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Contos-->UMA HISTORINHA DA INFÂNCIA (Sujeita a Chuvas e Trovoadas) -- 01/02/2007 - 21:59 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
UMA HISTORINHA DA INFÂNCIA
(Sujeita a chuvas e trovoadas)

Francisco Miguel de Moura*


Uma tarde a mamãe resolveu visitar seu primo Licínio, do outro lado do rio. Não era costume sair de casa, ir mais distante do que buscar água na fonte, salvo nas festas religiosas do povoado. Nem sabe o menino quantos anos tinha, talvez cinco. E as irmãs Teresa e Mariinha eram menores ainda.
Tomado pela surpresa, ele disse, querendo impedi-la:
- Mamãe, mamãe!?
- Não chorem não, meus filhos. Eu vou num pé e volto no outro.
Olhou com os olhos cheios d’água, só conseguia enxergar um vulto branco e vermelho, no morro, do outro lado da ribeira. Longe, longe. Era a casa dele, o primo.
- Meu Deus! - teria dito Chico, quando a mãe sumiu no caminho.
Mariinha e Teresa já haviam esquecido suas palavras e brincavam, uma engatinhando pelo chão e a outra correndo pelo alpendre, nos seus passos ainda vacilantes.
Licínio era descendente dos fundadores da fazenda Jenipapeiro e chefe principal e enfrentante da construção da capela do povoado, até então chamado de Alto da Igreja. Ano de 1918. Foi quando terminaram de levantar o templo, a data ficara escrita e conservada na frente. Nas noites de luar era bonito ver o reflexo da lua sobre o lajedo, que a gente simplesmente chamava de «lajeiro», lá do outro lado do rio. Ele, o primo rico da mamãe, tinha também uma casa grande, no povoado, que «vivia» fechada durante quase todo o ano. Lá, as casas só se abriam para as festas de junho e outubro. Nem mesmo na Semana Santa. É que os donos vinham acompanhar a Via Sacra mas, no mesmo dia, todos voltavam para as residências fixas situadas em lugares diferentes da ribeira do Riachão ou na «Serra».
A casa de D. Zefinha, de frente para o nascer do sol, era num taboleiro distante do rio, no lugar Curral Novo, uma légua de distância a oeste do povoado Jenipapeiro. Se fosse comparar, uma casinha de joão de barro, a diferença é que coberta de telhas. Compunha-se apenas de um alpendre aberto, um quarto com porta para o referido alpendre, nenhuma janela, mais um apêndice tosco pegado ao lado servindo de cozinha, e esta praticamente nada: um velho «puxado» como se dizia, feito de paus e palhas de carnaúba, cobrindo o fogão de trempes de pedras.
Licínio, dono de bastante gado, comia leite e queijo durante o ano todo. A mamãe falava a seus filhos que era seu primo legítimo. O menino Chico não sabia o que viria a ser mesmo primo legítimo ou ilegítimo. Mas não perguntava.
Fazer uma visita, ela disse. O que seria? E se não voltasse logo, se esse fazer fosse coisa demorada? E se demorasse mais de um dia, como dormiriam sozinhos? A comida? Já estavam com fome. E se não chegasse? Para consolar-se, achou que ia resolver uns negócios... Ou apenas tomar um copo de leite, comer um pedaço de queijo com rapadura, provar a coalhada de soro e talvez a escorrida, que era bem melhor, especialmente se fosse com mel de abelha. Chico já havia provado de uma vez que D. Zefinha dera na veneta e levara as crianças. Uma delícia!
Mas, em lá chegando, começou a trovejar, trovões e relâmpagos que estremeciam o chão. O sol sumiu. Mas não começou a chover imediatamente.
- Na estrada, como eu sofri! Vinha me tremendo de medo – disse ao filho quando chegou.
- Por que não ficou mais um pouquinho, mãe?
- Não, meu filho. Vi a preparação do céu e fiquei preocupada. Licínio me avisou:
– Vai chover, Zefa. Não vá agora...
- Não, é uma nuvenzinha besta. Eu chego em casa antes dela. Meus filhos estão sozinhos. Eles devem ficar assombrados com tanto trovão, tanto raio. Nosso alpendre molha todo. Será que entraram para o quarto?
Chico e as irmãs se socaram nas redes, com as varandas por cima dos olhos, esperando, esperando o que Deus quisesse.
D. Santa, a mulher de Licínio, lhe falou na ventania que derruba gente e bicho.
– Imagine, se cair uma árvore! Muito perigoso.
Os argumentos não convenceram. O coração pulsava descompassado. O peito opresso. Crueldade deixar as crianças sozinhas.
- Até outro dia, Zefa!
- Até!
«Deus a ajude!», devem ter murmurado.
- Olhe a garrafa de leite, Zefa. Os meninos vão gostar.
A tempestade foi grande. O vento levava a três, quatro, cinco braças à frente. Outras vezes, açoitando ao contrário, carregava-a para trás. Não via nada em que se segurar. Enrolou-se em touceiras de macambira. Era só água, escuro, luz de relâmpago e trovão de fazer qualquer cristão morrer antes da hora.
O rio já começava a receber água, atravessou-o com a saia levantada até a cintura. Se demorasse um pouco mais não conseguiria passar para o outro lado. Ao chegar à beira, ouviu aquele ronco terrível: era a segunda «cabeçada» chegando, barrenta, escura, levando paus, pedras, animais, destroços das roças e vazantes. Rezou, rezou um rosário para as almas, outro para a Virgem Maria, a oração de Santa Bárbara. Fez promessas.
Com a roupa ensopada, toda tremelicando, os meninos viram a mãezinha chegar. Parecia um pintinho molhado, uma pintinha. A mamãe era baixa e magra. Por isto.
- Meus filhos, não morri de medo por causa dos poderes de Deus. Foi milagre.
No outro dia de manhã, ela recordava:
- Tropecei numa pedra, a vasilha de leite se foi com a água do rio.
As crianças olhavam seus gestos com pena. Eram como se disesse: «Vão-se os anéis, ficam os dedos.» Viam ali toda a cena, todo o drama por que a mãezinha passara.
- Agora, quando é que vamos tomar café com leite, mãe?
Teresa, como que respondendo à pergunta do mais velho, falou:
- Quando o céu deixar de zanga, não é, mãe?
Ninguém comentou nada. Tomaram silenciosamente o café preto com farinha, um pouco mais amargo pela sensação da falta do leite. Não adiantava chorar.
Desde aquele dia D. Zefinha nunca mais saiu de casa no inverno.

_________________________
*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, Piauí, e-mail: franciscomigueldemoura@superig.com.br
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