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Contos-->TJN - 009 = A DUPLA -- 09/02/2007 - 14:10 (TERTÚLIA JN) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A DUPLA

Foi a Esperança julgada
Por sentença da Ventura
Que pois me leve à pendura
Que fosse dependurada;
Vem Cupido com a espada,
Corta-lhe cerce o baraço,
Cupido foste madraço.

Camões

Gisela abriu a porta do roupeiro e retirou do seu interior um velho saco de pano azul. Desatou-o vagarosamente, e pegando-lhe pelo fundo, despejou o seu conteúdo no chão do quarto. Durante largos minutos ficou olhando o espólio à sua frente. Vestidos e camisolas de cores garridas, alguns pares de sapatos, duas perucas, uma ruiva e outra loira, material de maquilhagem, bijutaria diversa, tudo ali ficou espalhado, enquanto a sua memória virava as páginas do passado.
Casara muito nova. Por amor. Trabalhavam na mesma fábrica onde também se tinham conhecido. Tinham um filho lindo e saudável. A casa, onde aplicavam todas as economias que com grande sacrifício conseguiam fazer, ia ficando composta. Planeavam comprar um carro no ano seguinte. Mas, inesperadamente, o mundo ruiu à sua volta. A vida é assim, ninguém a controla, ninguém a domina. Um dia o marido, grande apaixonado pela pesca à linha, desapareceu nas escarpas do Guincho. Nos dias de loucura que se seguiram ela passava horas nos rochedos frente ao mar, olhando-o longamente na esperança de, pelo menos, o corpo lhe ser devolvido.
Depois, desesperada, deu em acreditar que ele não tinha morrido e que simplesmente a abandonara por qualquer razão desconhecida. Regressou ao seu trabalho na fábrica porque tinha o filho para criar, mas nunca mais voltou a ser a mesma. As colegas notaram a diferença. Alegre e comunicativa, tornara-se agora taciturna, fechada sobre si mesmo alheada de tudo o que se passava à sua volta e depois, aquela mania do luto carregado... À noite, depois do filho adormecer, assumia então a sua outra personalidade. Ela, que era muito morena, transformava-se numa loira de longos cabelos, muito pintada, ou numa ruiva, sardenta de vestidos muito justos e de tons garridos.
Ficava irreconhecível. Depois, saía a vaguear pelos bares e cabarés da região, às vezes até Lisboa, convencida que o marido não morrera e mais tarde ou mais cedo o encontraria. Altas horas regressava a casa e no dia seguinte retomava o seu trabalho na fábrica, sentada em frente da sua velha máquina. E neste ritmo foi vivendo e mantendo sempre viva a esperança no seu coração.
Um colega, recentemente admitido na fábrica, começou a sentar-se ao seu lado durante o almoço na cantina, e durante o breve espaço de tempo de que dispunham para comer, trocavam algumas palavras. A pouco e pouco o seu espírito foi-se abrindo e quando deu por isso enamorou-se. Começaram a sair juntos, revelou-lhe um pouco da sua intimidade e as suas incursões nocturnas foram rareando. Numa linda manhã de Abril acordou feliz meteu todos os apetrechos da sua outra identidade dentro dum saco que enfiou no fundo do armário.
Agora, de novo casada, o filho no seu quartinho, janelas abertas para deixar entrar o sol, Gisela recorda aquele passado enquanto olha aquela estranha roupa espalhada no chão. Naquela manhã, enquanto aguarda o marido para almoçar resolve desfazer-se daqueles vestígios de um período da sua vida que quer apagar para sempre.
Quando o telefone tocou, foi atender. Do lado de lá da linha ouviu o marido dizer:
- Olha querida, não esperes por mim para almoçar, chego mais tarde. Vou com uns amigos pescar para o Guincho.
Lentamente, Gisela voltou para o quarto e arrumou tudo, novamente, dentro do velho saco azul.

António José Pereira da Mata

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