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Contos-->A História Fantástica do Aposentado Esdras Esfeluntis -- 25/10/2006 - 15:39 (Sereno Hopefaith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Número do Registro de Direito Autoral:130951917231701500
A HISTÓRIA FANTÁSTICA DO APOSENTADO ESDRAS ESFELUNTIS

Tudo começou com uma passeata de aposentados reivindicando reajustes salariais. Esdras Esfeluntis, ex-corretor de túmulos e mausoléus de moderna necrópole, estava na lista para falar numa assembléia de rua, com o apoio do sindicato dos bancários que dirigia a manifestação geral. Esperou sua vez com extrema paciência. Afinal, havia suportado incômodos e infortúnios durante toda a vida, com resignação e tranqüila perseverança.

Não seria agora que a ansiedade por dizer algumas palavras poderia tirá-lo do sério. Quando, afinal, anunciaram seu nome, subiu as escadas até o palanque, pegou o microfone, e o imprevisto discurso ecoou pelas caixas de som, do alto do tablado improvisado na carroceria de um caminhão, na praça central da cidade.

Havia na manifestação dez mil matusaléns, segundo informações da PM, vinte e cinco mil na contagem dos órgãos de imprensa. Os idosos estavam realmente revoltados com a falta de poder aquisitivo de suas aposentadorias, dos salários quase sem dinheiro. Esdras inicia o discurso sob certa expectativa:

— Descobrimos afinal, meus caros amigos, que podemos conseguir algumas coisas quando unidos. Sozinhas, nossas idéias são frágeis folhas de outono conduzidas sem rumo ao sabor do vento.

Quem conhece Esdras não espera ouvir dele nenhuma proposta inusitada. Algumas pessoas de seu conhecimento se perguntavam:

— Por quê, logo ele, pediu a palavra?

— Por que temos de implorar para fazer valer nossos direitos? Por que não são reconhecidos naturalmente? Estamos sempre empenhados em lutar contra injustiças, mentiras e os privilégios de poucos que sentem prazer em nos escravizar.

O discurso ganhou certo interesse na diversificada platéia:

— Mesmo agora, depois de aposentados, temos de vir às ruas clamar pelo mínimo. Por que até o pão, o feijão e o café com leite nos é roubado.

— Aonde está querendo chegar o Esdras, meu Deus do céu”, comenta uma senhora dirigindo-se ao marido.

— Vamos exigir mais, recuperar mais. Muito mais que migalhas materiais. Vamos contestar a injustiça mais vil de todas, aquela que nos lança na sórdida incerteza da mortalidade.

Desta vez ouviram-se sorridentes zombarias abafadas. Risadinhas incontidas, sorrisos amarelos, e interjeições de surpresa, tipo:

— Que quer ele dizer com isto?

— O Esdras pirou?
— Ingeriu quantas doses a mais?

— Ele é mesmo aocoólatra?

— Não compreendem?, emociona-se Esfeluntis, unidos podemos mudar a história, impedir o declínio de nossas vidas. Quem estará contra nós na greve geral contra a morte?

A multidão aplaudiu:

— Chega de morte, diziam alguns.

— Abaixo a sinistra, gritou alguém.

— Queremos viver: viva a vida, disseram outros.

Em dez minutos começaram a aparecer cartazes com slogans nunca vistos antes em movimentos coletivos de ruas e passeatas.

Os meios de comunicação marcaram presença. Fotógrafos, jornalistas curiosos e as câmaras dos jornais tvvisivos mostravam certo interesse. Afinal, aquela estranha intervenção poderia gerar alguns segundos numa reportagem nos jornais noturnos.

A reivindicação, em pouco tempo se tornou nacional. Em alguns dias, global. De Milão, na Itália, surgiu o refrão:

— Mudará, mudará a nossa sorte. Não queremos, não queremos mais a morte.

O protesto ganhou mundo via noticiários. E um “site” na Internet.

Velhinhos que há alguns dias mal podiam andar, dançavam agora, em plena rua, ao som de músicas estilo “trench-town” e “rock pauleira”. Nos hospitais, doentes terminais, levantavam-se como se movidos por inusitada energia, magicamente revitalizados. As farmácias e os abrigos da terceira idade foram perdendo clientes.

A indústria e o comércio de produtos geriátricos faziam promoções com descontos absurdos, de até oitenta por cento no preço dos genéricos, na esperança de terem seus consumidores de volta à caixa registradora.

As empresas funerárias fechavam as portas por falta de clientes. Os quase moribundos saíam dos leitos pedindo uma birita para abrir o apetite, e devoravam iguarias refinadas, ou simplesmente feijoadas, picadinhos à paulista, mãos de vaca, tutus à mineira, angus à baiana, churrascos à gaúcha, ou buchadas de bode, conforme os condicionamentos alimentares regionais.

A morte, flagrada num banco de uma pracinha de subúrbio, de madrugada, procurava, em vão, lê a página dos obituários. Nenhum anúncio de mortos. Dia seguinte a sestra pagou uma agência de publicidade para criar uma mensagem de página inteira, publicada nos principais jornais, cancelando seus ruinosos compromissos por mais trinta dias.

Em São Paulo conhecido político demagogo, para obter votos dos eleitores com mais de setenta anos, prometia em campanha eleitoral, um virtual metrô especial: o fura-avenidas matusalênico, só para os idosos. Enquanto isso, os jovens universitários se mobilizavam no sentido de impedir que “esses malditos cheios de cãs”, prosseguissem impedindo a natureza de cumprir suas determinações naturais.

Alegavam os supostos mancebos, que a população cresceria horrores, não haveria recursos naturais capazes de alimentar toda essa gente ancestral. Os haveres do Estado, em franco processo de escassez, estariam em vias de decretar-se Estado falimentar.

Um programa de debates tvvisivo marcou data para uma mesa redonda com representantes dos dois grupos. Na porta da emissora alguns jovens agitam faixas com dizeres: “Gagás FDP, vão se danar”, “Vão queimar no inferno”, “O capeta está sentindo a falta de vocês”.

Esfeluntis, meio desanimado, tentava levantar o moral dos companheiros, que, com suas faixas repetiam os “slogans” contra a Senhora da Foice. Mas aquele pessoal bem vestido, roupas de grife padronizadas, tênis com tríplice palmilhas alcochoadas, alguns visivelmente drogados, outros barbudos, cruéis, bonitinhos, ordinários e malvados, porém impetuosamente jovens, queriam as coisas como sempre foram. Eles acusavam os assalariados de pretenderem esvaziar os recursos públicos com o pagamento prolongado de suas aposentadorias, e de inflacionarem o mercado de trabalho. Eram moços, tais mudanças entravam em conflito com seus interesses no mercado inflacionado de carência de ofertas de trabalho.

A Ceifeira aproxima-se, curiosa da movimentação, pairando a alguns metros do solo. Esfeluntis, chamando-a respeitosamente de Senhora, estende-lhe os braços enquanto abre caminho em meio ao grupo de estudantes.

Aproximando-se dela, pede:

— Por favor, leve-me daqui.

Nesse momento a Aziaga estende o braço esquerdo, e o corpo de Esdras parece, aos olhos estupefatos dos presentes, esticar-se em direção a ela, como se fosse elástico. Logo depois distanciou-se, sumindo numa luminosa esteira em direção às estrelas. A vida, os sonhos, a carne ilusória da rotina: Tudo voltou ao hábito condicionado da normalidade. Ao procedimento habitual.

Pouco depois, uma senhora sexagenária, com ares de simulada preocupação, comenta com um senhor ao lado, provavelmente o marido:

— Mudar alguma coisa nesse mundo, é mesmo muito difícil.
Ao que o cidadão em resposta, pergunta:
— Meu Deus, aonde estará o Esdras agora?
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