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Contos-->...Se algo importa -- 16/03/2000 - 23:08 (Erasmo Junior) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Não há mensagens. Não há saídas, não existem motivações ou palavras bonitas capazes de quebrar o tédio e destruir a monotonia. Enfim, instantes sozinho na perdição; o maior dia da minha vida.
Como um dia qualquer.
Quando eu vi meu grande amor passar, não esperei pelo olhar de afeto, nem pelo fascínio difuso de um luar. No primeiro momento, havia um breve estalo entre as bulhas cardíacas, seguido de aceleração e de uma quebra de ritmo sistêmica. Falava-me mais alto o nada, a fim de conter todas as emoções estúpidas que dilaceravam o bem estar, o controle, o sentido, a dicção correta de bom rapaz educado. Onde está o meu anjo da guarda? Eu arranquei as suas asas e as devorei. Prosseguiram instantes sem fins de encanto quase platônico.
- Eu estou aqui. Olhe para cá.
Ela se virou, e eu pude observar a barriga enorme. Um lirismo para qualquer motivação minha: aquela gestação linda e bem cuidada, os seios crescidos e as pernas inchadas no corpo generoso. O vermelho das maçãs do rosto era a realidade mais terrível que viera a encontrar. A fixação naquilo não se referia apenas a fornicação. Havia muito mais do que uma simples excitação por grávidas; quando assim, as mulheres ficam mais sensíveis, enxergam tudo de maneira mais rústica, com mais carinho, mostram realmente um coração. Temperamental seria um bom termo, mas acho ofensivo. Portanto, não foram preciso palavras dela para que eu entendesse o que se passava.
Os olhos bateram; houve um choque, sempre há.
- Vá para casa, você está cansado. Esqueça um pouco isso... não podemos fazer nada.
Ela me cauterizava, bem devagar.
- A muita dor nisso tudo, você entende? Eu te amo. - ela viu cada sílaba transbordar de minha boca.
Não houveram mais frases, nem respostas. Fomos para um quarto e deitamos.
Durante o ato, uma certa dificuldade sempre era encontrada devido ao excedente. Não eram dois, mas três. E jamais quisemos que alguém, principalmente o marido dela e minha mulher, viesse a saber sobre aquilo, sobre o envolvimento, sobre as lamentações e sobre o mural de fixação abortiva. Cinco meses, querida, cinco meses cuja harmonia jamais deveria se perder. Quando acordei, ela ainda dormia e fiquei fitando as pálpebras fechadas, por trás de ocasionais fios do cabelo sedoso e sublime. E no momento do despertar, eu estava lá com um presente para ela.
- Abra.
- O que é? - o sorriso nos músculos da face não poderiam ser descritos como um todo, visto que cada contorno era uma nova teoria para o caos.
- Ah, é para você. É bem bonito.
Em instantes, o embrulho improvisado com papel de presente reutilizado estava desfeito. Era uma caixa de plástico transparente fino, com um pássaro empalhado; trabalho meu de semanas a fio. Eu não me importo.
- Lindo.
Seguiram-se beijos e trocas bucais mútuas. Abraços, afagos e carícias sobre juras amorosas e um futuro morto, ilusório e menstruado. Dimensionamos, durante o resto do tempo juntos naquele dia, as próximas etapas a serem tomadas; um amante de gestante não rima tão bem assim, principalmente para o marido e dono do feto. Até onde chegaríamos era um interesse puramente sentimental. Antes dela se vestir, pediu para eu repetir as palavras do dia em que nos apaixonamos, quando ela estava apenas de dois meses. Recitei cada parte, com a expressão de cachorrinho doente, balançando a cabeça e deixando os olhos meio fechados, divertindo-me com cada risada de satisfação dela. Depois daquilo, deixei-a no mesmo lugar de sempre, na esquina do parque com o prédio de sacadas largas.
Passava o resto do expediente pensando nela e nas sensações que nunca coagulavam. Enquanto a barriga estava lá, a magia torturava a minha carne incansavelmente com a dor chamada amor. Adiante do sexo, estava o afeto malicioso, o desejo materno realizado de milhares de teorias que prefiro ignorar nesse momento. Quando cheguei em casa, antes de dormir, pensei nas asas e liguei para ela sem me importar se o meu irmão ia atender ou não. Ele era um bom marido, mas cometia o mesmo erro de todos os outros. A vagina só era atraente sob condições normais de ovulação. O inchaço não era interessante a ele e ao resto de imbecis que por nove meses possuíam um universo de sensualidade sendo totalmente desperdiçado e abandonado aos restos. Quanta hipocrisia, pelo amor de Deus. E foi ele quem atendeu o telefone. Minha esposa já reluzia na cama dopada com seus tranqüilizantes habituais; ao longo de nossos anos de casados, ela não pudera engravidar por diversos problemas, e aquilo fazia sofrer. Esse era o motivo de minha indiferença e de sua mediocridade de Gweneviere descarnada.
- Sou eu.
- Oi, que há de novo? - a casualidade da mesmice morria na sua voz abafada.
- Acho que nada, tive um dia meio chato. Fiz um pássaro empalhado para a sua mulher, você viu? Acho que vai combinar no quarto do bebê.
- Ah, eu vi. Acho que foi um dos melhores que você fez. Parece até vivo.
Risadas. Sorrisos, estrelas.
- Diga para ela guardar em lugar arejado, sem poeira ou umidade, para não usar conservant...
- Ah, espera. Fala você mesmo, eu nunca aprendi isso direito.
Algumas minutos perdidos, até eu escutar a respiração dela do outro lado.
- Alo.
- Surpresa. Só queria dar boa noite.
- Sei...
- A gente transa de novo amanhã?
- Tenho sim. Pode deixar.
- Você fingindo assim me deixa excitado.
- Eu também. Vou guardar no armário do banheiro.
- Então está bem. Acho que não dá para falar mais. Fica com meu coração aí na sua mão. Beijo.
- Até mais, eu vou cuidar do pássaro direitinho...clic.
A dissimulação inerente permanecia até no estado de gravidez. Eu queria provar do leite dela naquele momento. Fui dormir sem conseguir tirar idéias bobas de minha cabeça, sobre amores despedaçados e mentiras fraternais. Sonhei que, enquanto copulávamos, a bolsa de rompia, mas nem assim parávamos. Antes que o sonho se acabasse, o despertador tocou; lembrei daquilo até ver o rosto dela mais uma vez. Minha esposa ainda dormia, perdida na sua terra de fadas, lacônica como sempre foi. Antes de sair para trabalhar, dei o tradicional beijo em sua testa, tão rotineiro quanto nosso sexo de toda quinta-feira a noite, depois da novela; nunca quis nada de mal para ela, a culpa não era de seu útero nem de suas glândulas. Aconteceu, simplesmente.
Mantivemos toda aquela farsa durante os meses seguintes, sob o nariz de meu desastrado irmão e além da depressão da minha mulher. A barriga do meu amor crescia como um sonho. Quase todo dia, no suposto passeio terapêutico dela e nas minhas horas de almoço do trabalho, nos encontrávamos para o interlúdio. E em uma sexta-feira, ao longo dos oito meses de gestação, ela recusou pela primeira vez um afago meu.
- Não agüento mais. Temos que resolver isso.
- Eu te amo.
- Eu também. Mas temos que resolver isso.
Silêncio.
- Eu...eu não sei o que fazer. Se eu deixar minha mulher, acho que ela se mata. Sou o último elo na corrente dela.
- Eu não amo seu irmão, ele me trai, ele é um idiota safado, mulherengo.
- Não podemos sofrer por causa disso...mas temos que pensar em nossos...
- Mata teu irmão, mata meu marido. Vamos forjar tudo direitinho, a gente coloca a culpa na sua mulher.
Eu continuei a escutar, mas prendi o vômito.
- Eles poderiam ser amantes. Ela ia para um sanatório provavelmente, já que vive doente. Eu sei, eu também gosto dela, mas são as nossas vidas. As nossas vidas e a de meu filho, que vai ser seu. Estão estragando nosso rumo...pensa. Pensa nos momentos que a gente teve junto.
Pensei.
Antes de me manifestar, deslizei os olhos até a barriga, passando pelos seios, por cima do vestido fino e lindo. Tudo o que eu queria era que o colo do útero dela fosse costurado, e o bebê continuasse em simbiose ali dentro, para a nossa felicidade eterna; um empalhe. Tudo sai um dia.
- Está bem. Diga como vai ser.
Planejamos por uma semana todos os detalhes, forjando cada parte da trama de paixões. Não seria nada pessoal contra meu irmão; apenas a mulher dele em meus braços. Durante esse meio tempo, lembrei de minha mulher, toda noite, dopada, sem sexo, sem cor, sem memórias felizes capazes de fazer um sorriso cair em seus lábios, vivendo apenas das noites de quinta. Sangrei calado, concentrando-me no que viria depois, ato por ato. Como a fornicação.
E afinal, o maior dia da minha vida.
Seria a noite, depois de um jantar na casa deles. Acabaria com um tiro de meu revólver; minha mulher já chegaria lá para a refeição dopada, como era habitual, e não seria muito difícil colocar a arma na mão dela depois do assassinato. Era só uma questão de conectar os planos aos fatos. Cheguei em casa do trabalho, apenas para me arrumar e partir com a esposa até o local da libertação. Nesse meio tempo, eu não havia tido relações com meu amor; ela negaria enquanto não resolvêssemos o caso.
Entrei, é claro. Algo diferente.
Minha mulher estava na sala, com a televisão ligada, sorrindo sozinha. Os traços se alteraram mortalmente. O mormaço sumira, o cansaço fugira do corpo e vi de novo uma beleza encontrada apenas quando nos casamos.
- Oi. Como foi seu dia.
- O que aconteceu com você? - sorri.
Ela se levantou, um brilho terrível de inconstância. Abraçou-me, como nunca antes.
- Me abraça, amor, me abraça, eu estou grávida, me abraça. Eu te amo, eu te amo.
O anjo mutilado roubou as asas do empalho para voar contra minha miséria. Fiquei amargurado, abraçando-a, guardando-a mais perto de meu coração, envergonhado. Antes de sairmos para a casa de meu irmão, fomos para a cama. Foi diferente, foi violento. Havia um pouco de sangue no lençol, mas ela não se importou e me beijou. Seguimos ao jantar. Tudo seria diferente, mais uma vez.
Fomos recebidos com informalidade; consegui convencer a minha esposa, meu amor para não comentar nada ainda, uma surpresa para outro dia. Enquanto comíamos, meu irmão discutia suas teorias de liberal suburbano sem convencer nem a si mesmo. Sua mulher, ansiosa, ocasionalmente olhava para mim tentando me lembrar de algo que fiz questão de esquecer. Não tardou o fim da reunião banal, coloquei os planos no lixo, indo embora sob as despedidas de curta duração do irmão e da confusão vitimada da gestante. Não me importo.
Na outra noite, antes de sair do trabalho, ela estava encostada no meu carro com sua grande barriga e com o vestido que eu tanto gostava. Não encontrei ódio em seu olhar, mas decepção com um pouco de desprezo.
- Covarde.
Não respondi. Eu não sou covarde.
- Você não me ama.
- Entra no carro, vamos dar uma volta.
- Você não gosta de mim, prefere a sua doida depressiva. O que você deu para ela ontem a noite? Trocou as pilhas?
- Entra no carro.
Seguimos até o parque em que nos encontrávamos; parei o veículo, mas ficamos ali dentro. Durante todo o trajeto, não houveram palavras.
- O que você vai me dizer? Que estava enganado quando quis passar esse tempo todo trepando comigo?
- A minha mulher está grávida. Fez exames e está grávida. Eu não gosto mais de você, estamos livres um do outro.
Finalmente, ódio.
- Cachorro, viado desgraçado. Você se aproveitou de mim esse tempo todo e faz isso? Sua mulher está grávida? Você vai me trocar por ela dessa maneira?
- Eu não te troquei por ela. Você entrou na minha vida como uma paixão a parte.
Frio. Comecei a entender o que acontecia com elas. Era como se uma borboleta linda de repente voltasse a ser larva. A barriga era as asas, e a larva menstruava a cada malditos vinte e oito dias. Meu interesse pela mulher de meu irmão fora esterilizado por meus dedos: inconscientemente, eu sabia que ela voltaria a ser a lagarta escura, e que não a suportaria fácil. E minha mulher, meu amor se tornava uma borboleta.
- Sabe o que eu vou fazer, seu desgraçado, tarado safado? Eu vou dizer a seu irmão. - lágrimas. Se ele não fizer nada, eu mato a vadia da tua mulher. É isso, eu mato, e você não vai comer mais grávida nenhuma.
Com uma mão, eu encontrei o pescoço dela. Com a outra, calei a boca; houve reação, mas inútil. Era minha vida. Senti a sua traquéia sendo esmagada como as vísceras das aves que eu empalhava por lazer. Gritos ou sussurros foram dispensados no meu momento de decadência. Ela cedeu e a bolsa estourou, em pouco menos de nove segundos...em meses, o equivalente de seu tempo de gestação. Conduzi meu carro de volta até onde o dela estava, próximo a meu trabalho; o escuro ajudou-me a carregar o corpo para dentro e guiar até um barranco, porém escorreguei nos líquidos que vazavam de sua vagina e emplastavam o chão; não houve ferimentos, sorte. Simulei instintivamente a fatalidade, com a ajuda de um tijolo no acelerador e ela no lugar do motorista. Graças a Deus, teimara em continuar dirigindo por todo esse tempo. Afinal, para que serve um carro? Despencou, e antes de chegar lá embaixo, ouvi um grito; ainda vivia. Explodiu, ardeu em chamas. Observei por instantes sozinho a tragédia, e derramei algumas lágrimas, só. De volta para a minha casa, sem lembrar do feto em minuto algum. Queimem.
Não tardou, veio a notícia. Meu irmão ficou arruinado, arrasado. Consolamos por algumas semanas, eu e meu amor. As sobras do acidente foram mínimas: pedaços do vestido fino não devorados pelo fogo, e uma pulseira de ouro retorcida. O marido destruído viajou para outro estado, depois de um tempo, e não tenho mais notícias dele.
A barriga de meu amor crescia. Linda, cheirosa, com os seios crescendo e os olhos brilhando, brincado com enxovais e com as muitas aves que empalhei para ela. Tirei fotos, transávamos várias vezes ao dia, celebrávamos os novos tempos. Mês após mês, porém, eu me esquecia de esquecer da larva e da borboleta. Quatro, cinco, seis meses. Chegou o sétimo, e invadiu o oitavo; minha cabeça doía cada vez mais, vendo as asas dela perto do momento do apodrecimento. Atrofiariam e cairiam, de volta a depressão.
Agora eu sei o que devo fazer; as coisas se encaixaram. Não quero o feto, eu quero a mulher, os pés inchados, a pele sedosa nos seios rimados, as vontades estranhas e a sensualidade exótica de mãe mal formada. Eu amo as borboletas, e isso não vai me fazer sofrer mais. Há muita dor nisso tudo. Enquanto ela abre a porta para eu entrar em casa, vindo do trabalho cansado, analiso cada traço dela, patologicamente. As aves empalhadas não saem de minha mente. Nem o anjo mutilado, nem a mulher de meu irmão abortando no fogo, embaixo da sucata do carro; o filho dela grita o meu nome, em algum lugar mórbido, esperando minha vez para a destruição.
- Amor, amor, você chegou. - ela me abraça, beijos no rosto corado, na boca demoradamente, na barriga. Não há mensagens.
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