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cronicas-->No decote do horizonte, vejo o seio da saudade -- 25/08/2004 - 14:28 (Mastrô Figueyra de Athayde) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Seis horas da manhã. Um caminhão Scania 145 pára em frente de casa. O barulho do freio a ar é suficiente para me acordar. Era o meu tio Roberto, o famoso tio Tó. Caminhoneiro de mão cheia, conhecedor das principais estradas do Brasil. Com os olhos ainda remelentos me levanto. Era ano de Copa do Mundo do México, 1986. Com oito anos, aguardava com ansiedade por aquele dia, afinal, era a minha primeira viagem de caminhão. O tio Tó, brincalhão como sempre, não economizou palavras. Ele dizia para todos que eu era o sobrinho preferido (Não sei se o elogio era em função de eu ser, na época, seu único sobrinho. Mas tudo bem, o que vale é a intenção...).
Sem tomar café, apenas um pequeno pedaço de pão em mãos, saio correndo em direção a cabina. Subo meio desajeitado pela escadinha e lá estou dentro do caminhão. Meus pais pedem atenção ao tio Tó, afinal, o melhor caminhoneiro da família é chegado em uma cachaça. Lembro como se fosse hoje. Antes do tio dar partida no truck, ele girou o botão do Motoradio e sintonizou uma rádio sertaneja. Na ponta da agulha a música "A Majestade e o Sábia", cantada por Jair Rodrigues e Chitãozinho e Xororó. Em seguida o motor é acionado. O pé no acelerador faz aumentar a pressão do óleo. É a Scania apresentando o seu cartão de visitas. Antes de partir, o tio ainda tem tempo de recitar um verso, típico dos caminhoneiros: "deixei os estudos por uma profissão, hoje vivo chorando nas garras de um caminhão". Depois de um tempo compreendi o que ele havia dito. O tio estudou até a 4ª série e todas as suas tristezas foram vividas dentro da boleia, uma vida sofrida como todos os trabalhadores das estradas.
De volta a viagem, em poucas marchas, já estávamos entrando no Km 113 da rodovia Anhanguera, sentido capital interior. Tudo era novidade para mim. O vento batia no rosto, assim como os primeiros raios solares. Acreditava que quando ficasse adulto eu seria também um caminhoneiro, afinal, a família tá cheia de profissionais do volante. Hoje desconfio que a tradição de ser caminhoneiro não deu muito certo comigo. De volta para a estrada, a velocidade do truck aumentava com as trocas das marchas. Em certo momento percebi que após dois quilómetros, mesmo com a pista livre, o tio começou a reduzir. O vento já não batia no meu rosto com a mesma intensidade. Em seguida ele entrou pelo acostamento e bicou o caminhão em uma empresa fabricante de telhas e caixas d´água. Fim da linha. O tio Tó me olha sorrindo e diz sem cerimónia: "Chegamos!". Putz! Não acreditei!!. A minha primeira viagem de caminhão se resumiu a um percurso de menos de três quilómetros. "Vou ser azarado assim em outro lugar!", comentei comigo em meus pensamentos. O tio desceu do caminhão e foi até a portaria. Ao retornar ele me deu uma segunda má notícia: "Você é criança e não pode entrar na empresa. Vai ter que esperar o tio na portaria!". Putz! Que droga de novo!! Mesmo a contragosto desci do caminhão e me sentei no banco da portaria. O tio Tó entrou com a Scania na empresa e eu fiquei de olho na rodovia. A cada caminhão que cortava a estrada, percebi que existia uma frase diferente no pára-choque. Passei a prestar atenção, como forma de passatempo. Eram umas frases engraçadas. Fiz questão de anotar algumas em um pedaço de papel onde estava embrulhado o meu lanche.
Se pinga fosse fortificante, o Brasil estava cheio de gigante; Ela casou com o pão pensando no salame; Se ferradura desse sorte, cavalo não puxava carroça; A mata é virgem porque o vento é fresco; Se for para morrer de batida, que seja de limão; Quando a galinha é boa o pinto cresce; entre outras raridades que anotei. Passado mais de uma hora e sem papel para anotar mais frases de caminhão, eis que o truck retorna para a portaria. Entro novamente no caminhão e partimos para a estrada. Menos de 20 minutos já estava eu em casa. Meu tio, atrasado, nem entra para tomar um café. Ele tem que partir para o Rio de Janeiro, onde encararia mais de 500 quilómetros de Via Dutra. Para o Rio, ele prometeu que me levaria em outra oportunidade. O tio disse que eu era muito jovem e que a viagem era desgastante. Mesmo um pouco frustrado, a pequena aventura de caminhão foi fantástica, tanto que passado quase duas décadas, se mantém viva até hoje em minha memória. Percebi que tudo aquilo que vivi refletiria no futuro em uma simples frase cravada no pára-choque do caminhão do tio Tó - plantei amor, nasceu saudade. Que saudade do tempo de criança e da primeira viagem de caminhão.
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