Ao lê-lo, caro Régio,
o que é um privilégio,
sinto-me assustado e maravilhado
como se então estivesse
no mesmo sentimento encarnado,
preso de revolta eloquente
a exprimir-me: não, não vou por aí...
Imagino o peso da canga,
a extensão da corda-bamba,
o balanço sempre mais intenso
que ora ameaça, ora alivia
o esforço do equilíbrio
sobre o abismo de olhos e braços
que obriga a gritar: não, não vou por aí...
Um poeta não tem diploma
para dizer ou escrever palavras,
aprende tudo sozinho,
bocadinho a bocadinho,
descobre o prazer e a dor que se movem,
experimenta a delícia e o tormento
e diz ou escreve: não, não vou por aí...
Quando assisto a funerais
e me posto junto dos covais
todo eu me rebusco intimamente
perante a contrição daquela gente
defronte ao pálido finado
a ajoelhar-se, a benzer-se
enquanto me ouço: não, não vou por aí... | Eu venho de todos os lados,
convivi com deuses e diabos,
submeti-me, servi-os lealmente,
neguei-me à intima vontade,
traí a minha própria liberdade
até escutar o meu silêncio
balbuciar: não, não vou por aí...
Sabe, mestre, fui na cantiga,
casei com uma linda rapariga,
fui pai de duas lindas filhas
e também escrevi um livro,
acreditando na subtil léria
que hoje estrangula em cada artéria
a ânsia de dizer: não, não vou por aí...
Agora, que sinto o meu cântico sem cor,
inspirado paradigma do seu, mestre,
é tarde, muitíssimo tarde
para almejar os rumos que não há
além do sol-pôr e da manhã
que me cansaram de sonhar
a proclamar: não, não vou por aí...
Já não tenho desejo de amar
e sequer as ganas de odiar
me perpassam o raciocínio,
suspenso da ternura que lobrigo
nas crianças e no seu fiel amigo
que volteia feliz de rabo a acenar
enquanto simplesmente estou aqui!...
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