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Artigos-->Papo-amarelo, drástica solução -- 18/10/2002 - 23:32 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PAPO-AMARELO, DRÁSTICA SOLUÇÃO



Francisco Miguel de Moura

Escritor, da APL



Estou certo de que é impossível compreender-se a obra de um autor, especialmente se brasileiro, do Nordeste e do Piauí, sem um pouco de sua biografia, do seu contexto, dos costumes desta terra que foi tão importante para o Brasil colonial e hoje é considerada a pobre enjeitadinha, com direito apenas de ser pelada de todos os seus recursos sem nenhum retorno, por cuja razão – e seus governantes não vêem isto – passou a ser grosseiramente alvo da piada nacional.

Como vou escrever sobre um escritor piauiense considerado regionalista, é preciso que a premissa seja levada em conta. Falo de William Palha Dias, e uma de suas características é ter começado a escrever e a publicar tardiamente. Outra: não obstante, é uma autor dos mais prolíficos. São treze obras entre romances, crônicas e ensaios de história. Seu primeiro trabalho literário publicado em livro foi "Caracol na História do Piauí", 1959. A referência vem a pelo porque, agora, aos 82 anos, lança o livro "Papo Amarelo", espécie de continuidade à saga de Caracol, sua terra, sua gente, seus familiares e avoengos, parentes e aderentes que contam na conquista da terra e na manutenção da ordem e do poder sobre ela. É assim que todos os seus romances, mais ou menos históricos, vão no mesmo rumo, fundem realidade e ficção, criam um estilo onde o discursivo mistura-se ao poético, o vocabulário e os dizeres regionais à linguagem do homem da cidade, especialmente do homem do direito e da justiça que tem sido o homem Palha Dias. Verdade que vira ficção e vice-versa, seus livros mais importantes são o primeiro já mencionado, mais "Vila de Jurema" e "Memorial de um Lutador Obstinado", aos quais este "Papo Amarelo" em boa hora veio juntar-se.

O estilo de Palha Dias, neste livro, dá gosto, e situa-se dentro daquela dimensão colocada acima – o regionalismo tardio de nossa literatura – e para tanto destacamos um trecho comprobatório:

"Foi assim que, em certa madrugada, quando um grupo de jagunços do Coronel Aureliano, tendo à frente o cabecilha Jerônimo Afro, cedido pelo Coronel Franklin Albuquerque, seguia para a fazenda Sossego, receoso de piquete inimigo em posição avançada, destacou, por ser mais experiente, o companheiro João Miliê para, como sentinela avançada, fazer pesquisa nas imediações de uma barroca ao longo do trecho por onde forçosamente teriam de margear. E qual não foi o imprevisto... quando Miliê aproximou-se do local por onde ia atravessar, recebeu uma saraivada de tiros partidos não se soube de onde e que, por felicidade, não o atingiram em cheio. Mesmo assim, teve arrancado da cabeça o chapéu de abas largas e ornado com medalhas de reluzente ouropel. O impacto causou-lhe tanto susto que, na afobação, não pensou duas vezes – apragatou-se no chão por trás da raiz gibosa de uma gameleira que demorava por ali. Nesta posição, teve mais vontade de soverter-se que mesmo de revidar o inesperado desafio. Reanimando-se instantes depois, não contou desgraceira... Como se sentisse protegido pela corcova da raiz, sem pestanejar, sacolejou com disposição a alavanca do papo-amarelo. Depois de se benzer com a cruz do rosário de semente de capim que lhe caía do pescoço, mandou brasa..." (p. 47-48).

O fato de Palha Dias não filiar-se aos romancistas de personagem – o romance psico-social, que fez a festa do modernismo brasileiro dos últimos tempos – justamente por ser histórico e dentro da perspectiva histórica narrar uma saga, nem por isto deixa de dar unidade ao seu trabalho. Se muito não me engano, caracteristicamente o que lhe dá coesão são as lutas (barulhos) de Corrente e Parnaguá, com ramificações para as comunidades próximas e também mais distantes da mesma região do Sul do Piauí, quais sejam São Raimundo Nonato e Caracol, formando um grande painel do final do século XIX e começo do século XX, a época em que a exploração da maniçoba se transformou em nosso suporte econômico principal e levantou ambições de pessoas de meio-mundo, com diversos princípios morais ou com nenhum, arrebanhando-os para lá, onde se tornavam seringueiros, jagunços, cangaceiros, messiânicos, ciganos, e especialmente "cabras" a serviço das partes em contendo como foi no caso das lutas de Parnaguá e Corrente. De um lado, Cândido Lustosa de Araújo e o restante da família Lustosa Nogueira, de Parnaguá; do outro, o Coronel José Honório Graça e seu irmão Diolindo, apaniguados do Coronel Franklin Lins de Albuquerque, de Pilão Arcado, Bahia.

Nessa relações do coronelismo imperante naqueles idos nota-se que sempre uma parte tem razão e a outra nenhuma; e aquilo que diz respeito aos que são terra e têm tradição é louvado, mas o que vem da parte dos forasteiros é sempre maldito. Um retrato, diríamos, fiel da época, se fosse possível ser fiel numa escrita de ficção, mesmo numa ficção histórica. Porque registram-se os fatos, mas não há como registrarem-se as emoções. Não obstante, Palha Dias se esforça bastante e algumas vezes até consegue, nas descrições de lutas e entreveros, o que é normal nesse tipo de narrativa. Ou nos capítulos finais, narrando os desastres do missianismo que também ali proliferou.

Na técnica, louve-se a iniciativa de colocar como narradores da saga os contadores de história Sinfrônio Quelé, Agenor Bonson, Zequintino, Capitão Manoel Luiz e o fedelho Emiliano, os quais se revezam na pabulagem dos feitos de guerras e contendas daquelas bandas. Sinfrônio Quelé é o mestre, começa e termina contando tudo o que sabe sobre os barulhos. E todo o romance começa "naquela tarde de junho" quando "A casa do Coronel Aureliano Augusto Dias – último patriarca dos Dias Soares, chantados na Vila de Caracol, depois da conquista dos índios Pimenteiras, da região Sudeste piauiense – estava repleta de parentes e amigos que ali se encontravam para as boas-vindas ao conterrâneo Sinfrônio Clemente, que há muitos anos havia desaparecido do convívio de sua gente. A curiosidade dos visitantes não se limitava apenas ao desejo de rever o chegante, mas sobretudo a bisbilhotarem as razões de tamanho sumiço por tão crescido espaço de tempo. Não se conformando com o exagerado desejo de tudo perquirir, ainda cavaqueavam sobre as novas de outras paragens por onde andara durante a sua ausência."

Prosa da mais limpa, grande narrativa de ponta a ponta, pelo que se pode dizer que Palha Dias conseguiu construir seu estilo. Há quem goste e quem desgoste, mas isto não é importante. Maravilhoso para um escritor é ter sua feição própria, sua marca, e ele a tem – construída ao longo de uma vida, cheia de lutas, derrotas e vitórias, tudo pela verdade, pelo direito e pela felicidade. Muito também pelo amor de sua terra e sua gente.



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* Francisco Miguel de Moura é acadêmico (APL) e membro do Conselho Estadual de Cultura

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