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Contos-->Eutanásia não é pecado -- 16/01/2007 - 08:20 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eutanásia não é pecado

Hoje fui ao velório de um amigo que lutou quatro anos contra a morte. Sua luta foi grande, heróica, mas em vão. Acabou cedendo à força irresistível que nos arrasta a todos para o desconhecido. Não era o meu amigo quem estava ali, era outro muito diferente, tinha sido barbaramente torturado. Guimarães Rosa já dizia que “viver é apenas aproveitar o resto”. E nem isso o meu pobre amigo aproveitou. Seu resto de vida foi cheio de falsas esperanças, sofreu dores horríveis, nem a morfina o ajudava mais. Na verdade, ninguém nem nada ajuda a ninguém. A luta final é sempre solitária: é só nossa! É por isso que sou a favor de uma morte digna, confortável, sem que seja preciso blasfemar contra um Deus malvado por conta deste sofrimento inútil. Sou favorável à eutanásia, defendo-a para mim e para os meus amigos. Já avisei aos meus parentes, especialmente ao Ribeiro —que é o nosso especialista em funerais da família—, que gostaria de morrer sem dor, um pouquinho antes da hora talvez, dormir um sono gostoso e sem fim, um cochilo induzido, uma viajem para todo o sempre. É demais pedir isso?
Lembro aqui de um caso que me marcou muito. Aconteceu em Ribeirão Preto, e achei que foi justo. O pai do meu amigo Zuza estava com um câncer bravo no pulmão e, a qualquer lugar que fosse, o pobre tinha que levar um botijão de oxigênio, carregar o seu próprio ar. Sua respiração se tornara difícil, quase impossível, precisava fazer um esforço ingente e dolorido para buscar o ar que Deus lhe negava. Dava uma agonia, uma angústia vê-lo sofrendo tanto por tão pouco. Ele tinha um convênio caro, desses que prometem a plena saúde do sujeito, mas não conseguem evitar a morte de ninguém. Diante da morte não há convênio que funcione, nem mesmo o poderoso UNIDEUS. Quando o estado de saúde do pai do Zuza piorou e tornou-se insustentável, levaram-no para a UTI do hospital mais chique da cidade.
Ali, ligado a mil tubos coloridos e transparentes, lisos ou ondulados, conectados a máquinas e dispositivos eletrônicos brancos e estéreis como as nuvens do sertão, sua agonia continuou igual. Era triste para o Zuza ver o pai fazendo tanta força para respirar um tiquinho de ar, um ar que nunca lhe vinha. E ele sabia que havia muito ar lá fora, ar sobrando no céu de Ribeirão, ar para além de Minas, ar sobre os vales do Rio Grande e no resto do planeta. Mas o doente não conseguia sorver nem mesmo uma gotinha daquele importante ar que tanto o aliviaria e faria feliz. Vai daí que um médico bondoso, amigo do Zuza, fez uma proposta ousada e corajosa: ”Se você me autorizar, eu faço uma injeção M1 nele e tudo se resolve...” . O Zuza olhou para o seu velho pai, olhou de novo para o médico e, com os olhos nadando em grossas lágrimas, disse: ”Já que o meu pai precisa de um pouco de ar e não consegue, concordo com o senhor. Dê uma M1 para ele, estou certo de que meu pai vai gostar desse coquetel...”
Despediram-se tristemente. Zuza deu um beijo no seu pai e prometeu que comeriam uma picanha juntos assim que ele deixasse o hospital... Em seguida um frasco de soro foi pendurado no tripé. A torneirinha salvadora foi aberta e gotas grossas desceram céleres a caminho dos vasos sanguíneos do pobre sofredor. Antes que o bendito frasco chegsse ao meio —ah, que grande alívio!—, o pai do Zuza foi envolto por uma serenidade e uma paz nunca antes sentidas. Agora ele não precisava mais de ar —ao menos desse ar bobo e poluído que conhecemos por aqui.
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