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Contos-->Vinte reais para o passeio -- 25/02/2007 - 03:09 (MARIA CRISTINA DOBAL CAMPIGLIA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Número do Registro de Direito Autoral:131013760839318700
Vinte reais para o passeio .

Eu estou agora numa escola onde tudo é novo. Muito diferente da que eu ia antes, porque agora meus colegas são muito arrumados, parece que podem fazer tudo o que querem, não são como os de antes.
Minha mãe arrumou este lugar para mim na escola nova porque uma senhora que gosta dela conseguiu o emprego pra ela, que é de fazer o lanche de meus colegas,na cozinha, e de toda a escola. Porque alguns alunos ao invés de pagar o lanche na cantina pagam para comer aqui. Ela fica na lanchonete, por isso eu venho todos os dias com a minha mãe.
A minha mãe não gosta quando na hora do recreio eu procuro por ela, porque ela diz que eu atrapalho.
Eu fico muito feliz de poder estudar nesta escola. E também de que ela tenha encontrado um trabalho bem legal.
Outro dia a professora disse que tínhamos que trazer vinte reais para pagar um passeio que todos os meninos e meninas de minha sala tínham que fazer. A gente ia ver o zoológico da cidade, um dos maiores do nosso país. E para isso havia que pagar vinte reais.
Minha mãe não tinha os vinte reais, e ficou muito nervosa quando falei que tínhamos que levar no dia seguinte.
Essas coisas quando acontecem me tiram a vontade de fazer a lição. Mesmo assim eu não fico arrependido de estar nesta escola nova, mas eu fico sem vontade de fazer lição, porque eu sei que se minha mãe tivesse os vinte reais ela me daria, mas é que ela não tem mesmo, porque a minha mãe não é como a mãe do Rafinha e da Marina, nem como a mãe e o pai do Gustavo.
Eles tem muito dinheiro todo mês, eu acho, porque eles nunca tem problema quando tem que levar vinte reais para o passeio, e também porque todos os dias eles comem muito lanche comprado, não o que a escola dá para os funcionários e para crianças que não levaram lanche, como eu, mas eles compram na cantina e na lanchonete uns lanches muito grandes e com muita coisa além da carne que tem dentro.
Bom, mas então, como minha mãe não tinha o dinheiro para o passeio ela ficou repetindo antes de ir dormir, que ela não queria que eu estudasse nessa escola nova, que eu gosto tanto.
Ela ficou muito triste e chorou bastante e falou muito alto. Sempre repetindo que ela não deveria ter aceitado a vaga para mim.
Eu fico muito chateado e falo isso para ela saber que eu estou gostando muito (muito mesmo). Mas às vezes parece que não adianta.
Tenho quatro irmãos e não tenho pai, ele morreu há muitos anos, antes de eu nascer que sou o mais velho.
Depois, a minha mãe arrumou um namorado e os meus irmãos, mas na verdade ela disse que fica melhor assim sem nenhum namorado agora, porque depois que meu pai morreu ela disse que nenhum namorado que arrumou deu certo.
Por isso , porque somos quatro irmãos é que não temos muito dinheiro, mesmo que eu veja- e vou dizer- uma coisa : na casa do Rafinha são também quatro irmãos, e eles não tem falta de dinheiro, mas eles tem pai e mãe e tem uns avós eu acho, que lhes dão muito dinheiro.
Então é diferente, como eu falo para minha mãe quando fica triste. Eu digo a ela que as coisas na casa do Rafinha sempre foram diferentes, desde a época dos avós do Rafa.
Já meus avós eu nem conheço ainda, porque eu nunca fui para a Bahia onde diz a minha mãe que eu nasci e que moram meus avós. Mas eles sempre tiveram que trabalhar na roça para ganhar o dinheiro para sustentar a família toda, e tinham doze filhos, entre eles a minha mãe, que queria ser professora na cidade grande e então por isso saiu da Bahia, e faz disso muito tempo já, porque eu que tenho sete anos não tinha nascido ainda.
Então, como eu dizia antes : a minha mãe ficou chorando porque não tinha o dinheiro para o passeio e eu , que sabia que alguma coisa boa demais ia me acontecer, fiquei muito bem tranqüilo e falando a ela que as coisas iam dar certo, e que não era por isso que ela ia ficar repetindo que era melhor não estar eu na escola nova, porque eu adoro a escola nova.
E assim, o que eu sabia que ia acontecer aconteceu no dia seguinte antes da gente ir para a escola. Muito cedo, antes de pegar o ônibus, a campainha da casa tocou e era uma freguesa da minha mãe de antes de ela ter esse emprego na lanchonete da escola. Porque a minha mãe é costureira graças a deus e antes de trabalhar na escola, ela costurava para muita gente e ganhava um dinheiro. Claro que não era como o dos avós do Rafinha não, mas era legal porque dava até para comprar uma revistinha na banca que saía uma vez por mês e que custa dois reais, e também às vezes minha mãe com esse dinheiro comprava até picolé para nós quatro.
Mas então, como eu ia dizendo , naquele dia então bem cedo, uma senhora da vizinhança apareceu no portão e tocou a campainha e veio pagar uma roupa que minha mãe tinha feito para ela, e que não lembrava mais, mas que ela devia para minha ,mãe. E adivinhem o quê...a roupa era de vinte reais, e a mulher pagou os vinte reais que devia e eu pude levar o dinheiro para o passeio. Minha mãe ficou tão feliz com isso que ela ficou rindo o caminho todo, até no ônibus, parecia que era uma estátua rindo sem barulho, assim somente com a boca rindo. E eu fiquei muito feliz e com vontade outra vez de abraçar meus cadernos e desenhar uma árvore e uma casa, e com vontade de fazer a lição (que era isso : desenhar a árvore e a casa que eu desenhei muito feias, porque estava sem vontade, mas que agora quando eu chegasse na escola eu ia pintar mais se desse tempo).

Muitos dias se passaram e eu continuo na escola nova, minha mãe também continua sendo a cozinheira da lanchonete e a gente agora vai conseguir uma vaga para o Fernando , meu outro irmão que vem depois de mim, para que ele também possa ir para a escola nova.
Só que hoje, eu entendo mais que antes. Eu sei que não é fácil estar na escola nova, porque nem tudo é maravilhoso com meus colegas, mas agora, que eu cresci mais um pouco, eu sei que tudo isso não importa tanto, assim- como vou dizer? As coisas que eu já outras vezes quis e que sei que não vou pedir para minha mãe, porque como eu disse antes, os avós de quase todos meus colegas já eram ricos e tinham muito dinheiro, mas agora eu entendo que minha mãe não teve essa sorte.Só que o professor de matemáticas o outro dia chamou a minha mãe e a diretora também. E fizeram uma reunião. E ela voltou e me abraçou muito e me beijou, e ficou de novo rindo à toa, como uma estátua, em casa e no dia seguinte, e falava de mim para todo mundo.
Eu acho que deve ter sido porque eu tirei sempre dez nas provas todas de matemática e até fiz umas contas no quadro porque o professor pediu, porque disse que eu sabia. E até pro Rafinha eu ensinei, a Marina e todos os outros que não estavam entendendo. E também eu tive que dizer ao professor que havia umas coisas erradas no livro, parece até que quem fez o livro não estudou matemática porque havia umas contas erradas e o professor me deu razão, e me disse que estava admirado comigo.
Bom, eu não contei a ele nem a minha mãe, porque senão é capaz deles acharem que tenho algum problema, então eu fico sem contar, mas na verdade quando eu começo a escrever números, eu vou para um lugar na minha cabeça onde eu sei tudo de números. É como se fosse o meu lugar de nascimento e um país que é só meu, porque tudo que tem aí eu sei como funciona.
Não sei se me entendem, mas é muito estranho e muito bom também.
Qualquer coisa de números eu encontro direitinho e sei fazer, é como se os números me pertencessem e me obedecessem.
E até o professor já errou e eu tive que falar, porque senão os números na minha cabeça iam ficar muito dominadores, e eu ia me sentir muito mal com isso.
Acho que mesmo eu sendo uma criança como todas, com exceção do dinheiro que nos dá tantos problemas porque não temos muito, eu posso dizer que sou uma criança igual ao Rafinha sim, porque ele tem o dinheiro mas eu tenho esse país dentro da minha cabeça que não sei explicar, mas que por alguma coisa eu acho que vai sempre me ajudar muito na minha vida, e que vai ser até melhor do que o dinheiro de todos os avós ricos dos colegas da minha classe.
E como já sonhei também com esse país dos números e vendo os meus irmãos e minha mãe e muitos amigos comigo nele, sempre com muita comida e sem faltar nada, eu sei que vai acontecer isso mais adiante. Porque ...lembram do que contei antes? Quando teve aquele problema sério do passeio que minha mãe não tinha dinheiro, que eu comecei contando, eu também sonhei do mesmo jeito, e aparecia uma senhora que eu não sabia quem era, e que dava o dinheiro para a minha mãe. Eu não disse nada, porque nesses casos é melhor ficar calado, porque senão as pessoas acham que você está inventando e não te levam a sério.
Por isso, eu fico muito feliz. Eu sei que algum dia eu vou poder mostrar o pais dos números que só eu conheço e que tanto me ajuda, e sei que isso vai ser bom para todos nós.Eu só não sei explicar, nem sei bem como vão acontecer as coisas porque olhando assim, não dá para saber.
Mas todos os dias eu vou nesse lugar da minha cabeça e encontro tudo que quero, e é assim que fico horas no meu quarto ou com meus cadernos, e escrevo muitos números, tudo para explicar um monte de coisas que não adianta eu mostrar por enquanto à minha mãe, nem a meus irmãos. Mas que daqui a um tempo eu vou mostrar ao professor, porque ele sim vai me entender.E assim, eu digo a todos os que ficam tristes porque não tem muitas coisas na vida : deve ter algum lugar na cabeça deles que é só deles, e que vai ajudá-los a serem felizes.
Porque esse lugar não depende de dinheiro nem de nada, só depende de você achá-lo, e ele pode mudar tudo mesmo na sua vida, mesmo na sua vida de criança.
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