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Contos-->A TIRANIA DO PRAZER -- 29/09/2006 - 05:54 (Felipe de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Acordei essa manhã e não senti verdadeiramente o meu corpo. Faltava-me algo. Uma ausência. Algo que perdi durante estas horas mal dormidas. Impossível sentir o meu corpo em toda a sua plenitude. Uma coisa estranha se desenhava dentro de mim. Meus seios eram grandes demais. Minhas coxas volumosas. Meu sexo instável e minha boca irreconhecível.

Existia uma nítida separação entre o meu ser mais profundo e o meu exterior. Um antagonismo latente. Não sentia verdadeiramente o meu corpo, algo estranho, bizarro mesmo, como se este volume de curvas e carnes, fosse propriedade de uma outra pessoa, um desconhecido, alguém que nunca tinha visto. Todo o meu ser era a imagem de uma estátua inacabada. Por mais esforço que fizesse, não conseguia me identificar àquele volume disforme. Existia uma linha imaginária, uma distância entre o mais profundo da minha alma e aquele corpo que se refletia diante do espelho.

Nua, diante do espelho apalpo-me em detalhes, por uma estranha magia, eu podia ver o meu corpo se desprendendo de mim. Uma separação definitiva de corpo e alma. Algo horrível e ao mesmo tempo belo. Um ritual quase diabólico de transformações e separações. O meu corpo se despregava da minha essência, não existiam forças para impedir essa separação. Ele não me pertencia realmente, distanciava-se cada vez mais, porém, eu podia perceber, aqui e ali, lampejos do meu coração e do meu sexo.

Na verdade, nunca experimentei uma sensação confortável dentro desta minha armadura. Alguns homens chegaram mesmo a implorar algumas horas de amor, cedi algumas vezes e rejeitei outras, tudo sem muita consistência, quase vago, meio perdido, procurando uma forma adequada de usufruir inteiramente todas as delícias. Eu precisava desta atmosfera do amor -amar e ser amada- mesmo se tudo diluísse nos dias seguintes. Nas várias tentativas nunca cheguei a gozar plenamente todo o sabor prometido. Não sei por que: algo me incomodava nas horas mais impróprias. Achava-o grande ou pequeno demais. Monstruoso e incômodo. Impossível uma interação completa. Era como se ele tivesse uma autonomia, uma vida a parte e eu fosse o intruso, a parasita que não se adapta ao invólucro de um desconhecido.

Toda essa incapacidade de aceitar o meu invólucro desapareceu ao te encontrar. Não foi algo instantâneo. Tudo foi concretizado lentamente, tatuando-se, descobrindo-se, aqui e ali, alguma coisa estava se revelando na paisagem do meu corpo e acreditei que poderia ser herdeira de todo o prazer.

Cotidianamente a tua presença tornou-se uma tirania. Minha fraqueza o maior crime. Insuportável mesmo com o passar dos anos. Escrevi dentro da minha cabeça, sucessivas vezes, a história da nossa separação. Vi e revi todos os detalhes, as palavras ditas e não ditas, toda uma série de projetos num futuro próximo longe de tuas garras. Na manhã seguinte: tudo perdido, diluído na fumaça do cigarro. Tuas carícias tinham se tornado uma droga, não conseguia me libertar, por mais que tentasse, era prisioneira dessas carícias, viciada aos teus beijos e do teu corpo contra o meu. Um milagre. Um eterno recomeço. Um segredo bem guardado. Somente você conseguia este traço de união perfeito entre o meu corpo e o meu eu mais profundo.

Quantas e quantas vezes me comparei a essas pessoas que desejam parar de fumar; fazem planos, projetos mirabolantes, compram medicamentos, propagam vitoriosas que escolheram a boa decisão, mas, basta o aroma de um café, a tentação fugidia de apenas um cigarro e o vício retorna. Novamente, cigarro após cigarro, o prazer vai se instalando entre as minhas veias, devastando tudo e não existe nenhum remorso por não saber resistir. Uma fraqueza extrema. Questiono-me várias vezes se realmente teria coragem de te abandonar. Viver sem tuas carícias. Não acredito. Estou envenenada, sem defesa, fragilizada, entregue ao bel-prazer da tua vontade e, somente você, conseguiu este milagre da união.

Sem você é impossível viver novamente esta união sagrada de aceitar o meu corpo. Não tenho forças e não consigo resistir. Você se apega em mim, gruda, sanguessuga, retira prazerosamente toda a minha resistência. Não existe vontade própria, sou tua escrava, prisioneira dos seus desejos; só Deus sabe como é duro viver assim, pedindo conselhos, implorando algumas migalhas, pensando todo tempo que, finalmente, você vai entrar por esta porta e me abraçar e que até mesmo um simples telefonema teu possui a áurea de uma dádiva.

O grande problema é que custamos a acreditar que existe um final a tudo. Mesmo os momentos mais encantados têm um final. Falta-nos consciência do irremediável final a tudo que começa. Sonhamos coisas impossíveis. Estou consciente de que existe um início, meio e fim de cada ato isolado. Até o maior amor do mundo chega a um termo. A cada momento sinto uma distância se infiltrando nos nossos sentimentos, são atos esporádicos, pensamentos fugidios, pressentimentos, tudo muito vago, mas crescente. Eu estou ficando desconhecida para mim mesma. Se isto for loucura, então estou ficando louca.

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