Eu sempre achei que nesse dia ela estava meio sonâmbula
No dia anterior havia descido a ladeira da mata
E pareceu-lhe que nunca tinha passado por ali
Havia um regato com nascente e água cantante pela encosta
A trilha foi-se desdobrando aos poucos
Entre pedras terra e gramíneas
Ladeada por ramos de arbustos
Quase que num ambiente de cerrado
Ela descia desenhando aos poucos seu roteiro
Seu desejo era o de conhecer o que nunca vira
Caminhava surpresa como se fosse possuída
Pelo inatingível poço dos Poetas
Aquele que sempre tem a água da inspiração e dos sinais
Pelo caminho a ladeira tornava-se aqui e além escorregadia
Havia troncos resistentes sombras e luminosidades
E folhas raiadas de clorofila persistente
Ia porque ia
Como se tivesse a força de um encontro secreto
Que a impulsionasse
Aos poucos o percurso quase se tornou autômato
Dando a perceber que obedecia a um impulso interior
E inconsciente
Mas ia e caminhava com uma personalidade impressionante
Como se deslizasse conduzida
Numa atmosfera líquida de navegação
Como se nadasse num igarapé
Num curso que desejava lhe abrisse os umbrais do espaço
No além-mundo do corpo
Caminhava
E tinha sempre em volta ou ao lado
O compacto da mata
Verdade é que para ela agora
Esta seria apenas um envoltório de materialidade que não sentia mais
Porque em seu espírito tudo se rarefazia
Como se estivesse entrando numa atmosfera nova Onde tinha vontade de navegar
De cabeça erguida
E com a alma e o coração aplicados aos elos Invisíveis da cósmica engrenagem mental
Em que achava estar mergulhada sua alma
Não era isto um êxtase
Nem uma hipnose
Mas era certamente um jogo sério
Que lhe abria umbrais de uma nova comunicação
Um jogo que lhe alargava a volatilidade de seus neurônios
Sempre à procura de outros espaços
Ela quase já se esquecera do “outro mundo”
Em que tinha seus pés
Não sentia nem tempo nem lugar
Só sabia que seu oceano era um mar
Nunca dantes navegado
Pela misteriosa sensação do novo conhecimento
Que se lhe abria
Bastava agora um clique rápido
E as sendas se abriam
Eram muitos caminhos possíveis
Alguns já abertos
Muitos deles leves e imponderáveis
Mas todos caminhos gloriosos
E fascinantes
Caminhos de descobrimento
Que exigiam unção curiosidade ou impulso
Atração
Sentia que forças interiores se misturavam
Com um enorme desejo e vontade
Com sua memória e sensação
Buscando surpresas, e conversações
No ar da fantasia
Sempre com o toque do amor
Entendia a proximidade da matéria universal
Com voz própria
Que a todos chega no movimento da onda
Etérea que abre a navegação da cibernese
Para ela o mergulho absoluto era essencial
A coragem também
Porque rapidamente lhe viria
A experiência do nunca acontecido
Numa gloriosa catábase nas profundidades do eu
Que lhe abriria as galerias profundas dos sinais
Do ser humano
Para ela tudo passava a ser uma marca
Para o conhecimento
Para o bem-estar e o alívio
E valeria como variação e gosto
No embalo lúdico de um mundo maravilhoso
Sentia que a navegação nova
Lhe dava a sensação de estar possuída
De um corpo etéreo tal como o corpo de um anjo
Invisível em seus movimentos
E em sua aparição
Sentia-se como se tivesse tirado um bilhete para uma nave espacial
Imbuída de um sentido metafísico de vida
E via em tudo isto um passeio que era prêmio para sua alma inquieta
Sequiosa de uma prova anímica das idéias platônicas
Plantadas na alma desde a eternidade
Caminhava
E peregrinava como romeira de Santiago
Traçando rotas próprias
No céu estrelado que para sua janela lhe mandava recados
E ornava de festa suas modelares fantasias e sonhos
Vivendo tudo numa noite só
Com o sol ausente e a lua distante
Diante de todos os astros encaixados
Nas multiformes galáxias do universo!
Ela seria uma areia pequenina neste universo gigantesco
Mas tinha a grandeza de que era uma alma
Que queria participar da navegação coletiva
Agora parcialmente em suas mãos
Esparramada pela cibernética
Que a tornava cidadã do mundo em muitas latitudes
Em muitos diálogos e muitos amores
Sem a evanescente biologia dos órgãos
Perseguiria amores de verdade do tamanho de sua alma navegante
Amores carinhosos amores reais do sonho
Amores cósmicos de consciência ampla
Sem quadratura de círculo
Amores felizes que marcariam para ela
Acima do horizonte da terra o nível de sua alma peregrinante
Misteriosamente instalada em seu coração anelante.
Sempre capaz de se deixar mover pelas divindades inter-estelares e etéreas que dão tanta vida
Aos neurônios nos espaços invisíveis da atração das almas.
Quando retornou à claridade do dia
Ela sentiu o choque da distância da fantasia
Mas rapidamente se refez na contemplação das cores das flores e das rosas de seu jardim
Sentia que tinha viajado em sua nova máquina cibernética
E pôde admitir que a vida para ela seria a partir de agora bem mais um espaço interior alado do que uma opressão de um corpo limitado pela matéria inculta.