “Senhor da Floresta”, Paulo Amaral, tivemos a idéia de comprar uma chácara nas imediações de Taubaté, longe dos barulhos da cidade, dos carros e da fuligem, onde tenha grandes árvores, muita água, de preferência um rio com cachoeiras. Ali, no silêncio, fazer um local apropriado para receber os velhos amigos em fim de carreira. Todo aquele que estiver possuído pela “síndrome do velho elefante”, desprezado e solitário, que sinta que a morte está próxima, será bem vindo ao nosso recanto. Despeça-se dos amigos e venha para cá. Junte-se a nós.
Lembra-se de “Irene”, de Manuel Bandeira? Ela era uma velha negra e bondosa que chegou na porta do Céu e clamou ao porteiro: “Licença, meu branco!...”. “Pode entrar que a casa é sua, nem precisa pedir licença..” —disse-lhe São Pedro. O recanto será algo semelhante a isso, escolha e abrace uma pedra ou encoste-se numa arvore na beira do rio, chore, grite e espere pela sua hora. Deus certamente lhe dará a coragem e os analgésicos necessários para enfrentar os momentos difíceis e derradeiros...
Imagino que morrer não deve ser fácil para ninguém, pelo contrário, deve ser até muito difícil, exatamente porque amamos o espetáculo da existência e temos ciúmes do nosso patrimônio mental, não gostamos de imaginar nosso cérebro rico de experiências, cheio de histórias, de amores e aventuras, desintegrando-se, atomizando-se para voltar à terra na forma de milhões de partículas, “zerando” a vida inteira.
Todos temos medo do fim mas não é vergonhoso ter medo de morrer, isso é natural dos seres vivos. O que precisamos é aprender a conviver com essa idéia, gerenciá-la sem stress, ter bem claro que o fim da vida chega para cada um de nós em momento sempre solitário —invariavelmente solitário. Ninguém, nem mesmo quem nos ame muito, nos acompanha na hora derradeira, a solidão é marcante nessa hora. Ninguém é mais absolutamente autônomo e clandestino do que um homem que está morrendo. Ainda que esteja junto de outras pessoas —na UTI ou nos grandes desastres aéreos—, o momento final será sempre solitário, particularíssimo.
Cada homem ou mulher terá que “encarar” absolutamente sozinho essa hora difícil. Seja forte. A nossa chácara agora terá outro nome: Recanto do Paulo Amaral, que sempre foi um apressado e não quis esperar pela inauguração. Você é libre, traga a sua bagagem, a pouca que tem, e vá ficando. O tempo que lhe resta é só seu, faça dele o que bem quiser.






Semente de abacate

A Vila de Água Doce estava esperando com certa ansiedade pela chegada da energia elétrica. Ao longo das ruas já estavam deitados os postes de madeira que receberiam os cabos e os braços de luz. Os comerciantes da minha rua, juntos com os poucos profissionais liberais que haviam, reuniam-se nos fins de tarde e ficavam sentados naqueles postes, a vigiá-los como se fossem seus, conversando sobre o futuro. Falavam das geladeiras e dos aparelhos de televisão que comprariam, eletrodomésticos que muitos deles sequer tinham visto. Numa dessas tardes de papo animado, eu e o meu irmão Vavá estávamos no bar prestes a fazer uma grande arte. Fizemos e depois nos arrependemos amargamente e agora conto como foi.
Tínhamos acabado de comer um saboroso abacate. Eu, que segurava a semente, pedi ao Vavá para que fosse até à rua e me indicasse a direção, o lado que seria melhor para jogar o caroço que já estava formigando nas minhas mãos. O "alvo" escolhido, segundo a intuição do Vavá, seria um grupo de senhores que conversavam no "poste dos Gevergi..." Desci para o quintal e, conforme a orientação do meu engenheiro de vôo, joguei a semente para o alto no rumo aconselhado por ele. Viajando no ar, o pesado caroço ganhou vida própria e, como autônomo asteróide, seguiu sozinho na direção do grupo de senhores. Digo em minha defesa que não tive nenhuma culpa pelo estrago que a semente causaria no seu destino final, já que a minha pontaria nunca foi tão boa. Foi coisa de Deus ou arte do Demo. Ainda hoje, estou absolutamente convicto de que o caroço, embora tivesse sido jogado por mim, seguiu uma rota determinada pelas leis da física quântica para chegar com tamanha precisão naquele poste deitado, exatamente onde estavam os amigos do meu pai em papo animado. O mais incrível foi que, no exato momento em que o doutor Kiko Fernando —um dentista bochechudo— apreciava a beleza do céu, a semente de abacate chegava e colidia com sua gorda bochecha. Os minutos seguintes foram dramáticos. A vítima ficou caída e inconsciente junto ao poste, a semente de abacate, —vinda do inferno, talvez—, pousada no chão ao seu lado sem que ninguém entendesse nada! Instalou-se o tumulto. As vítimas do asteróide e os autores da arte ficamos atônitos e incrédulos. Eu, porém, estava seguro, seguríssimo, de que jamais ninguém descobriria quem tinha jogado aquela semente. Esse era o meu desejo sincero!... Exceto se o Vavá desse com a língua nos dentes. Um mês depois, quando ninguém mais se lembrava do fato, e o dentista já com a sua bochecha devidamente recuperada e instalada no lugar veio ao nosso bar tomar um toddy, como sempre fazia. O Vavá, querendo ser esperto, e para meu desespero, perguntou ao homem: “Esse “vermelho" no seu rosto, doutor Kiko, o que foi que provocou?...”
Na verdade não havia "vermelho" nenhum, absolutamente, foi pura provocação do Vavá que queria provar a sua teoria de que a arte já fora esquecida. Mas ele não devia ter perguntado! Foi uma grande "bandeira". Afinal, o que poderia interessar a um menino de oito anos um fato lamentável acontecido havia mais de um mês? A proximidade da descoberta me apavorou e fugi para o quintal. Nem precisaram apertar muito. O Vavá acabou abrindo o bico e contou tudo. Contou como foi, quem foi, tudo direitinho e levou uma surra gigantesca, tão gigantesca e demorada quanto fora o atraso da descoberta. O pior de tudo é que ele não apanhou sozinho, eu também entrei na dança... Comer abacate, eu te juro, nunca mais!...









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