NOVOS PASSOS
Arranquei minha capa e tudo que ela continha. Joguei fora minha pseudo-intelectualidade, meus séculos de civilização, e pisei estrada. Pisei realmente, pois até os sapatos joguei fora, podendo, assim, sentir o sabor das pedrinhas no chão. No começo os passos estavam desengonçados, incertos (coitados destes pés, tantos anos fechados!)... Depois os passos se acostumaram com a nova realidade: muita estrada, muito mato, muita novidade a cada pedra pisada, um novo mundo a cada curva...
Quando passavam carros, virava-me imediatamente. Não queria ver aquela máquina que, com a desculpa de modernidade e conforto, queimara meus melhores dias. Consumira-me. Não queria ver também os donos das máquinas - antigo retrato meu. Não queria ver ninguém que me lembrasse o peso de minha antiga capa.
Não havia caminhado nem metade de um dia, e o passado já se afigurara distante, quase inexistente. A noite começava a jogar tons mais escuros no céu. A minha respiração estava ofegante pela canseira da caminhada, uma vez que eu havia chegado no alto de uma serra. Mas era bom, era o prenúncio do novo, da nova etapa começada.
Então, parei um pouco para descansar, embrenhando-me no mato. Sentei-me e meus olhos se fixaram em algo diferente. O que seria? Parecia um bicho cheio de garras, daqueles fantasmas de nossa infància. Não resistindo à curiosidade, esqueci do cansaço e fui ver de perto. No alto do morro, a contemplar uma cidade lá embaixo, uma árvore velha e desgalhada. Certamente já cumprira seu tempo e estava ali como símbolo de algo por vir.
Que estranha figura a da árvore! Encantou-me de súbito. Nem imaginei se foi frondosa um dia, se abrigou muita gente, se deu frutos ou coisas assim. Encantei-me com o seu agora: escultura altiva, dominando minha visão, dominando também a paisagem. Cheguei bem pertinho dela. Passei minhas mãos pela aspereza de seu tronco e fui escorregando ao chão. Reclinei minha cabeça em seus pés e adormeci...
|