A irmã Elisabeth Mrkvicka, religiosa do Bom Pastor, há alguns anos dá conferências como «testemunho da história» na Universidade de Innsbruck, Áustria, e também em escolas e paróquias.
A religiosa explica o que isso significa para ela: «Pensando na história de minha vida, vejo claro que dentro de pouco não haverá ninguém mais com vida que tenha experimentado o tempo do Nacional Socialismo (NS) na Áustria entre os anos 1938 e 1945. Poucos conhecem como foi a realidade naquele tempo».
«O que me faz falar como testemunha da história às pessoas jovens?», interroga-se, e responde: «Quando me abro, o ‘encontro’ acontece e isso ajuda a reconciliação».
Elisabeth Mrkvicka nasceu em Viena, em 1925, em uma família que descreve como «totalmente anti-religiosa»: «Meu pai era um convencido social democrata e contra a Igreja. Seus três filhos fomos às aulas de educação religiosa católica, mas em casa nunca falamos de religião. Até a idade de 14 anos não sabia nem sequer uma oração».
De um dia para outro (devido à relação da Áustria com a Alemanha em 1938) descobriu, com 12 anos, que sua mãe era uma judia batizada e ela foi considerada meio judia, segundo as leis nazistas.
Começou a perseguição de sua família, especialmente a de sua mãe. A família foi dizimada pelo exílio, o suicídio ou a deportação a campos de extermínio.
«Sem esperança e destroçada, enfrentava a situação – afirma a religiosa. Meus pais, devido ao fardo de medo e dor, não pensaram em explicar-me o crime que se estava levando a cabo. Escutei que se gritava: ‘os judeus são os culpados por todo mal no mundo, eles são os indesejáveis que devem ser exterminados; são a escória que se deve remover’. Não me foi permitido estudar e, uma e outra vez, estive exposta à humilhação. Eu me sentia como não querida e sempre em risco.»
Elisabeth Mrkvicka se pôs em contato com um esquecido grupo juvenil católico em sua paróquia e começou a crer em Deus: «De alguma maneira, foi mais um escape que uma convicção genuína de fé. Sobrevivi a esses anos terríveis de guerra, de constantes ameaças e medo».
Seu pai morreu. Pôde cuidar de sua mãe em sua última doença e, quando ficou sozinha, cresceu nela a decisão de entrar na Congregação. Viveu por muitos anos nesta ocultando suas origens.
«Só em minha avançada idade (74 anos) – explica –, através de um acompanhamento espiritual cuidadoso, aprendi a aceitar-me e, no caminhar de minha vida, a aceitar minha missão.»
Um professor amigo na Universidade de Innsbruck – que, através de conferências e publicações, trabalha pelas pessoas marginalizadas – e seu diretor espiritual lhe sugeriram que falasse às pessoas jovens, como testemunha da história, acerca de sua experiência durante o Nacional Socialismo.
«Nunca poderei esquecer o mal – confessa. Esta experiência roubou minha auto-estima, e muitíssimo do desejo e do valor para viver. Eu só fui capaz de sobreviver. Meu grande desejo é que nunca mais as pessoas sejam humilhadas, marginalizadas ou exterminadas.»
«Só com o acompanhamento das pessoas amorosas fui capaz de ver a história de minha vida, só então pude perceber o sofrimento e apesar de todo o desespero, fui capaz de ver como Deus me guiava em minha história e pus tudo em suas mãos», acrescenta.
«Em minha mais profunda devastação, quando não era capaz de aceitar a mim mesma e já não queria viver, pela primeira vez experimentei que Deus me ama incondicionalmente, que morreu por cada um e que quer uma vida plena para todos os seres humanos. Só ao experimentar-me como amada por Deus, posso descartar qualquer vingança», confessa a Irmã Mrkvicka.
Há uns anos, a religiosa estava em um ônibus junto a um casal. Os meios de comunicação acabavam de informar de um ataque a uma sinagoga em Istambul. O casal opinou que os campos de concentração e as câmaras de gás nunca existiram.
«Então me sobrepus à minha covardia e disse a ambos: «Sim, esses campos de concentração existiram e as câmaras de gás verdadeiramente existiram».
Eles responderam: «Como você sabe disso?». E lhes disse: «Porque meus familiares foram assassinados lá». Eles responderam: «Então esqueceram de asfixiar você também!».
Este é um dos motivos que movem a Irmã Mrkvicka a continuar contando sua história: «Os jovens se sentem muito afetados pelo que lhes digo, mas também se sentem comovidos pelo pensamento de que só Deus pode curar todas as suas feridas. Também tento dizer-lhes que eles não podem carregar a culpa de seus antepassados; que cada pessoa é responsável pelo que pensa e faz».