Um circo todo dia
_ O casamento é um circo. Precisa de uma pilastra bem forte. Tendo isso, o resto pode ser de qualquer jeito.
_ Um circo? Como assim? _ eu, muito jovem, não me conformava com a definição do palhaço. Era muito simples para o trabalho que a professora incumbira meu grupo de fazer, sendo que minha parte era entrevistar um palhaço, saber o que significava o casamento para ele. Além disso, na minha cabecinha cheia de romantismo adolescente, casamento e circo não se casavam.
_ É um circo, sim! Tem muita luz, bailarina, palhaço, malabarista, mágico, trapezista, animais e muitos, muitos outros números. Porém nem sempre a luz brilha. Nem sempre a bailarina apresenta-se com graça e beleza. Nem sempre o palhaço consegue que os risos ecoem. Algumas vezes os malabares escapam das mãos ágeis do malabarista. Algumas vezes o mágico, em vez de tirar um coelho da cartola, deixa escapulir um gambá cujo cheiro incomoda a todos. Aí ninguém sabe o que fazer com algo tão inesperado e perturbador. Você acha que dá para esconder o gambá embaixo do picadeiro e aguentar o cheiro?
_ !!! _ minha cara devia ser patética, pois estava horrorizada.
_ Pois é... não é nada fácil. Há momentos piores- como quando um trapezista, num salto mortal, salta, de fato, para a morte, instalando a tragédia sob a lona. O choro é desesperador. A dor é muito grande. A vontade é de acompanhá-lo. Mas não dá. O show tem que continuar... E continua mesmo, encarando tudo que vier. Muitas vezes, ainda, um animal deixa o caminho condicionado e segue outro, foge, busca novos rumos, seguindo um chamado da vida: a liberdade.
_ Desse jeito, com tanto problema, o circo acaba então?
_ Nem sempre. Se a pilastra estiver firme, o circo se mantém. Qualquer fracasso, qualquer revés, mesmo a tragédia, tudo pode ganhar nova vida. Cada furo na lona, cada erro, cada dor, cada perda, tudo pode - num mágico trabalho de amor - tornar-se uma grande lição. A lição da união. Você não conhece o ditado: "A união faz a força"?
_ Conheço.
_ Então... A lição da união só se aprende pelo amor. Aí vem a vontade de aprofundar a pilastra, retomar o que pode ser retomado, renovar os números do espetáculo... Enfim, manter sempre o circo exercendo sua real função: propagar a vida. Assim também o casamento.
Saí dali atordoada. Sorte que tinha gravado tudo, pois não conseguia me lembrar de tanta coisa. E o pior é que eu desconfiava que ia fazer feio na sala de aula. E fiz mesmo! Mas estou sempre tentando fazer bonito na minha vida, embaixo da minha lona.
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