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Contos-->A mula-sem-cabeça -- 14/01/2007 - 10:16 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Mula sem cabeça

A Vila de Água Doce era um pequeno povoado, situado no fim do mundo, cercado de mil montanhas altas, vales e matas virgens. Havia umas trinta casas, mais ou menos, o resto eram caminhos desertos cujos destinos se mediam em léguas. Os poucos habitantes da vila eram homens, mulheres e meninos sonhadores, solitários em relação ao resto do mundo. Era como estar na Ilha de Páscoa. Ali as lendas tomavam conta das mentes. Todas as noites, durante a quaresma e sempre à mesma hora, acontecia o desfile de uma mula-sem-cabeça na rua principal da Vila de Água Doce. Entre dez horas e meia-noite a mula cruzava a Vila arrastando uma cachorrada brava no seu encalço. O cortejo começava na igreja nova, perto da casa do carola Juca Paixão e tomava um rumo, descendo sempre na direção da lagoa do Marriel onde mergulhava, para em seguida fazer um silêncio mortal. Segundos depois, como que num mistério insondável, a barulheira infernal recomeçava na igreja nova.
A rua principal da Vila de Água Doce, onde eu morava, era longa e estreita. Os únicos detalhes que me separavam da Mula temida eram um cobertor grosso enrolado na cabeça e a frágil parede da minha casa, erguida bem ao lado da rua. O tropel da mula era tão forte que balançava minha cama de ripas. Minha mãe dizia no dia seguinte que aquilo era apenas o balanço do meu coração medroso. Mas a dona Francisca nunca dizia que a Mula não passava na rua, que não era verdade, que ela não existia, queera uma lenda.
Uma coisa me intrigava. Por quê será que a Mula preferia desfilar na rua da Vila onde havia tantos cachorros bravos, e não nas matas e vales distantes —tão mais amplos e livres para ela? Penso que a Mula gostava de ser vista, desfilando e exibindo a sua feiúra para assustar os meninos arteiros e insones como eu.
Um certo dia de Quaresma, o Juca resolveu dar uma de macho e decidiu ver a Mula e ficou plantado na janela esperando por ela. Eu achava que ele não devia e o povo dizia que a Mula não gostava de ser espreitada. Quem se dispusesse a vê-la teria conseqüências sérias. Mas o Juca era um homem corajoso e decidido.
Vamos aos fatos. Naquela noite a Mula já tinha feito umas duas viagens. Era o momento de silêncio, do intervalo temido que vinha depois do mergulho na lagoa. Aos primeiros latidos o Juca entreabriu a janela e ficou a postos. A rua principal era só luar, um silêncio sem cor. De repente, na curva do dentista Antonio Otti, surgiu o cortejo macabro. Só se viam os cachorros, latindo desesperados contra um núcleo vazio —um tumulto de vento que se movia rua abaixo.
Conta o Juca que, quando a turba ia passar exato na direção da janela onde ele estava de plantão, o tumulto impessoal estancou de repente e mudou de rumo. Mostrou inteligência e pegou a direção da sua janela. Apavorado, o meu pai só teve tempo de fazer o sinal da cruz, cagar e cair desmaiado.
Depois de passados muitos anos ele contava aos compadres que o hálito da Mula ficara na sua memória para sempre, que tinha um cheiro de cachorro do mato. Quando repetia esta história para os compadres, para confirmar a sua aventura, mostrava os pelos do braço eriçados. Eu particularmente nunca botei fé no Juca, nem nunca acreditei nas suas mentiras, mas o curioso é que nessa história da Mula eu acredito. Não sei por quê.

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