Por conclusão, democracia é o regime pelo qual todas as diferenças existentes em uma sociedade têm espaço para se manifestarem e obrigação de coexistirem. Recorrendo a um dicionário para não deixar dúvidas: “sf. 1. Governo do povo; soberania popular; 2. Doutrina ou regime político baseado na soberania popular e da distribuição eqüitativa do poder.”
Considerando essa definição de democracia, surge a pergunta: vivemos mesmo em uma democracia?
A resposta é curta e objetiva: não. Para um país gozar o privilegio de viver em uma democracia é preciso que haja um intercâmbio nos governos. Isto é, é necessário que lideranças de diferentes seguimentos se alterem no poder.
Em nosso país isso nunca aconteceu. Durante os 502 anos de existência, o Brasil se viu entregue as mãos de apenas um tipo de classe social: os detentores de poder político e dos meios de produção. Sejam os portugueses, ingleses, mais tarde norte- americanos e brasileiros de uma pequena classe social rica e abastada. Se consultarmos os livros de história, comprovaremos isso.
É claro, velhos dinossauros como Maluf, Orestes Quércia têm perdido espaço, mas são casos isolados. Se fosse uma verdade nacional, Antonio Carlos Magalhães teria perdido influência, assim como José Sarney.
Muitas pessoas podem imaginar agora que a premissa que diz não vivemos em uma democracia, é falsa. Que as eleições vêm provar o erro desta afirmação. Ledo engano.
Em 1989, Lula concorreu com Collor ao cargo de presidente da república. Ele foi colocado como o pior para o Brasil. Revistas, jornais, redes de tv fizeram edições e programas prejudiciais a sua imagem. O caso mais notório foi o debate entre os dois presidenciáveis onde a Rede Globo editou propositalmente as imagens a fim de mostrar um Lula despreparado e Collor o oposto disso. Roberto Marinho admitiu, depois, apoiar o caçador de marajás.
Nestas eleições, primeiro turno, foram encontradas, em Brasília, urnas eletrônicas “viciadas”. Isto é, todo voto registrado nela, independente para qual candidato fosse, ia para José Serra e para o candidato do governo ao cargo máximo deste Estado.
Ciro Gomes registrou publicamente que estava sendo alvo de perseguição política. Qualquer coisa dita contra o governo de FHC era transformado em direito de resposta pelo TSE, Tribunal Superior Eleitoral, a favor de Serra.
Como podemos acreditar nessa democracia se sempre quem tem maior influência a utiliza para fins pessoais. A impressão é a de que no Brasil todo mundo é livre, desde que nenhum brasileiro saia da “senzala” e venha se sentar com a família na “casa grande”. Se alguém tentar fazer isso, existem todos os meios para impedir e castigar.
Os exemplos não param por aqui. Em uma sociedade, como a nossa não é difícil achar fatos que contradigam a definição de liberdade.
No Brasil é garantida liberdade de expressão, mas nem todos têm a possibilidade de usar os mesmos meios de comunicação para se expressarem. A educação é direito de todos, mas nem todos têm a possibilidade de estudar. A saúde deve ser de qualidade e gratuita mas isso não acontece, o que faz com que as pessoas paguem duas vezes pelo mesmo serviço, com impostos e depois optando por clínicas particulares.
Há alguns meses atrás, um trabalhador ateou fogo no próprio corpo, na Av. Paulista. Estava desempregado e não conseguia sustentar a família. Só desta maneira conseguiu chamar atenção e aparecer na tv. E mesmo assim de forma rápida e sem muitos comentários.
No Rio de Janeiro, há alguns anos atrás, outro desempregado entrou em um banco e apontou uma arma para o gerente. Queria seu dinheiro. O gerente perguntou se o homem tinha conta naquele estabelecimento, o que ele respondeu não. Disse que as filhas estavam passando fome e tinha visto na tv, no dia anterior, a festa milionária que a “nova rica” Vera Loyola havia dado ao seu cão. Ele estava indignado. Não conseguia entender por que suas filhas passavam fome enquanto um cachorro comia bolo de aniversário feito especialmente para a ocasião. Ele não “sacou” dinheiro algum e foi preso.
Isso mostra que os direitos destes dois desempregados descritos acima foram esquecidos em algum lugar. A censura na época da ditadura era feita através da força, hoje é exercida pela falta de oportunidade.
Uma sociedade democrática não diz só que as pessoas têm direito. Ela possibilita o acesso dessas pessoas a esse conjunto de direitos. É muito fácil um governo dizer que é permitido a livre expressão artística. Mas se ele não faz com que todas as vertentes artísticas, mesmo opostas ideologicamente, tenham espaço, está mentindo.
Em uma democracia verdadeira, é permitida e criada a possibilidade para que o homem trabalhe; possa ir e vir; tenha acesso à cultura e arte; possa dizer que não concorda com algo sem sofrer qualquer tipo de censura.
Ainda estamos longe disto, mas se o partido de oposição vencer a eleição para presidente neste domingo, estaremos começando a andar em direção a democracia e fazer valer as palavras escritas na Constituição da República Federativa do Brasil. Se isso acontecer, teremos aquilo que nunca tivemos: viver o que já nos é garantido por lei.
