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Artigos-->As Várias Faces do Medo -- 19/10/2002 - 22:38 (Ivan Guerrini) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Claro que todos tem direito de ter medo. O medo tem, aliás, uma face biológica que, até certo nível, é benéfica. O medo nos protege e prepara o organismo para uma situação não confortável. Mas esse nível biológico não deve ser incentivado em nenhuma situação natural. Assim, os pais que pensam que estão educando bem ao impor medo aos filhos, na verdade, estão limitando-os, castrando-os. É a melhor escola para se ficar doente. O medo biológico de que eles necessitam já vem com a natureza, não sendo necessário ser expandido. Deixar de fazer algo por medo, não é natural. Como, por exemplo, se alguém deixa de fazer algo “ruim” por medo, não tem valor de verdadeira aprendizagem. A punição e o castigo como regras, estão na raiz de um antigo e conservador método de ensino, infelizmente ainda muito presente em nossas escolas e igrejas. Quando as religiões cristãs assim ensinam sobre o pecado, estão levando os fiéis para bem longe daquilo que o Mestre pregava. Crianças que crescem com pais inseguros e colocando medo em tudo para ensina-los sobre a vida, crescem com medo de escuro, ficam com medo de espíritos, tem medo de outras tantas coisas naturais que, para tirar depois, fica bem mais difícil.



O medo tem também uma face cultural. É o medo de um ataque do inimigo, por exemplo. É o medo que russos e americanos tinham uns dos outros na Guerra Fria. É o medo do comunismo que os americanos do hemisfério norte cultivaram e ainda cultivam entre si, disseminando entre os países “aliados” um estado de medo e ódio aos comunistas que passa a ser hereditário nas várias gerações. O medo cultural passa a ser, assim, hereditário. E pode virar paranóia. Sai do cultural e entra no biológico, mas passa para um nível não mais aceitável do biológico para entrar no patológico, ainda que defendido por muitos. Pode ficar cultural também o medo de certas doenças, como o medo da AIDS e do câncer. Por se falar tão mal dessas doenças na sociedade, independentemente de se conhecê-las melhor sem a roupagem da divulgação escandalosa, tem-se medo ao somente pronunciá-las. Para quem acha que o único meio de se tratar câncer é com quimioterapia e radioterapia, é claro que o mais “normal” é ficar com medo. Entre as novidades da medicina alternativa e a normalidade de uma doença fatal, fica-se com a segunda hipótese, mesmo que o pacote venha com a morte de brinde. Cabem aqui vários outros exemplos.



Há, por outro lado, interligada às outras conotações do substantivo, a face arquetípica do medo. Essa é aquela em que o indivíduo se auto castra, se limita a si próprio, ou seja, usa de um medo inconsciente para não se deixar crescer, não se emancipar, não se realizar. Essa face do medo é a pior. Pior porque geralmente não é consciente. No entanto, o universo se encarrega, mais cedo ou mais tarde, de provocar o indivíduo e dizer a ele(a), geralmente de forma não agradável e bem dolorida, que sua rota de vida não traz realização. Essa é a face mítica do medo e, por isso mesmo muito bem representada pela história de Jonas na Bíblia. Independentemente de quem crê numa realidade histórica ou não para esse livro bíblico, seu ensinamento é universal e arquetípico. Jean-Yves Leloup, terapeuta transpessoal atualíssimo, é magistral ao comentar o que significa para nós o medo de Jonas hoje. Jonas é chamado para ir a uma cidade, Nínive, desconhecida para ele e cheia de dificuldades e com prováveis inimigos. Claro que ele não quer ir para lá, apresentando mil desculpas para ir a Társis, um lugar bastante conhecido e cheio de pessoas que pensam e agem como ele. O que ele não percebe é que sua caminhada para Társis, apesar de ser considerada normal para ele, não o realiza como ser humano. Leloup chama esse normal de “normose”, ou seja, o normal dentro na neurose e da psicose. Para esses Jonas ainda não despertos, é preferível ter medo, ficar doente com qualquer tipo de doença fatal a encarar o novo em sua vida. Afinal, doenças e mortes são naturais. O novo não. É interessante ler a história e ver quando é que Jonas consegue se libertar desse medo e se realizar como ser humano: somente quando decide enfrentar esse desconhecido. Afinal, descobre ele depois da tempestade muito violenta que acontece em sua viagem para Társis, nada é pior que continuar na mesmice. Na verdade, é o mesmo ensinamento do livro muito atual “Quem mexeu no meu queijo”. Interessante é notar que, somente ao sair da mesmice é que Jonas conhece verdadeiramente a Deus.



Essas várias faces do medo estão embutidas no ser humano de uma forma ou de outra. Vencer esta ou aquela depende da fase de vida que se está vivendo. Tudo tem seu momento.



É, portanto, possível se compreender todos esses medos. Se fizéssemos, por exemplo, um exercício de volta ao passado ao início de 1888, quantos de nós veríamos e ouviríamos os medos da libertação dos escravos serem expostos e bradados aos quatro ventos. Motivos lógicos e argumentos não faltariam. E em meados do ano seguinte com relação à proclamação da República no Brasil? Na verdade, pontos de ruptura sempre provocam medos, o modelo de Pilha de Areia da Teoria do Caos mostra claramente. E do Inconsciente Coletivo de Jung, cada um puxa aquilo que mais lhe apetece, conforme os padrões dos ancestrais que trazem. E como bem diz o termo, é inconsciente.



No início de 1964, o medo do comunismo no nosso país por parte dos defensores do regime conservador, autoritário, paternalista e machista dos impérios estrangeiros construiu uma imagem monstruosa do governo que se impunha naturalmente e que o povo realmente queria. Sob disfarce, como sempre, afastou-se o “perigo” do comunismo com a revolução, face renovada de uma cruzada medieval. O que aconteceu com quem pensava diferente? Frei Betto em seu “Batismo de Sangue” pode contar melhor.



Hoje, véspera do segundo turno das eleições presidenciais, temos novamente uma síndrome do medo sendo espalhada. Desta vez de Lula, de quem a direita força para distorcer a imagem. Um exemplo como o dele deveria ser visto como muito positivo na construção de uma verdadeira nação, aquela que ainda não constituímos, e não como motivo de medo. Como se já não bastassem os climas de terrorismo das outras eleições.... De um ponto de vista psicológico, no entanto, as reações de cada um apenas expõem ao público em que estágio de vida estão, independentemente da idade cronológica, e como estão lutando com seus medos no momento, se é que estão. Se querem sair dessas prisões ou querem continuar na “normose”, bem comum de quem vai a Társis.

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