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cronicas-->Dores e dores... -- 28/09/2004 - 11:05 (Cheila Fernanda Rodrigues) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dores e dores...

O dia amanheceu nublado e a minha alma deu a mão a ele porque despertara nublada também. Decidi caminhar e, quem sabe, entender o peso daquele dia. À medida que meus passos ficaram num ritmo automático, comecei a entender o motivo do meu céu estar nublado. O outro céu, é lógico, apenas seguia as sábias regras da natureza. Certamente não estava daquele jeito para me acompanhar .
As nuvens escuras tinham se formado sobre minha alma tão somente porque eu aguardava um telefonema que não vinha. E a cada vez que meus ouvidos ansiavam pelo som do telefone, as nuvens mais e mais se adensavam. Ganhavam longe das que se formavam no céu real, mas eu nem me preocupava com aquelas, só via a densidade das minhas. Com isso, eu caminhava automaticamente e só sentia o ritmo fora de compasso emitido pelo meu coração. De repente fui obrigada a perceber o mundo fora de mim pelo recado de alguns pingos de chuva e pelas pessoas que aceleravam seus passos para se abrigarem em algum lugar. Tive que cair das nuvens e correr para o carro.
Tomei meu rumo, prestando atenção ao trajeto, e estacionei próximo a uma loja em que precisava ir. Ao descer do carro, vi logo abaixo, no meio do quarteirão, um amontoado de sacos de lixo, pretos, bem cheios. Um deles estava muito cheio. Tão cheio a ponto de o lixo estar saindo para fora. À medida em que observava isso, eu estava chegando cada vez mais perto, pois era o caminho que me levava à loja.
Que susto levei ao chegar mais perto! Do saco abarrotado, saía alguma coisa que se movia. Meu Deus! (A mesma exclamação que o poeta Manuel Bandeira, em 1947, usou em seu poema "O bicho", cujo assunto não difere quase nada da cena aqui relatada). Era a cabeça de um homem, como que ornada por um turbante branco. E mais perto ainda, divisei a cena em sua completude: o homem não só estava literalmente dentro do lixo, como vestia-se com uma espécie de camisa de saco de lixo. E rosnava. Sim, rosnava, eis a palavra para indicar o único som que de sua boca saía.
Passei por ele sentindo-me muito mal. Muito mal comigo mesma, muito brava comigo mesma, pois minha manhã tornara-se nublada pela simples falta de um telefonema, enquanto a daquele ser humano reduzira-se - sabe lá há quanto tempo - a viver do e no lixo, feito um cão sem dono, rosnando a esmo, sem para que ou quem.
Que desgraça! E o pior que essa cena nem é nova nem é única. Porém naquele momento ela foi a única coisa que, paradoxalmente, fez o sol do meu dia se abrir, queimando-me a ponto de sentir a dor do outro. Uma dor de nada poder fazer, mas de deixar de lado a pequenez da minha própria dor.

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