Seu Luís abre o zíper e entra. A parede fininha nos separa dele. Agora eu posso dormir sem pensar em monstros e cobras. Ele tira a roupa e liga a lanterna. Uma luz sobre ele. O cabelo e a barba brancos, o rosto de Jesus Cristo envelhecido, ele é aquele Deus pintado nos livros. Procura, procura e não acha. Enquanto isso posso olhar ele inteiro. De dia ele é um velho feio, mas de noite os olhos, os cabelos e a barba brilham. Ele leva a mão ao peito e depois aos pêlos ao redor do pinto e coça rac-rac. Pinto? Não, é um galo daqueles que não param quietos. Agora o galo levanta e fica reto para a frente, levanta um pouco mais e ele põe a mão de novo. Olha pelo filó para ter certeza de que nós dormimos. Eu deixo os olhos quase fechados porque sinto uma coisa como um relógio antigo que faz tique-taque na lingüinha do meio das pernas. Ele desliga a lanterna, abre o zíper e sai apertando o tico dele. A lua cheia ilumina todo ele e ele põe o tico para frente e para trás, parece que está se transformando em lobisomem. Aperta os lábios com os dentes e o reloginho bate cada vez mais ligeiro na xexeca. Ele geme alto e eu aperto mais as mãos entre as pernas. Ele faz um movimento que parece que está todo arrepiado e dá um grito daqueles que vêm da garganta, eu não consigo parar de apertar o relógio. Queria que ele fosse cego para não me ver do jeito que estou, mas ele olha pela janela de filó e me vê feia e corre para dentro do rio escuro.
Quando ele casar com a mãe será que ainda vai se lembrar?
Paula dorme e não vê nada, está feliz porque vamos ser irmãs e nós não vamos nunca brigar e vamos morar todos na mesma casa. Amanhã de manhã eu não vou olhar nos olhos dele e daqui a uns dias ele já esqueceu de tudo. Vamos ser eu, a mãe, a Paula, o seu Luís e os irmãozinhos que eles, a mãe e o seu Luís vão fazer na cama.
Vera Ione Molina
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