Dantes foi consolo para o dolo da vida
e ainda é vício e ofício de todas as horas vivas...
Estou a lembrar-me,
tinha eu sete anos e andava de calções,
do meu amigo Lourenço,
que sonhava dormir com minha mãe,
fazer um cigarrinho, lambê-lo e dizer-me
de isqueiro a gasolina em riste:
- Anda lá, Toninho, dá umas fumaças
e aprende a seres homem!
E eu fumava, fumegava e tossia
a engolir o fumo.
Meu tio Marcelino,
pescador a sério em Mindelo,
com a onça e as mortalhas entre as mãos
fazia um e dois cigarros,
um para ele e outro pra mim:
- Anda lá, fuma, tira duas, não ogues...
E eu fumava, fumegava e tossia
a engolir o fumo...
Já lá vão 60 anos
e todas as vezes que deixei de fumar
foi por estar doente ou não ter cigarros...
Uma vez,
minha mãe desesperada com o flagelo,
encostou-me a cabeça às bordas da sanita,
agarrou no produto e esfregou-mo na boca...
E eu continuo a fumar, a fumegar
e tusso a engolir fumo...
Presumo que meus pulmões
sejam por dentro
algo como plástico castanho-negro que brilha
e fumo, e fumo, e fumo...
Fumo desde pequeno,
fumo para o governo,
fumo para me libertar
de todos que me querem queimar,
fumo para me acalmar,
fumo para me esquecer,
fumo para viver
e sobretudo fumo para me matar.
Vá, vá, argumentem, inventem,
digam, persigam,
tentem e intentem...
Que mais é preciso explicar?!...
António Torre da Guia
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