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Contos-->O Pagabém -- 14/02/2007 - 11:25 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Pagabém



No tempo difícil do Estado Novo, muitos políticos foram presos e torturados, passaram por momentos terríveis nos porões da ditadura de Vargas. Alguns cidadãos eram pessoas comuns, professores, médicos ou advogados. Esses também foram presos sem nenhuma razão justa e, quando retornavam para suas casas, voltavam completamente mudados, física e psicologicamente. Tinham deixado nas prisões a dignidade, a honra e só traziam revolta e mágoa para suas casas. Muitos deles, psicologicamente desmontados, viraram mendigos e ganharam as ruas, vestindo-se em andrajos, proclamando com voz rouca suas antigas frustrações políticas. Conheci muitos desses "restos humanos".
Na década de sessenta, aos quinze anos de idade, pude assistir desde as ruas de pedra de Barra do Piraí, RJ, ao desfile macabro e triste destas almas em agonia. Havia muitos por lá. Destacava-se, entre muitos, o Pagabém, um homem alto, elegante, sempre usando um chapéu bem colocado, que vivia a carpir gratuitamente os trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil. Ninguém jamais soube de onde ele veio. Trabalhava gratuitamente na Estrada de Ferro, a pedido e soldo de ninguém, sob um sol senegalesco. Não era empregado da estrada, trabalhava para esquecer o passado. O Pagabém fora adotado pela loucura, a loucura mansa dos intelectuais decepcionados com a vida. Era um deserdado da sorte —um pote por aqui de mágoa.
Sempre, ao final de cada dia, quando o sol se afundava atrás dos morros e atrás de si já havia alguns quilômetros de trilhos limpos, o Pagabém se apoiava na sua velha e surrada enxada marrom e fazia para os desocupados de plantão, (eu inclusive), o seu discurso habitual: "Senhor Sacadura, lá da prisão eu lhe mandei uma carta pedindo perdão. O senhor a recebeu? Não, não deve ter recebido porque até hoje não tive resposta sua!... O senhor sabe o que fizeram comigo no chiqueirinho? Só não lhe conto por que não tenho coragem de lembrar. Digo que lá cheguei um homem de verdade e saí uma moçoila. Viva a Constituinte!... Viva a reforma agrária!... Viva o câmbio negro!... Viva a saúva!... Viva o Brasil!. Quer saber mais uma coisa, senhor Sacadura, vá para a PQP!..."
Certo dia, quando discursava distraído, botando para fora as suas mágoas, foi colhido por um trem de minério de ferro que surgiu de repente, fora da hora habitual, vindo das bandas de Minas Gerais. O corpo do Pagabém ficou irreconhecível, foi recolhido em pedaços e enterrado num saco de estopa. Ninguém reclamou ou chorou por ele, ninguém foi no seu enterro, mas até hoje os maquinistas da Central levantam o boné, apitam e se persignam quando passam pela curva aonde o Pagabém morreu. Que para sempre esteja morta e esquecida qualquer tipo de tortura nesse nosso amado Brasil.



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