O último feriado poderia ter sido melhor. Mas o diabo do plantão não me permitiu juntar as tralhas, pór o pé na estrada e descansar, sem compromissos, numa pousada no sul de Minas. Se o Itamar permitisse, é claro! A propósito, fico meio cabreiro de cruzar a fronteira dos dois estados. Nunca sei do que o ex-presidente é capaz. O FHC é carioca. Mas construiu sua carreira política em São Paulo. Vai que o topetudo mande as tropas pra cima dos turistas paulistas em território mineiro? Esquece. Não era disso que queria falar. Não viajei. Fiquei encarregado de levar meu Lucas para cortar o cabelo. Eu ainda me considero da antiga - daqueles que cortam o cabelo em barbeiro. Só que a patroa acha que o velho Pedro faz cortes antiquados. Insistiu que levasse o caçula ao salão da Vera, sua amiga de escola.
Considero-me um cara sem preconceitos. Tenho amigos brancos, negros, japoneses, homossexuais e palmeirenses. Também tenho excelentes amigas. Mas que as mulheres têm um jeito peculiar, isso não dá pra negar. Enquanto a cabelereira manuseava a máquina de "tosar", tratei de sentar confortavelmente na poltrona de couro sintético e não olhar para as pernas bem torneadas da moça que fazia a unha dos pés. Fiquei procurando uma revista entre as pilhas da mesinha central. Não tinha de atualidades. Nem de carro ou de futebol. Contentei-me com uma daquelas revistas típicas femininas que têm matérias sobre moda, decoração e comportamento. Entenda-se por comportamento, sexo. Posições, estilos, fantasias, técnicas e tudo mais que o assunto render. Ainda bem que achei uma seção de cinema - embora o exemplar estivesse defasado em mais de um ano em relação aos lançamentos de filmes recentes. Mas foi impossível ficar incólume aos comentários das senhoras e senhoritas.
- O piercing me deu alergia... - disse uma das moças.
Contou o porquê de tê-lo colocado, a cor dos cabelos do cidadão que fez a micro-cirurgia, a série de recomendações do cirurgião e a quantidade de estrias que a sua ajudante possuía. Pouco tempo depois, uma senhora elegante entrou no salão, cumprimentando a todos com sua voz grave e estridente. Chegou comentando sua última viagem à Caraguá. Disse ter passado um apuro tremendo. O carro da filha arriou e as deixou a ver navios em plena Tamoios. Ainda bem que o genro tem negócios em São José e que uns conhecidos correram para socorrê-las.
Voltei a me concentrar na leitura. De vez em quando distraía-me com um ou outro comentário das senhoras. As conversas variavam entre a astúcia dos filhos e a traição das colegas de trabalho. Para o meu espanto, até as olimpíadas foram citadas. "Viu só aquela tenista russa? Dizem que é a musa olímpica... só que tem os peitos caídos!"
Enfim, quando o garoto já estava devidamente depenado, recoloquei a revista no lugar, peguei-o pela mão, paguei o serviço e me dirigi à porta. Ao abri-la, quase dei de cara com o Paulão, meu mecànico. Rapidamente dei meia volta e fingi ter esquecido os cigarros. "Estão no seu bolso" - alertou-me a dona do salão. Dei um sorriso amarelo e me certifiquei que o amigo já tinha passado. Fui saindo devagar e, como um tolo, despedi-me novamente, ainda fazendo cera. A rua estava vazia. Pude ir embora. Já pensou o Paulão me ver ali dentro? Coisa de homem.
