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Contos-->A Realidade & As Metáforas Literárias De Dino Buzzatti -- 03/11/2006 - 02:12 (Sereno Hopefaith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Número do Registro de Direito Autoral:130951918798398300
No dizer de Paul Klee, a arte torna o invisível, visível. Num momento em que a ficção européia estava concentrada nos temas do neo-realismo, Dino Buzzati era uma espécie de escritor “outsider” com suas histórias alegóricas e fantásticas. Foi esnobado pela crítica italiana, mesmo quando seu romance mais notável “O Deserto dos Tártaros”, em 1940, estava sendo traduzido para diversas línguas.

Hoje, esse romance é considerado um clássico da literatura. Nele, a narração literária se concentra nas atividades de um quartel de fronteira, onde a vida dos militares é retratada como sendo a de pessoas que não têm como valorizar seus sentimentos. Seus habitantes não possuem emoções, ou têm medo de mostrá-las. Suas vidas são mecânicas e vazias como a paisagem desolada do deserto que os cerca: O “Deserto dos Tártaros”.

A narração do romance é desenvolvida como se fosse uma ampla reportagem de um lugar ermo, sem função objetiva. Nada acontece. Os oficiais e soldados estão ali para vigiar o horizonte despovoado, o lugar solitário. O investimento militar foi efetuado para satisfazer a mentalidade paranóica do exército de um país que tinha medo de ser invadido pelos tártaros. Mesmo sem nunca ter havido nenhuma evidência de que tal invasão poderia, um dia, acontecer.

A vida dos militares passa. Eles conseguem suas aposentadorias, depois de, quando jovens, tentarem sair, sem conseguir, do lugar aonde os confinaram. O posto militar avançado não tem nenhum sentido, nenhuma utilidade para a defesa do país ou da sociedade.

O nome de um dos livros de contos deste autor, “As Montanhas são Proibidas”, é metáfora da percepção sutil, estimulada, suponho, por uma compreensão em profundidade, alcance e atualidade, dos fatos mais rotineiros da vida das pessoas. Nesses fatos se incluem outros inusitados, excêntricos, que permitem uma espécie de alteração repentina da percepção do leitor, dos acontecimentos de bastidores da vida das personagens criadas por Buzzati.

O sentido próprio e o figurado dos sentimentos e emoções das personagens revelam ao leitor um estágio de compreensão intelectual, emocional e espiritual da vida, proibida àqueles que não ousaram a afirmação de uma percepção privilegiada, concedida apenas aos que tiveram a coragem e a audácia de escalar os lugares mais altos, as Montanhas, que permitem uma visão panorâmica, distanciada, do aglomerado da paisagem.

A palavra que qualifica a relação de semelhança entre o trivial da vida delas e a possível superação de suas limitações, As Montanhas, é proibida. Elas estão impedidas de galgar uma percepção mais substancial, mais essencial, de suas vidas. As possibilidades pessoais e coletivas de crescimento estão interditadas para elas. E elas são coagidas a obedecer a lei que as torna embotadas, condenadas à limitação mecânica e rotineira de suas vidas, assim como à insensibilidade.

“As Montanhas são Proibidas”. Os habitantes do lugar estão proibidos de olhar as montanhas. Para eles, residentes da cidade, elas inexistem. A lei que os proíbe de olhar para elas, de se aproximarem delas, rouba-lhes o ânimo, o fôlego, a intrepidez e a audácia. O gosto pela aventura e pela vida.

A vida deles, o presente, o futuro, não inclui o caminho das montanhas. Eles condenam as gerações seguintes, seus descendentes, à obediência da mesma lei que torna as montanhas indiscerníveis e invisíveis a seus olhos. E eles obedecem a lei. Afinal, lei é lei. E os habitantes da cidade aprenderam a ser escravos dela. A caminharem sempre ingenuamente cabisbaixos.

As montanhas enquanto metáforas do aprendizado, do desafio a ser vencido para se chegar ao alto de uma compreensão pertinente ao conhecimento de si mesmo. As montanhas, o âmbito semântico que designa a relação de semelhança entre os seres frágeis e medrosos do sopé, e aqueles que ousam galgar os desafios e perigos para chegar ao alto, e de lá ter uma visão ampla e renovada de suas próprias forças. Do alto das montanhas (do conhecimento) eles, os discentes, os docentes, habitantes da cidade, poderão descobrir o significado dos acontecimentos (das leis) que foram votadas e editadas, visando manterem-nos na sombra dos bastidores da vida, colhendo as sobras do que os que fazem as leis reservaram para eles, e sua descendência.

Não é suficiente o conhecimento em si. Se ele é pertinente no plano pessoal, serve, também e principalmente, à prática do coletivo. É conveniente divulgá-lo. Interagir com as pessoas, a sociedade, para torná-lo público, disseminado. Para isso, alguns pioneiros (docentes, discentes) têm de chegar ao topo da montanha, metáfora da apropriação, pelo pensamento, pelo saber, de uma atribuição mais relevante do conhecimento. “Conhece-te a ti mesmo”. Mas as leis proíbem os habitantes, docentes e discentes, da cidade, de sequer admitirem que as montanhas existem. E a tragédia, pessoal e social, é que eles aceitam essa condição nefasta e infame que a lei lhes impõe.

Os que fazem as leis, e as votam no parlamento, e os que as promulgam, desejam que professores e alunos mantenham um baixo nível de consciência cultural, histórica, social, ideológica, de sua condição de cidadania. Desejam que professores e alunos se contentem em negar a consciência de que as montanhas do conhecimento e da sabedoria existem.

As autoridades que tornaram pública e oficial a lei de que o conhecimento não deve ser ensinado nas universidades (exceto o mais rudimentar), as autoridades responsáveis por uma educação” do faz-de-conta que existe ensino superior, e que ele não é o mais deficiente possível, estão negando à sociedade as informação vitais à defesa de sua cidadania, de seus direitos. Estão impedindo os habitantes da cidade de chegar ao topo da Montanha e de obter uma compreensão ativa, inusitada e íntegra, do mundo circundante.

Muitos alpinistas caem e morrem, todos os anos, na tentativa de chegar ao topo das Montanhas mais altas, e de exercitar aquele sentimento de vitória, de conquista de algo que não se revela, de uma essência subjetiva que qualifica um docente a ensinar a seus discentes que a vida precisa de qualidade de percepção, de significado pertinente, para merecer ser vivenciada com dignidade.

Alguma coisa muda profundamente nessas pessoas, as que sabem que as montanhas do conhecimento existem. E não aceitam as leis que as proíbem de vê-las, estudá-las, cultivar o conhecimento. Elas conseguem mostrar a si mesmas que foram mais longe, que conseguiram obter uma compreensão mais desperta da paisagem humana, exterior e interna.

Os professores e alunos das instituições educacionais desse país estão proibidos de ver que as montanhas existem. As autoridades políticas fizeram leis que não privilegiam a aquisição do conhecimento, do saber, da qualidade de vida. Promulgaram leis que não incentivam a defesa dos direitos das pessoas à cidadania mais elementar.

As autoridades responsáveis pela educação e cultura nesse país estão empenhadas em fazer as pessoas acreditarem, inclusive os discentes e docentes das instituições ditas educacionais, que as montanhas do conhecimento não existem.

Essa é uma crença contrária à razão e ao bom senso. Mas essas autoridades a disseminam, afirmando o absurdo dessa inverdade. E não há punição social para elas, autoridades, por que elas é quem detêm o poder de punir.

As autoridades políticas querem fazer as pessoas aceitar que, nem o sopé das montanhas do conhecimento deve sequer ser visualizado por elas. E desta forma elas, as autoridades que fazem as leis e as promulgam, comprometem o presente e o futuro do país, entregando-o a todo oportunista especialista em narcotráfico, em prostituição, em micarinas e programas de tvvisão do mais baixo nível. Entregando o futuro de uma nação aos que têm interesse em fazer valer as leis que proíbem as pessoas de ter acesso ao conhecimento e atingir estágios mais altos de defesa da cidadania.

Sem conhecimento pertinente nunca haverá qualidade pessoal e social de vida disseminada pela população. O jornalismo, por vezes, tem muito a ver com esse tipo de perigo. Assim como os alpinistas morrem na tentativa de chegar à parte mais alta da Montanha, muitos jornalistas também morrem quando tentam chegar ao topo dos acontecimentos que investigam. O assassinato do repórter Tim Lopes da Rede Globo, entre dezenas de outros, é exemplo a considerar.

Atualmente existem 120 repórteres em todo o mundo, em situação de cárcere privado, alguns ameaçados de morte por seus carcereiros. Há muitos inimigos, naturais e forjados, no caminho daqueles que querem subir mais alto a Montanha. Foi numa delas que Moisés recebeu diretamente, da própria divindade maior, os famosos e esquecidos Dez Mandamentos.

Buzzati afirma num de seus contos, “O Sótão”, no livro mencionado, que um homem propenso ao comportamento moral é igual a outro qualquer, capaz de reconhecer a face do perigo, e é, grande parte das vezes, pouco capaz de defender-se. E os perigos dos que querem chegar ao topo da Montanha são imprevisíveis, tal como as massas de neve e gelo que desmoronam violentamente montanha abaixo, conseqüência da erosão pelo calor.

Há muita covardia no homem. Ele prefere o conforto e a vida sedentária, a comodidade da poltrona da sala de jantar, a arriscar-se no caminho, por vezes perigoso, através do qual poderá atingir o topo de suas melhores percepções, de seus melhores objetivos.

A maioria mantém o medo de sair do certo e do confortável. A grande quantidade das pessoas não querem correr os riscos de vencer os inimigos naturais do desenvolvimento. Não ousam chegar mais perto de uma visão mais ampla e panorâmica dos melhores sentimentos e emoções da vida, pessoal e coletiva.

Os que fazem as leis que proíbem as pessoas de agir em direção à realização de suas melhores potencialidades (fornecendo-lhes um ensino sem educação, um simulacro de aprendizado), querem uma sociedade sem consciência de cidadania.

Os políticos executivos e seus parlamentares estão vencendo, submergindo a sociedade numa montanha de violência, ultraviolência, delitos, atividades diárias as mais funestas, medos e terrores, que se amontoam todos os dias em suas mentes cada vez mais fracas e indefesas, via noticiários tvvisivos.

As autoridades que proibem o acesso às montanhas são as mesmas que promovem o constrangimentos físico e moral da população. A luxúria, o deboche, a criminalidade impune. Para que as transferências de verbas públicas para suas contas bancárias continuem impunes.

Este desejo de chegar ao topo da Montanha talvez principie ao se nascer, e nunca seja suficientemente motivado. Quase que a totalidade das pessoas se dedicam à permanência em seus nichos mais confortáveis. Não desejam arriscar nada do pouco que conseguiram. Mesmo sabendo que tudo que têm a arriscar é uma vida gordurenta, sentada, rotineira e sedentária.

Tentar escapar da pestilência passiva da normalidade ilusória da vida, dos costumes das pessoas da sala de jantar: este é o desafio. Para essas pessoas “As Montanhas São Proibidas”. Elas nasceram para serem curadores de museus. A vida em seus estágios perceptivos mais intensos de força própria, de sentimentos menos superficiais e mais profundos, é proibida. E aceitam passivamente essa proibição. Como se confirmando a aceitação das leis que as proíbem de sair das sombras da Caverna de Platão.

O pequeno burguês, e o burguês, estão seduzidos pela vida sedentária, pelas fixações de praxe, pelas necessidades que nunca lhes proporcionarão um júbilo acima daquela satisfação dos que ficam sempre no sopé da Montanha. Proibidas de olhar para o alto. Não há garantias de segurança para ninguém que deseje ir mais longe na auto-afirmação de ousar chegar a um nicho menos trivial da habitual vida em comum.

A confiança nas próprias forças jamais deve desaparecer naquele peregrino que intui que o pensamento e a vida burguesas são produtos da tradição mais irracional da vida armazenada, regrada, prevista. O conhecimento mais intenso e pertinente da vida, não se encontra configurado numa linguagem de milhares de palavras que não dizem muita coisa mais do que Uga-Uga.

“As Montanhas são Proibidas” para todos. Inclusive para os que não reconhecem que há uma certa dignidade, insubstituível, naqueles que buscam alcançar uma mais adequada visão veemente, biográfica, da vida. Eles são interditados, considerados ilegítimos em suas pretensões.

As leis favorecem os inimigos interiores, obscuros, que querem a todos estabelecidos passivamente, usando o mesmo tipo de linguagem que, de há tanto tempo ancestral, resultou nesse “humanismo” atual de domínio da necessidade coletiva, pela vulgarização do medo, do terror social. As cidades estão plenas de medo, dentro e fora das casas e dos apartamentos. É uma situação social “pra lamentar”.

Transcrevo alguns parágrafos do conto que fornece nome ao livro “As Montanhas são Proibidas”: “Uma lei proíbe expressamente prestar atenção nas montanhas: Não se pode subi-las nem falar sobre elas, nem olhá-las...Por que elas estão sempre lá, do lado do setentrião, dominando dia e noite a cidade com seu esplendor.”

“Um forasteiro chega e pergunta qual o nome da Montanha. Os aldeões repondem com um sorriso cortês, olhando para o chão: Desculpe-nos senhor, não sabemos de nada, não conhecemos bem. E olharam em volta, suspeitosos de algum espião.”

“Preferimos não contemplá-las, agora. Com um pouco de boa vontade, a gente pode até habituar-se a isso, para não desagradar a quem nos governa. É como se elas não existissem mais. Como se existissem excluídas dos acontecimentos da vida cotidiana. De quando em quando alguma olhadela as roça, e imediatamente baixamos os olhos por prudência, buscando de imediato esquecer. Estarão límpidas e envoltas em nuvens, cobertas de neve ou calcinadas pelo sol, quem é que pode agora dizer? Não queremos nem saber, tamanha é a reverência pelas leis (que nós não podemos compreender, mas que decerto são feitas para o nosso bem e o dos nossos filhos).”

“Um cidadão, com hábeis pretextos que nada tinham a ver com a proibição, mandou murar as janelas de sua casa que dão para o Norte, a fim de não se sentir tentado. E agora vive mais tranqüilamente, convertido em exemplo. Uma a uma, as sombrias arcadas voltadas para o setentrião, se fecharam. Nos aposentos escuros as crianças agora brincam, chocando-se contra as quinas dos armários e chorando de dor de vez em quando.”

“Outro cidadão mandou até construir uma luxuosa carruagem que nunca jamais poderá transitar pelas nossas estradas íngremes. Mas as Montanhas não existem mais, e esta é uma chata planície, no sentido da lei...não é comovente uma tal sujeição à autoridade?”

Que diz você, caro leitor?
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