Primeiro domingo de primavera. Tempo seco, clima quente. Um dia relativamente calmo, em casa. Do lado de fora, as vésperas das eleições municipais, carreatas se faziam constantes pelas ruas e avenidas. O silêncio cede vez ao businasso. Em casa, ao invés de assistir programas dominicais de televisão, resolvo dar uma volta pela cidade. O destino: a casa da minha tia.
Ao chegar no condomínio, percebo que o carro do meu primo não se encontrava no estacionamento. Entro no apartamento e encontro os tios. A princípio, penso que ficarei por pouco tempo, afinal, o amigo de baladas não estava. A tia bordava na sala e o tio jogava truco pela internet. Passatempos interessantes, mas que para mim pouco proveitosos. Quando imaginei me despedir, o tio pede que eu jogue em seu lugar. Ele iria tomar banho. Sem pensar muito, aceitei o desafio. Ao sentar em frente do micro, antes que eu pedisse virtualmente o truco, o jogo travou. Em seguida uma mensagem no msn do primo começa a piscar. Como sou curioso, imediatamente respondi e informei que o dono do comunicador instantàneo não se encontrava e que se tratava do primo dele.
Ao teclar as primeiras palavras, uma foto surgiu no canto direito do msn. A pessoa que estava do outro lado da tela era uma moça. Morena, sorriso meigo e dona de olhos brilhantes que, para a minha empolgação, mais pareciam duas jabuticabas. Ao trocar a primeira frase, recebo o seu nome: Thalita. A princípio, começo a teclar sem nenhuma pretensão, afinal, estava apenas de passagem pela casa dos meus tios. A minha subestimação foi tamanha que quando me dei conta, fiquei envolvido na conversa. Os meus dedos necessitavam tocar no teclado do computador. Meus olhos requisitavam as frases escritas pela bela morena. Em poucos minutos pude perceber que aquele momento não era como um outro qualquer. A alquimia, imposta pelo desconhecido e da necessidade do conhecer, se tornou um entorpecente. Quanto mais eu escrevia, mais queria escrever. A vontade, que naquele momento parecia mútuo, se tornou a principal ferramenta para essa fascinação. A morena, que há poucos minutos era apenas um ser virtual, passou a ter vida.
A realidade mesmo que neste caso figurativa, tem o poder de se tornar real em sua essência. Nas palavras escritas no monitor, era possível sentir a sua pulsação. A energia que mantinha o computador ligado se transformava em sangue e sentia correr em minhas veias. As palavras passaram a ser sentidas em um singelo toque. As figuras configuravam as mais doces das emoções. O virtual deu lugar ao pessoal e tive a sensibilidade de perceber o quanto a morena se tornava importante.
Os minutos se passaram, assim como as horas. Quando me dei conta, tive que interromper a conversa e seguir destino de casa. A conversa foi interrompida, mas pude confirmar o quanto aquele momento foi especial. Tem coisas na vida que são difíceis de se explicar, mas para todas as situações existem explicações. Para essa, em especial, a explicação está relacionada a atenção mútua, ao sentimento aflorado pela tela do computador e captada pelo ser receptor. Esses dois exemplos demonstram o poder de cumplicidade que o virtual pode desencadear. Pode passar décadas, posso nunca mais voltar a conversar com esta morena, mas o momento vivido nunca será esquecido. Salve a primavera, salvem o sentimento mais nobre, o amor. |