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Contos-->QUIMERAS -- 11/02/2007 - 04:51 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
QUIMERAS

Corria o ano de 1910.
No longínquo povoamento de Bacuri, município de Pereira Barreto, em São Paulo, a vida começava a mudar. O ramal de Lussanvira, da antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, hoje desativado, que ligava o Brasil às fronteiras da Bolívia e Paraguai, havia sido inaugurado em maio deste ano.
Vera Helena, a filha mais velha do chefe da estação, era considerada, em toda a região, como uma moça sábia e erudita. Com seus vinte anos, dava aulas para a garotada, pois tinha se formado professora em Bauru, onde morava o resto da família.
Os alongamentos da Estrada de Ferro Sorocabana chegavam até Bauru, onde começava a Noroeste.
Verinha, como era chamada, lia tudo o que lhe caía nas mãos. Até as bulas, que vinham nas caixas dos medicamentos, ela interpretava para os interessados.
Sabedora que uma farmácia de Bauru estava distribuindo um almanaque, oferta de um laboratório de São Paulo, não teve dúvida, no mesmo dia foi buscá-lo.
Na volta, acalentada pelos balanços do trem, Verinha lia o pequeno livreto. Uma das páginas chamou a sua atenção — curiosa, leu que naquele ano o cometa de Halley apareceria, bem visível, para os moradores da Terra.
Desde os primórdios do mundo, o homem tem um fascínio especial pelo firmamento. De lá sagrou e consagrou seus principais deuses: o sol, a lua, as estrelas e os cometas.
O cometa de Halley é o mais conhecido e comentado. Mas como ele demora quase duas gerações para surgir nas proximidades da Terra, nunca foi venerado.
Desde 240 a.C., o tal cometa já era conhecido. A sua aparição mais famosa aconteceu em 1066 d.C., quanto foi visto pouco antes da Batalha de Hastings, travada entre o Exército Saxão de Harold II contra a força invasora do Duque da Normandia.
Existem lendas que dizem que a estrela que os Reis Magos seguiram para visitar o Menino Jesus, nascido em Belém, era o cometa de Halley, cujo nome deve-se a Edmond Halley, astrônomo inglês nascido em 1656, que calculou a sua órbita.
Ele determinou que os cometas vistos em 1531 e 1607 eram o mesmo corpo celeste que cumpria uma órbita de 76 anos. Infelizmente, Halley faleceu em 1742, assim, não chegou a viver o suficiente para ver a sua previsão tornar-se realidade. Na véspera do Natal de 1758, em uma fazenda próxima de Dresden, Alemanha, um astrônomo amador avistou o cometa de Halley. No dia 14 de março de 1759, o cometa mostrou-se em todo o seus esplendor e passou pelo ponto mais próximo do sol (o periélio). Era a glória póstuma para Edmond Halley, substituto de John Flamsteed, como astrônomo real no observatório de Greenwich.
Depois disto, o cometa de Halley voltou pontualmente em 1835, 1886, 1910 e 1986.
John Flamsteed, (1676-1719), entre outros cientistas, convenceu o rei Charles II a construir o observatório de Greenwich.
No ano de 1884 foi realizada em Washigton, nos Estados Unidos, uma conferência internacional que criou um único Dia Universal, com início a zero- hora GMT (Greenwich Meridan Time), de Greenwich, na Inglaterra.
Assim, oficialmente, as passagens de ano realizam-se sempre no instante em que o dia 31 de dezembro, no meridiano de Greenwich, passa de 23h:59 min. para 00h:00 min. do dia 1 de janeiro.
Mas é tradição comemorar as passagens de ano com a hora do país, dentro dos seus fusos horários.
De acordo com esses fusos horários, a leste do famoso meridiano, os relógios estão adiantados. E a oeste, onde ficamos, os relógios estão atrasados em relação ao mesmo meridiano.
O Brasil deveria ter quatro fusos horários. Mas, devido ao fato de a sua economia estar concentrada no litoral e na região Centro-Oeste, optou-se por dois fusos horários.
O nome cometa deriva do grego kométes, que quer dizer, “estrela de cabelo”, numa alusão à cauda do cometa. A mesma menção é dada nas palavras chinesas e japonesas que se referem aos cometas como “estrelas de vassoura”. Será que as famosas vassouras voadoras usadas pelas bruxas têm alguma ligação com os cometas?
Sobre as visitas do cometa de Halley ao planeta Terra há notícias pitorescas e dramáticas. Religioso ou não, o homem crê piamente no fim do mundo. E um dos fatores para este acontecimento eram as caudas dos cometas. Se elas tocassem na Terra, estaria tudo terminado.
Nem o modernismo do século XX escapou dessas aberrações.
Em 1910, os habitantes de uma aldeia húngara, convencidos de que a cauda do cometa se chocaria com o nosso planeta, acenderam uma gigantesca fogueira na praça e se entregaram a uma orgia mística e gastronômica. Ao som de tambores, orações, imprecações e lamúrias, despediram-se da vida e consumiram todo o estoque de comida e bebida da aldeia Os únicos resultado foram a decepção e a ressaca. Até hoje a aldeia está lá. E a Terra continua a girar!
Muita gente vedou portas e janelas e se trancou dentro de suas casas. E não faltou quem ganhasse enormes somas na venda de máscaras contra gazes, supostamente emitidos pelo cometa. Segundo boatos não confirmados, no estado de Oklahoma, nos Estados Unidos, uma virgem quase foi sacrificada por religiosos fanáticos que, querendo aplacar a ira do cometa, pretendiam ofertá-la a ele, como se fosse um deus. A jovem teria sido salva por policiais, que já estavam de olho nas práticas diabólicas daqueles fanáticos. Em todo o mundo ocorreram casos de suicídios.
Verinha, ainda no trem, começou a noticiar a vinda do cometa.
Chegando ao lugarejo, em poucas horas a confusão já era total. Todos queriam saber do tal acontecimento. Veio à baila os célebres comentários que o mundo poderia acabar com a passagem do cometa.
Mas Verinha, inteligente, procurou acalmar os ânimos. Emprestou uma luneta e, como as janelas do seu quarto davam para o nascente, onde diziam que o Halley apareceria nas madrugadas, noite após noite ficou a esperá-lo.
Certa madrugada, cansada de espiar pela luneta, deitou-se e continuou olhando pela janela.
De repente levantou-se, assustada. Uma enorme claridade tomou conta de tudo. Espantada, viu o cometa com sua enorme cauda vindo em sua direção. Sem preâmbulos, a enorme estrela entrou no quarto e ficou girando em volta de sua cama. Ao perceber que o cometa preparava-se para sair novamente pela janela, Verinha, num arroubo, pulou em sua cauda, segurando-se como podia, e se tornou passageira daquela estranha nave cósmica. E o astro continuou o seu trajeto, visitando todos os planetas do nosso sistema solar, que ela tão bem conhecia!. A velocidade era tanta que Verinha começou a passar mal. Em seu assombro, começou a falar com o cometa:
— Por favor, senhor Halley, eu quero voltar para a minha casa!
— Mas de jeito algum –, respondeu uma voz cavernosa, que soava como um trovão pelo espaço. — Vou levá-la para conhecer outros mundos.
— Aquele onde a senhora morava, eu dei cabo dele! — As pessoas estão sendo queimadas lá em baixo. Verinha começou a chorar.
— Mas por que tanta maldade? — questionou Vera Helena.
— É a minha grande vingança contra os terráqueos, minha senhora.
E continuou a sua órbita, cada vez em maior velocidade. Ao fazer um looping entre os anéis de Saturno, Verinha desprendeu-se e começou a cair pelo espaço. Aos gritos, ela vinha em uma vertiginosa queda, até se estatelar em sua cama.
Assustada com o pesadelo levantou-se para tomar um copo de água. Mas ao passar pela janela teve o seu sonho realizado. Lá no horizonte, visto a olho nu, o cometa de Halley, parecendo fixo no firmamento como astro diferenciado, chamava a atenção de todos.
As poucas ruas do lugar estavam apinhadas de gente, que saíram de suas casas com o alarde do trem noturno que tinha acabado de passar pela estação. O maquinista diminuiu a velocidade do trem e ficou apitando sem parar, até desaparecer na escuridão da noite – era um modo de anunciar o aparecimento do cometa. Os que se levantaram e foram para as ruas saber o que estava acontecendo, ao avistar o belo espetáculo que a madrugada lhes oferecia, corriam para avisar o restante dos moradores.
Homens, mulheres e crianças, ainda com roupas de dormir, saíram às ruas dando as boas vindas ao cometa, gritando e batendo palmas.
O alarido era geral.
Verinha estava junto, aproveitando para dar maiores informações ao fenômeno.
Ao clarear do dia, o cometa desapareceu devido à claridade, mas deixou a sua marca no lugar.
Dona Terezinha, benzedeira e parteira, senhora dos seus noventa anos, escrava liberta nascida em uma fazenda lá perto, temendo as agruras do fim do mundo, sem explicações jogou-se no poço que havia no fundo de seu quintal. O povo e os parentes já haviam desistido de procurá-la. Uns até diziam que o cometa havia levado dona Terezinha com ele, pois ela era uma santa! Dias mais tarde, o corpo da infeliz foi encontrado.
Em 1986, o cometa de Halley causou a maior decepção aos habitantes da Terra.
A imprensa e os “marketeiros”, querendo vender a imagem do fenômeno, anunciaram com boa antecedência a vista espetacular que seria oferecida pelo cometa de Halley nesta sua nova aparição. Até vôos foram fretados com direito a lautos jantares a bordo, para apreciar de perto o espetáculo. O que se vendeu de binóculos e lunetas foi outro espetáculo para a indústria e comércio desses aparelhos.
Só com grandes telescópios foi possível vê-lo e fotografá-lo.
Apesar da decepção causada por sua pouca luminosidade em 1986, não podemos deixar de admirar o trabalho desses sábios que dedicaram seus estudos sobre as aparições dos cometas, como Edmond Halley, Isaac Newton, Alexis Clairaut e Hortência Lepaut, entre outros.
Os sonhos e anseios de encontrá-lo novamente pelos nossos horizontes ficarão para o ano de 2062.
De uma coisa podemos ter certeza: se, por acaso, não for avistado como da última vez, a Internet nos mostrará on line o cometa de Halley, causador de tantas quimeras, ao vivo e em cores, quiçá até com áudio dos seus movimentos, nas telas dos nossos computadores.
Mesmo com brumas, pouca luminosidade ou tempo encoberto por nuvens, com a mesma exaltação de Verinha iremos senti-lo e guardá-lo nos arquivos cibernéticos.
Caros leitores, quem viver entre nós, após 2062, poderá dar seqüência às histórias e lendas sobre o Cometa de Halley.





Roberto Stavale
Janeiro de 2004.-
Livro “Contos e Recontos”
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