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Contos-->NENINHA VIAJOU! -- 12/10/2006 - 22:12 (Paulo Marcio Bernardo da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
NENINHA VIAJOU!

Aproximava-se das 21 horas de um sábado de primavera, quando Tião, o negrinho entregador de mercadorias da venda do seu Ataliba veio passando de bicicleta pela cidade trazendo a notícia e gritando: - Neninha viajou! Neninha viajou!

Seu Bento largou o freguês com o rosto ensaboado na cadeira de barbeiro e veio até a porta da barbearia para ver o que estava acontecendo, Seu Latuf da lojinha, a Olga do bazar e todos os outros comerciantes que estavam com seus estabelecimentos abertos também queriam saber. Por que o neguinho Tião gritava daquela forma assustado como se tivesse visto uma assombração?

Ele trazia à notícia da morte de Maria Nelsina da Conceição Soares, a dona do cabaré da Estrada da Cachoeira. Ela era conhecida por todos como “Neninha”, amada pelos homens e detestada pelas mulheres da região.

Pernambucana do interior migrou para a cidade de S. Sebastião, e lá montou uma casa de shows, como ela gostava de falar, e com ela vieram algumas meninas de programa recrutadas com todo o cuidado. Foi um “Deus nos acuda” quando a casa foi inaugurada. Padre Antonio se desentendeu com o Prefeito pela liberação do alvará de localização, todavia ele se defendeu passando a responsabilidade do fato para a Câmara dos Vereadores, que justificou a necessidade da abertura da casa como um lugar de entretenimento para o povo. E...Neninha ficou!

Com o tempo ela mandou construir alguns quartos, fez um salão bonito e decorou com um bar e lustres vindos da capital. Na frente da casa, um grande letreiro de néon mostrava em letras vermelhas o nome: “BOITE SSONHOS E PRAZERES”.

O bordel era freqüentado por fazendeiros, comerciantes, políticos e viajantes que se divertiam nas noitadas regadas com bebidas importadas, cachaça de boa qualidade e cerveja sempre bem gelada. A carne de sol com macaxeira frita, culhões de boi a milanesa e moelas de frango ao molho apimentado eram alguns dos tira-gostos preferidos e servidos, enquanto a vitrola em som alto tocava musicas de Altemar Dutra, Roberta Miranda, Ângela Maria, Silvinho e Nelson Gonçalves. O long-play de Luiz Gonzaga ditava o baião, e Jack’s do Pandeiro, o forró. Vez por outra era convidado um trio de sanfona, zabumba e triângulo, que animava com musica ao vivo as noites de sextas-feiras. A música sempre era dançada agarradinha e bem sacana.

Neninha (a cafetina) aparentava ter uns 23 anos, era morena alta, voz atraente, olhos e cabelos castanhos sempre soltos e cortados um pouco abaixo dos ombros. Seus vestidos de seda com decotes provocadores permitiam ver parte de seus seios fartos e bonitos. Seu corpo mostrava uma cintura fina e quadris salientes; suas coxas às vezes apareciam no corte do vestido e brilhavam nas meias finas de nylon. Os sapatos altos, salto Luiz XV, colares, pulseiras e anéis de ouro, uma maquiagem sempre bem feita, destacada pelo batom carmim e perfume francês autentico eram presentes vindos de seus clientes mais influentes.

Ela possuía uma suíte muito bem decorada, com armário e cama Imperial, colchão de espuma, cortinas com babados, no chão, tapetes importados e paredes com alguns quadros. Em sua penteadeira havia duas imagens, uma do Padre Cícero e outra de Sta. Luzia. Os perfumes franceses ficavam ao lado, frente ao espelho grande e sempre limpinho. Seu banheiro possuía chuveiro com água quente e banheira sempre abastecida pela serpentina do fogão a lenha, que nunca se apagava.

Atraente, alegre e espirituosa, Neninha era inteligente e insinuante, porem muito disciplinada na profissão que exercia com maestria. Sempre abria a casa às oito horas da noite em ponto. Com as meninas já arrumadas, rezavam uma Ave-Maria e pediam proteção a Nossa Senhora para a noite de trabalho que iniciava.

Amiga, mas severa, e sabendo que a casa era de tolerância, Neninha orientava as meninas, ensinava a serem meigas e educadas, mas que jamais aceitassem agressões e falta de pagamento, evitassem discussões e ciumeiras.

Dizia ela: - Aqui não tem lugar para “desenvergonhiçe” no salão, nem para gigolôs e desonestos, portanto façam os clientes beberem, mas vocês devem beber moderadamente, pois só assim vamos ganhar dinheiro. – Essas eram as normas, as regras da casa, repetidas diariamente.

Dois homens eram seus funcionários, “Alemão”, um negro forte com mais de 1:90 de altura, que cuidava da portaria e da segurança da casa e “gansinho”, branco, esguio e de pescoço comprido, que trabalhava como garçom e ajudava a cumprir as ordens da casa a qualquer preço: na educação, no grito e se fosse necessário, na porrada. Tinha também duas cozinheiras, Eleonora e Dora, prostitutas aposentadas pela idade, que revezavam na feitura dos petiscos, almoço e jantar de todos.

A casa fechava pontualmente às cinco horas da manha, quando era servido um café com leite reforçado por fritada de ovo, broa de milho, frutas, doces e queijo. Nessa hora também serviam o café nos quartos que ainda ocupados indicavam que deveriam ser desocupados pelos casais.

Os anos foram passando... naquela casa Neninha foi ganhando dinheiro. Ela quisera ter um filho que logo nasceu, e após o nascimento foi morar com a avó materna que o criou com todo o carinho e conforto em um apartamento na capital comprado com o dinheiro do trabalho da mãe, que levava quinzenalmente, sempre as segundas-feiras, dia de pouco movimento. Aos 18 anos, Nelson, seu filho, viaja para Londres onde vai morar, estudar um curso universitário e se casa, dando a Neninha duas lindas netinhas. Maria Nelsina foi a Europa apenas uma vez conhecer a sua nora e as duas netas, mas fica apenas um mês, pois o bordel estava sendo gerenciado por Marlice e ela gostava de estar presente, alem da saudade do Brasil e da vida acostumada a viver.

Ninguém sabia ao certo a idade de Neninha. Ela continuava mantendo sua rotina de trabalho, abrindo a casa às oito da noite com uma oração e fechando as cinco da manha seguinte com um café completo. Entretanto ela não ficava mais no salão; delegava a Marlice à responsabilidade para os negócios e ia para seus aposentos ver as novelas na televisão. Raramente recebia um cliente amigo que lhe fazia companhia e tomava uma taça de champagne.

Seus cabelos já estavam pintados, sua pele já estava marcada de rugas nos olhos e pescoço, mas disfarçadas pela maquiagem que não deixava de usar. O batom ainda da mesma marca e cor carmim coloria sua boca ainda sorridente e alegre.

Naquele sábado, a rotina não foi cumprida. Por volta das seis da tarde, Neninha chamou Gansinho, o garçom, pediu um chá com torradas e recebeu Marlice para uma conversa. Ela falou da necessidade de algumas reformas da casa, contou algumas histórias de sua vida e completou: - Marlice, você sabe que estou cansada, da vida que vivi e que ainda vivo, e por isso resolvi viajar para Londres para rever Nelson (seu filho) e minhas netas. Mas antes de ir, quero que você saiba que fiz um testamento em vida, já registrado em cartório deixando alguns bens para todos os meus funcionários. Afinal foram vocês quem me fizeram ganhar tudo que tenho hoje. Ficou assim dividido: 40% da casa para você, 10% para o Alemão, 10% para o gansinho e os outros 40% para as meninas que estão comigo a mais de três anos. Para minhas netas deixo um apartamento para cada uma na cidade de Recife e essas jóias (mostrou a Marlice) quero doar para as obras sociais do Padre Antonio. Agora Marlice vá cuidar da vida que já esta quase na hora de abrir a casa e você ainda não se arrumou. Eu também estou cansada, vou tomar um chazinho e ficar vendo televisão.

Marlice não entendeu bem a conversa e saiu do quarto, meio confusa e foi se vestir para abrir a casa. Gansinho levou o chá e foi recolher a bandeja uma hora depois. Ao chegar ao quarto Gansinho encontrou Neninha morta caída no chão. Ela tinha uma aparência tranqüila e serena. A noticia foi passada imediatamente pelo garçom e só então, Marlice pode entender a conversa da sua cafetina amiga. Todos choraram a morte repentina de Neninha.

Tião, o entregador de mercadorias da venda do seu Ataliba estava na cozinha, entregando algumas compras para Eleonora e Dora e ficou sabendo da noticia que logo foi levada para a cidade.

Marlice ainda chorando, mandou Alemão encomendar uma urna mortuária, comprar flores e velas e divulgar no carro de som do Jaime o convite para o velório e enterro de sua amiga. As meninas e gansinho esvaziaram o bar e recolheram as mesas do salão, só deixando algumas poltronas e cadeiras. As lâmpadas coloridas foram substituídas pelas convencionais amarelas. A roupa de Neninha foi trocada, puseram o vestido verde, aquele que ela mais gostava e retocaram a maquiagem e o batom, não deixando de botar também um pouco de perfume francês atrás das orelhas e nos pulsos.

O velório precisava ser digno e luxuoso, uma verdadeira cerimônia fúnebre. Tudo foi preparado rapidamente. Logo começaram chegar os amigos e clientes da casa. O salão estava triste; naquela noite não havia música nem sacanagem, todos estavam consternados com a morte súbita da proprietária do cabaré.

Com o passar das horas chegavam homens, e mulheres curiosas, querendo ver o ambiente da casa e o desenrolar do velório. Gansinho servia às vezes café outras vezes cachaça, enquanto Eleonora e |Dora se revezavam no fogão e forno fazendo alguns pastéis e broa de milho. As meninas choravam e rezavam o terço.

O enterro havia sido marcado para as dez horas da manha, após a missa das oito da Igreja de Nossa Senhora do Nazaré.

Marlice pediu a Alemão que fosse apanhar o padre Antonio para encomendar o corpo e avisou que caso ele não aparecesse não receberia as jóias deixadas para suas obras sociais. Com esse forte argumento, após a missa, padre Antonio acompanhou Alemão até a Estrada da Cachoeira e lá encomendou o corpo que saiu para ser enterrado no cemitério local. O enterro foi concorrido. Os mais jovens queriam ver o cortejo, mas também as meninas da “zona” local. Marlice coordenava a caminhada. Elas estavam com roupas discretas e vinham logo após o carro fúnebre. Em seguida vinham o Prefeito, vereadores e até um Deputado Federal, e no final, os demais populares.

No momento de baixar o corpo a sepultura, o Deputado presente, que havia passado à noite no velório e tomado algumas cachaças a mais, solicitou a palavra para fazer uma ultima homenagem a sua amiga falecida.
Diz o Deputado em seu improviso: - Senhoras e Senhores, amigos de Neninha! Rompeu-se a viga mestre da construção do Castelo dos Amores. De hoje em diante, ficará uma lacuna para os amantes das noitadas inesquecíveis da “Boite Sonhos e Prazeres”. Somente o tempo se encarregará de recompor a felicidade e alegria na casa tida por muitas como maldita, mas que na verdade sempre foi o paraíso, o céu de estrelas brilhantes de purpurina, o jardim de flores perfumadas nas noites alegres de nossa São Sebastião. Penso que ainda não era hora de partir essa mulher carinhosa, porque fez sorrir os homens que a procuravam e aqueles que com ela se deitaram ficarão com saudades dos momentos prazerosos que viveram.
E continuou... exclamando:
Mas Neninha, fique em paz! Durma seu sono eterno e receba de minha parte uma ultima homenagem como presente! Eu Deputado Artur, ainda hoje pagarei uma “festa póstuma”, portanto convido a todos os homens presentes para ao sair daqui voltarmos a boite onde terei o prazer de pagar tudo que for consumido com comida e bebida, sem ter hora de terminar.

Todos aplaudiram entre lágrimas!

E, acabado o enterro Marlice completa: Hoje, para completar a homenagem festiva do Deputado Artur, as mulheres também não cobrarão o serviço de companhia!

Muitos voltaram ao bordel, e lá, Eleonora e Dora se desdobraram para servir uma rica “Buchada de Bode” acompanhada com cachaça especial e muita cerveja gelada. As garrafas voltaram aos seus lugares na prateleira do bar e a vitrola voltou a tocar boleros, baiões e forrós. A festa só terminou as cinco da manha de segunda-feira com o tradicional café da manha de despedida.

Lá de cima, Neninha, sorrindo feliz, foi testemunha do maior bacanal do interior do nordeste!


12/10/06
Paulo M. Bernardo













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