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cronicas-->Sentimentos em cena aberta -- 02/10/2004 - 14:51 (Cheila Fernanda Rodrigues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SENTIMENTOS EM CENA ABERTA

Posiciono-me diante de três sentimentos que me acompanham diariamente: na minha frente, cara a cara, a culpa, muito alta, olhando-me de cima; do lado esquerdo da culpa, a tristeza, baixinha, mas muito entroncada; e o medo, vestido de negro, apavorante, fica atrás de mim. Na verdade é como se eu estivesse num teatro, sentada numa poltrona, assistindo à encenação de uma peça sobre mim: vejo os meus movimentos e dos meus sentimentos. As cenas vão sendo compostas para mim.
Há uma pessoa, dirigindo as cenas, com muita sabedoria, que procura dar algumas coordenadas para que eu e meus sentimentos possamos agir. Então, nós quatro nos movimentamos, a passos lentos, por um imenso tapete numa sala muito aconchegante. Viro para lá e para cá e acabo ficando, novamente, de frente para a culpa. Ela me puxa pela mão, com toda força, fazendo-me curvar no chão. Perante ela, é claro! Fica bem rija, olhando-me bem do alto. Como ela é forte e como não consigo reagir! Quero apenas assistir. Espectadora puramente passiva é o meu papel.
Enquanto isso, a tristeza que no início se postou ao lado da culpa, não se sentindo bem ali, dá um passo para trás e cai no chão. Encolhe-se completamente e se põe a chorar, convulsivamente. Sua respiração torna-se difícil. Parece que a tristeza vai sufocar e sucumbir.
Olho, então, o medo que, mesmo tendo se movimentado pela sala, fica a uma distància relativamente pequena de mim. Ele tem os pés grudados no chão, como se os houvesse colado, e traz no rosto um ar de gozo. Fica balançando, para lá e para cá, como uma árvore ao vento, mas bem fixadas as raízes na terra. Jamais há de cair - eis a impressão que me dá.
Por sua vez a culpa, que logo no início estava próxima da tristeza, não suporta o choro de sua companheira. Sai do pedestal e cai aos pés do medo, querendo agarrá-lo. Será que ela quer medir forças? Porém o medo não se abala absolutamente. Permanece em seu balancê. Uma vez que o medo se impõe, a culpa põe-se a reclamar de dor no pulso e na cabeça, mas sem sair dali.
A sábia diretora leva-me para ficar bem próxima ao medo. No mesmo instante começa a me faltar o ar. Distancio-me um pouco. Mesmo assim ainda respiro com dificuldade. Só volto a me sentir bem quando dou as costas para o medo. Observo, então, que a tristeza, ao receber cuidados e instruções para não se sufocar, conseguiu aplacar o choro. Em seguida, ela é instada a olhar a cena: do medo que permanece todo tranquilo, cheio de si; da culpa caída no chão; e eu ali - de costas, tendo fracassado na tentativa de me contactar com o medo. A tristeza levanta os olhos e diz:
_ Não aguento olhar, não aguento olhar, sinto tontura. Não quero ver, não quero! Sinto uma dor terrível no braço esquerdo.
Neste momento, a diretora me chama para ficar bem próxima à tristeza, sentar-me do ladinho dela. Tristeza não vacila um segundo. Deita-se no meu colo e eu me ponho a passar a mão com carinho em sua cabeça e no braço dolorido. Uma cena ímpar. E a dor da tristeza vai passando. Porém, a sábia, vendo tanto aconchego, tem certeza de que esse caminho não leva a nada, pois uma vai continuar se nutrindo da outra. Ela, então, pede que eu agradeça à tristeza, mas que me liberte dela. Sinto que preciso fazer isso mesmo. Agradeço-a e saio dali, sem nem olhar para trás.
Dirijo-me à culpa que reclama de dor no braço também. Carinhosamente passo a mão naquele braço e a culpa se sente bem, porém ainda quer alguma coisa. O quê?
_Quero colo, assim como você deu à tristeza! -diz ela já com ar de fazer beicinho.
Acolho-a durante um pequeno tempo, mas já sei que é hora de agradecê-la e partir. Saio tranquila. Decido ir até o medo e enfrentá-lo. Muito difícil! Ficamos olho no olho durante um tempo enorme. Ficamos num silêncio tão grande que soa a uma eternidade. E o medo começa a inflar. Infla... Infla muito... Está todo poderoso, disposto a me assustar. No entanto, continuo a encará-lo. Sentindo, desta vez, a minha determinação, o medo começa a tirar os pés do chão. E ele se admira:
_ Meus pés querem flutuar, não estão mais grudados no chão!
Porém, em vez de flutuar, rapidamente o medo arria o corpo no chão, completamente mole, feito uma boneca de pano. Eu o agradeço, como fiz com os outros, e saio. Eu é que pareço flutuar.
Imediatamente uma surpresa: a alegria, que assistia a tudo na fila do gargarejo, vem ao meu encontro e nos abraçamos tão forte e com um calor tão gostoso como se nos fundíssemos numa só. E ela é toda saltitante. Quer que eu pule. E eu pulo. Quer que eu ria, e eu rio. Rio muito, com aquele riso que vem de lá do fundo do coração, não mais um riso de enfeite. Ah! É com ela que tenho de ficar! Nada mais de dar abrigo, colo, carinho e atenção à culpa e à tristeza. Muito menos ficar submissa ao medo. Entendo que eles foram importantes até mesmo para que eu pudesse crescer. Cumpriram um papel. E eu os reverenciei. Não são mais necessários daqui para frente.
A alegria me leva para minha família a qual, apenas agora, consigo enxergar realmente como é: linda, amorosa, um tesouro cujas pedras preciosas estão brilhando como sempre estiveram, mas eu não via tamanho brilho. Estava preocupada em dar aconchego a sentimentos que me maltratavam, inclusive fisicamente, pois as dores que eles sentiam, eu as sentia também.
Incontinente imprimo todas essas cenas em meu corpo, célula por célula, para serem acionadas no caso de eu querer trazer, como se fossem parte de mim, aqueles três sentimentos. Fito amorosamente meu tesouro e recolhemo-nos, em nosso lar, num imenso abraço cujo brilho faz nascer mais uma constelação no céu...


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