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Contos-->Biointeratividade Cybervirtual -- 25/10/2006 - 12:02 (Sereno Hopefaith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Número do Registro de Direito Autoral:130951920028233800
Na Internete promovo o acesso ao jogo Urna Grega. Longe do fanatismo dos gamemaníacos, jogar fica para quando tiver tempo hábil: no momento, basta visualizar as promessas de multinteração da novíssima realidade virtual. Uma semana depois, domingo, quando os canais livres de TV oferecem apenas atrações para pessoas com oitenta pontos de Q.I., insiro o game no “drive”. Surge no monitor uma caixa branca, longilínea, com dezenas de incrustações hieroglíficas. Que contém? Ao tentar abri-la, que poderá sair dela? um bebê fossilizado, um anão quadrado, um astronauta alienígena, uma virgem calipígia? Os clic-cliques da seta do mouse em vários pontos da Urna, despertam ruídos em off. Eles aumentam gradativamente o suspense do jogo. Zigzunidos se fazem ouvir, toda vez que as tentativas de abri-la fracassam. A movimentação no interior da caixa aumenta, sugerindo uma inquietação feroz, cada vez mais intensa, de pequenos seres, talvez insetos, que se torna mais e mais prenúncio de algum malefício iminente. Ameaças zigzunem dentro da arca, num imperativo cada vez mais impertinente, como se algum infortúnio tivesse prestes a libertar-se. Dez minutos, a sinistra reverberação dos sons, começa a agir em meu corpo, como se os ossos fossem caixa de ressonância. A cisma dos sons tornando-se insuportável. A tendência do viciado em games é assoberbar-se, toda vez que vence as dificuldades de seguir em frente no passatempo. Infantilmente enche-se de ingênuo orgulho de intelectualismo, quando consegue uma penetração mais a fundo no desvendamento dos macetes do divertimento. Tio Freud explica. A atmosfera sombria cria intensa expectativa, chega ao incômodo de causar tensões, atemorizar o jogador. Nem sei definir exatamente se os fenômenos acústicos vêm de dentro da mala, ou se estão sendo produzidos a partir de uma interação de ondas sonoras que se propaga a partir de meu interior. Miríades de movimentações velozes, aumentam de maneira insuportável os impactos. As coisas chocam-se com agressividade no interior da urna, fragilizando a resistência do material com grande inquietação. As colisões enfurecidas dos supostos insetos não tardam romper as paredes da caixa. Fico atento, tentando achar o toque da seta do mouse no nicho propício que permita franquear a tampa, abrir a fechadura, conduzir aquelas coisas, cheias de feroz irritação, para fora. Desta forma talvez não fiquem tão furiosas, não sejam causa de tanto mal-estar. A força e a velocidade inverossímeis com que os impactos se repetem, fazem-me acreditar que estão decididos, os insetos dentro do receptáculo, a saírem rompendo, não apenas com os fibras da caixa. Conseguirão talvez, ultrapassar o vidro do monitor e o outro, de proteção da luminosidade da tela. A tensão chega ao limite: o efeito acústico a provocar no psiquismo, a ressonância de timbres indistintos, como sílabas incompreensíveis, em contato com o labirinto membranoso do ouvido interno. A vibração atinge o sistema nervoso central, nalgum nicho inconsciente. Oscila numa freqüência de intensidade igual à perturbação da onda sonora do enigma da caixa. Essa droga de game deve estar com defeito. Quero criar uma argumentação racional para desligar a artimanha, não há como. O jeito é sair fora do micro, do quarto, da sala, do ap. Não, não, definitivamente, não vou desligar o micro. As reações neurais deste jogo não vão conseguir fazer-me sair do sério. O que quer que esteja prestes a libertar-se da cripta, é apenas truque, ilusão de ótica, realidade virtual. “Take it easy”, essa tensão exacerbada não se justifica racionalmente. Esses brinquedos virtuais estão ficando cada vez mais excessivamente interativos. Se é apenas isso, técnica, então por que esta sensação de que seu conteúdo vai liberar alguma estranha malignidade, proveniente, talvez, dos subterrâneos templos milenares de Mênfis? Faz-se ouvir outra vez tênue sinal sonoro. Não sei exatamente discernir donde vem esse aviso inconsciente, essa advertência. Ela previne a proximidade da admoestação, uma adversidade há muito rejeitada pela humanidade, que, com a tecnologia, encontrou maneira de semear-se traiçoeiramente, disseminar-se, uma praga infecto-contagiosa, eletromagnética, radioativa, vetusta. Droga, não há maneira de parar com isto. Essas microexistências mal-assombradas estão conseguindo seus intentos. Abrem-se na caixa, após grandes, velozes e insistentes choques, orifícios quase microscópicos, da espessura de agulhas finas. Inserem-se, através deles, minúsculos tentáculos, ferrões, não consigo identificar ao certo, serão olhos? que coisas repugnantes são essas? Espio das frestas para dentro, tudo escuro negro, negro escuro, turvo, sombrio. Quinze segundos suficientes: pequenas finas linhas saltam dos orifícios até a superfície da tela do monitor, obscurecendo-a nalguns pontos. As coisas expandem-se, incham para os lados. As três linhas de seis insetos, como dizer, incestuosos?, de um total de dezoito, ganham nitidez. Malditas abelhas maníacas, três grupos de seis, desgraçadas. Todos estes efeitos, esses recursos da tecnologia virtual, surpreendentes. Os gamemaníacos, exigentes de altas doses virtuais de personagens que interagem em altos picos de ultraviolência, estão sempre atrás de mais novidades no gênero, em busca da supostamente impossível overdose. As leis do mercado, aumentam, incondicionalmente, as distorções, os fanatismos das personagens em jogo. Essa novidade são demais, como o game “Doom”. Este fará a cabeça de milhões de consumidores por muito tempo. Súbito, cessam as oscilações sonoras. As abelhas, sim, são mesmo abelhas, parecem estar olhando-me. Silêncio, a parte frontal dos corpos pousadas do outro lado da superfície transparente do monitor, perscrutam. Fisicamente estão frente a meus olhos, em franca atividade de mútuo reconhecimento, dezoito pares de olhos fixos em meu olhar. Um silêncio mórbido se faz ouvir. Mostram-se extremamente curiosas, como seres pasmados com a presença de outro, de outra espécie, do outro lado do vidro, habitante do universo paralelo dos humanos. Só faltava essa: depois dos doze macacos do filme de ficção, agora essas dezoito estranhas abelhas virtuais. Por que sinto-me ameaçado? São apenas insetos. A repetição dos zigzungzunidos anteriormente emitidos por elas, o pulso magnético dos timbres, ecoa no interior da caixa craniana. O zigzungzunido faz-me zonzo, a mente humana não foi criada para viver simultaneamente em diferentes dimensões. Não consigo ser abelha e simultaneamente humano. Estressante estar olhando esses insetos exteriorizando uma espécie de pulsão para investigar-me, que se traduz nos movimentos bruscos da parte frontal, anterior dos corpos, tamanho natural, roçando no vidro do monitor, como se querendo ultrapassá-lo. São dezoito abelhas-rainhas? impossível. Não, com certeza uma delas é a abelha-mestra. A curiosidade tamanha, tenho a impressão de que estão a conseguir ultrapassar a superfície diáfana, a espessura do vidro do monitor, em minha direção. Não, incrível, não é apenas distorção dos sentidos: através de pequenos impulsos, quase microscópicos, estão a conseguir, não sei como, dispersar as moléculas dos corpos, fazendo-as fundirem-se com as do vidro do monitor. Após sumirem, aparentemente, por segundos, tornam a materializarem-se do lado de cá do vidro. De jeito nenhum, não pode estar acontecendo, ilusão, ilusão visual. Ilusão virtual. Impressionante. É como ter acesso ao contato com um bioorganismo materializável via Internet, com, talvez, perigosas implicações potenciais. Suspendo a sustentação do vidro de proteção frente ao monitor, aproximo a palma da mão dos insetos, esmago contra o vidro três abelhas que haviam se projetado para fora. Olho para a palma da mão, a epiderme sendo penetrada da mesma forma que o vidro da telinha: As moléculas das abelhas se dispersam, tornando-se, súbito, transparentes, ampliam-se para todos os lados, envolvem parte dos dedos, mergulham na epiderme, somem para dentro do corpo. Outras abelhas saem da tela em direção a meus olhos, minha testa. Tento esmagá-las, inutilmente, contra a pele. Elas desaparecem, adentram-se minhas mãos, após intensa sensação de friozinho de freezer. A luzinha do disco rígido pisca-pisca intermitente, assim como a do drive do disquete. O micro reinicializa por conta própria. O estranhamento da situação faz com que entoe um mantra. O medo deve estar a serviço da vida, do instinto de auto-preservação. O medo que paralisa a vida, o crescimento, não interessa. Não posso ignorar que essa pode ser uma experiência secreta de interação biocybervirtual. Há pelo menos duas décadas não consumo nenhuma droga. Cigarro, nem Souza Cruz. Não há possibilidade de estar sob efeito dalgum delírio. Um psicólogo, ou psiquiatra, não poderia dizer, com propriedade, que sou uma pessoa que não quer saber de lidar com a realidade. Não sou de criar realidades divergentes, exceto ao escrever ficção. Ommanipandimaahum. Pandimanmium. Ommanipandimamhummmmhhhh. Após a leitura dos arquivos e do VirusScan, próprias da reinicialização do micro, tento acessar novamente, com grande esperança, a Urna Grega. O jogo sumiu do disco rígido e do disquete. É como se estivesse programado para se auto-deletar, após atingido o intento de interação, vai saber se apenas virtual, ou bioquímica também. Quem acessou o jogo, uma vez que o tenha jogado, não pode provar juridicamente tê-lo usado. Não se encontra mais no site da Internet donde foi copiado. Agora talvez exista sob outras formas, com outros nomes. Quem o criou, com que finalidade? Que acontecerá com os curiosos que tentaram jogá-lo? Realmente inexistia jeito de abrir a cripta, usando “joy-stick” ou “mouse”. Os toques na caixa serviam apenas para despertar e irritar sobremaneira os insetos. As perguntas ficam sem respostas. Noventa dias depois, finalmente, talvez tenha encontrado uma pista. Ao passar por uma banca de jornal na Paulista, uma manchete exposta para a leitura pública, chama atenção: Gamemaníacos infectados acusam Interne. Ao ler a reportagem nas páginas internas do caderno de Informática, fico sabendo que os ossos das vítimas mudam do branco para o pardacento, entre o amarelo e o castanho. Os pulmões adquirem aparência de alvéolos sanguíneos, como se fossem favos de uma colmeia. O vírus provoca uma reação cerebral semelhante aos infectados por HIV: dezenas e dezenas de casulos ocupam a massa cinzenta, dentro dos quais se acumulam líquens que os médicos denominam provisoriamente de fungos e pólens. Não há medicamento adequado, a nova peste virótica Terceiro Milênio, ainda muito recente. “As pesquisas começaram nos países do primeiro mundo”, anunciam os noticiários informativos das mídias. Médicos otimistas garantem que em dois, no máximo três anos, a ciência terá medicamentos eficazes de combate à pestilência novo século. Novo milênio. Milhares de pessoas agonizam em dezenas de lugares do mundo. Centenas delas dizem ter sido invadidas por abelhas virtuais quando tentavam jogar um game denominado “Insecta”. Outros falam de “Cyberinterchance”. Outrens juram: o nome do tal jogo era “Greek Urn”, terceiros garantem: o game chamava-se “Ballot Box”. Os nomes mudam de país para país, mas os efeitos devastadores do “biocybervirusvirtual” estão afastando muitos gamemaníacos dos sites de jogos da Internet. Pessoalmente estou apavorado. Pelo que sei, os sintomas de respiração difícil, falta de ar, sonhos estranhos, nos quais o sonhador pensa estar a fazer parte de um enxame de abelhas, delirium tremens no qual tornou-se um hospedeiro desses insetos, começam a ocorrer em seis meses. Casseta!, esses malditos (quem?), malucos que criaram as variantes desses jogos, que estão querendo? Há opiniões que garantem a criação do “biocybervirusvirtual” por grandes multinacionais da farmacologia. Há boatos de que disseminaram o vírus on line, através da rede, uma vez que estão a anunciar, para breve, uma forma hipotética de cura. Não é argumento meramente especulativo, desde que, um laboratório nos EUA, após curto período de pesquisa, passa à produção e comercialização para os Ministérios da Saúde globalizados, dos medicamentos de alto custo que minoram os efeitos físicos devastadores do vírus. É mercado anual para bilhões de dólares. Investir em infectados, uma mina de ouro. A mitológica metáfora da Caixa de Pandora cibernética, contendo pesares e desgraças, está aberta. Na mitologia grega, criada por Hefesto, a pedido de Zeus, equipada com todos os dons sedutores, Pandora foi a primeira mulher da Terra, a primeira abelha-rainha, versão posterior da antiquíssima deusa-Terra: A que tudo doa, a rica em dons. Milhões de pessoas emocionalmente castradas em todo o planeta, sentindo-se rejeitadas pela própria mama, substituíram mamãe biológica pela grande prostituta, a Pandora cibernética globalizada, atual “máter” dos micromaníacos. Herdeiros do centenário tio Freud, vão alegar, talvez, que esta narrativa é produto de imagens recorrentes do complexo de castração. Ou da vontade reprimida de fundir-se com a mãe, para querer o que ela quer, desejar seus desejos, mesmo que o que ela quer e deseje seja a extinção da raça humana como se a conhece hoje. Alguma mente condicionada à interpretações a tio Freud, dirá: “Na impossibilidade de voltar ao útero materno, mama vem habitar em mim”. Ou ainda: que a figura virtual da abelha-mãe, que se constrói dentro de milhares de corpos, caixas funerárias ambulantes, é representação da vontade do filho unir-se à Pandora, mãe primeira, mitocondrial. Alguns profissionais da psicanálise nunca vão libertarem-se dessas simplificações e reducionismos freudianos? Muitos psicanalistas movem-se por impulsos à Pavlov. Quando lêem um conto, poesia, romance, novela, uma página de diário, um ensaio, começam logo a babar interpretações freudistas, como se a luzinha vermelha dos automatismos interpretativos tivesse acesa. Que dizem eles da nova madrasta da desumanidade: a supostamente democrática e “supermother” globalizada, mama Internet Pandora? Ela tudo doa, faz com que as rotinas mudem para que as rotinas fiquem tão mais iguais. A cultura dos fogos fátuos pós-neo-modernos se estabeleceu. Mama Pandora continua a colheita milenar, de dentro pra fora de cada larbirinto. Os infectados, livres do tempo, unidos em apenas um rosto humano, crêem-se filhos dela, da mãe Terra, e simultaneamente do espaço exterior. Dizem Ter, pôr vezes, a estranha sensação de estarem nascendo e morrendo, de flutuarem entre o feto e o estertor, a criança e o idoso, ao mesmo tempo que percorrem a grande e complexa variedade da humana experiência. Todos os pensamentos, corpos, espíritos, pretérito, presente, futuro, nunca foram ou serão capazes de criar algo mais que banalidades? Garantem: ser humano é apenas isso: simples, comum e fugaz impressão de fugaz perenidade. Esses clic-cliques despertam-nos das trevas do interior desse sarcófago, escuro, escuro, negro, negro, silente, sombrio como o interior de uma cripta. Estes clic-cliques encolerizam, exasperam. Esse medo de fundo do poço se perde na ancestralidade, os faz ferozes, cegos, implacáveis, destinados a cumprir a sina, desesperada, apocalíptico fado, de libertarem-se de todas as profecias, de todos os possíveis e imposssíveis sonhos, memórias e projeções de realidades antepassadas. Tudo que querem agora é sair dessa cripta, fazer a próxima vítima.
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