CRUZ DE ESTRADA
Entre Patrocínio de Minas e Santa Luzia dos Barros, aquele que se desvia da estrada e segue pelo caminho que leva à Represa de Nova Ponte mal se dá conta da pequena gruta escondida ao lado, de onde escorre silencioso fio d´água. É diferente naquela paragem a energia que brota do chão, paira no ar e arrepia no vento, convidando ao recolhimento e à prece.
Quando ali passa, o caboclo da região retém o passo, descobre a cabeça e faz o sinal da cruz. Em meio à vegetação carrasquenta, quase colada à gruta, embora comum como as outras dos arredores, uma árvore chama o olhar sem que nada diga por quê. Se o viajante procura, vai encontrar ao pé da árvore uma pequena clareira e nela a insinuação de uma sepultura coberta pela grama rala. Ali, nas raízes que afloram à superfície, tocos de velas dizem das mãos piedosas que vieram orar naquele canto escondido. Qual túmulo pagão, sem mercê da proteção divina, nenhum símbolo religioso, nenhuma cruz aparente, nenhum sinal cristão marca o lugar. Mas tem gente que ali vai rezar, deposita seus votos, roga graças à s dores e aflições e diz que ali está a mais santa das cruzes, somente vista pelos que têm os olhos da fé.
Cortada em madeiro vivo, fincada na terra bruta e banhada de lágrimas, a cruz deitou raízes, soltou ramos, subiu ao céu, se fez planta e floresceu, não deixando de ser cruz e não deixando de ser árvore.
Ajoelhe-se, olhe a árvore e verá na contra-luz o desenho da cruz formado pela galharia forte e radiosa na ramagem em que espalha seus braços... braços estendidos que buscam alcançar alguma coisa maior que a existência. Abraçada pelo cipó florido de São João, a cruz está na árvore, como a árvore está na cruz.
À Ave Maria, a natureza adormecendo, o sol cede lentamente o manto à s filhas da noite. Antes, no último olhar, despede-se da árvore iluminando-a por inteiro e projeta a sombra da cruz na sepultura calada.
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