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Contos-->DIVENTATO UN UOMO -- 10/09/2006 - 20:29 (Délcio Vieira Salomon) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
DIVENTATO UN UOMO

Délcio Vieira Salomon


Era aspirante ao noviciado, para cuja congregação religiosa entrara aos dez anos de idade. Oficialmente era denominado de postulante, título que se recebia, ao entrar para a quarta série ginasial.

Até chegar a padre, teria que terminar o ginásio de quatro anos, o noviciado de um ano, três anos de Filosofia, conjuntamente com o curso colegial clássico, três de tirocínio, onde, além de lecionar nos colégios da Congregação, passava pelo último período de provação, antes de professar os votos perpétuos de pobreza, castidade e obediência, e, finalmente, quatro anos de teologia.

Desde o primeiro dia de internato, vivia sob o mais rigoroso regime de exercício da santidade, sobretudo da castidade.

Criança, isso não era de grande monta. Identificado estava sempre com os folguedos e as correrias dos esportes coletivos nas horas de recreio. Fora desses momentos de agitação, a cabeça estava, ora enterrada nos livros, na sala de aula ou no salão de estudo, ora inclinada sobre o peito, rezando o rosário. Ou, então, com os olhos fixos no livro de reza, “O Jovem Instruído”, escrito por Dom Bosco, enquanto assistia à missa diária, às seis horas da manhã, ou à benção do Santíssimo Sacramento, todas as tardes. Aceitava a abstinência, as mortificações da carne como quem almoça ou bebe um copo d’água. Naturalmente. Automaticamente. Sem sequer pensar em seu significado, muito menos interrogar por que tinha de assim ser feito. Os padres eram porta-vozes de uma tradição milenar e o que impunham ou recomendavam era o certo e tinha que ser aceito e obedecido.

Vivia, portanto, seguro de si mesmo e do que queria. Seguro e em paz com Deus e com a humanidade. Só muitos anos depois, já liberto do jugo, é que veio a descobrir que nada daquilo tinha segurança. Esta era apenas um nome para a frágil casca que envolvia um mundo de ignorância, senão de hipocrisia.

Bem, todos os postulantes, estavam mergulhados nesta edificante tranqüilidade até que a puberdade chegasse. E ela um dia chegou para ele.




Entrar na adolescência, através da puberdade, num seminário, naquela época, era algo completamente anômalo. Anômalo e trágico. Não sabia o que era adolescência, nem puberdade. Muito menos, se, algum dia, algo de estranho iria acontecer. Particularmente em termos de transformação orgânica.

Estranhou o dia em que começou a ratear a voz. Ficou, por muitos dias, sem graça e evitava ao máximo expor-se à gozação dos colegas. Sobretudo porque, na comunidade colegial, através da separação dos alunos entre os mais velhos e os mais novos, pertencia à divisão dos menores e todos tinham, em média, de sua idade para menos. Era o mais novo da sua turma do quarto ano ginasial. Não se lembrava de alguém que tivesse passado pela mesma experiência de mudança do timbre de voz. Mesmo que soubesse, teria de receber aquele fenômeno com naturalidade. Por certo, haveria um dia para acontecer. Os adultos sempre tiveram a voz mais grossa. Então, chegaria também para ele o dia que deixaria de ter a voz de criança para assumir a de gente grande.

Era assim que generalizava as coisas. Só não conseguiu fazê-lo no dia em que a puberdade irrompeu em seu corpo. Foi o mais insólito de toda sua vida. Foi como a saída da porta de um túnel conhecido para a entrada em outro cheio de fantasmas e vampiros, caveiras e foices, ameaças e tormento. Pareceu a expulsão do Paraíso. O paraíso da inocência infantil para o inferno da realidade crua e nua da vida, como ela é.

Não sou médico, nem psicólogo. Mas, pelo que já estudei, temos de fazer diferença entre puberdade e adolescência. Puberdade é o nome para o fenômeno fisiológico da mudança do organismo, quando este atinge o nível de crescimento e amadurecimento para atingir a fase da procriação. Uma fase, portanto, comum a nós e aos animais. Adolescência já é a puberdade vista e conduzida culturalmente. Deixa de ser mera transformação orgânica para constituir-se processo cultural em que a criança passa a ser adulto na sociedade em que se situa. Por muito tempo, foi chamada a fase da crise, da tempestade e da tensão, do “storm and stress” dos ingleses. Está intimamente relacionada com crise. Realmente, sobretudo em nossa cultura ocidental, dominada pela civilização cristã, a adolescência implica crise de identidade, pois o adolescente, em parte, ainda é criança e, em parte, já começa a ser adulto, mas não é nem uma coisa nem outra. Os próprios pais o tratam com ambivalência: exigem responsabilidade de adulto e só lhe dão concessões próprias a uma criança.

Estou fazendo esta distinção, porque assim como, para as mulheres, a menarca é sinal insofismável da puberdade, para nós homens ela corresponde à primeira ejaculação.

Ejaculação. Que palavra expressiva. Bem inventada, extraída do latim. Sobretudo, sonora. Toda a vez que a escrevo ou pronuncio, me vem à evocação passagem de Camilo de Castelo Branco, que li, certa vez, em seu romance Noites de Lamego. Num determinado momento um dos personagens, ao referir-se ao pai da História, Heródoto, exclama com entusiasmo: - Heródoto!...Heródoto! Que nome! Só escrevê-lo é uma ejaculação de sabedoria!

A sonoridade é importante na vida das palavras e, por indução, na vida das pessoas. Não esqueço, também, que, na mesma época, em que li o romance de Camilo, li, numa antologia de literatura francesa, que certo escritor (não recordo o nome, mas sei que é célebre) descobriu sua vocação para as letras, ao ler passagem do Salambô de Flaubert, em que o cavaleiro se dirige a seu capitão com esta expressão: - Pharamond! Pharamond! Nous avons combatu avec l’éppée... Repetiu-a o dia inteiro, tal o entusiasmo pela sonoridade eloqüente daquelas palavras.

Não há negar. O termo é erudito e bonito e a pronunciamos quase silabando: e-ja-cu-la-ção. É dessas poucas palavras, cuja sonoridade enche a boca e os ouvidos e se confunde com o próprio significado, a ponto de logo produzir em nossa mente a confusão de imagem, som e sentido.

Mas o que vou contar nada tem de brilho ou sonoridade. Pelo contrário, ficou para sempre associado a obscuridade, medo, culpa, pecado, fogo, inferno.

Naquela época, dentro do seminário, Jônatas, este o nome de nosso personagem, pertencia a “schola cantorum” – o coral dos meninos, que cantava na igreja e, em determinadas datas, nas festas e no teatro do seminário.

Havia dois grupos no coral, os sopranos e os contraltos. Jônatas era contralto. Na hora do ensaio geral ou final, os dois grupos ficavam de pé, um na frente do outro.

Quando um grupo estava aprendendo a sua parte, o outro, sentado, com a partitura na mão, ficava ouvindo a música e escutando os comentários do padre regente.

Numa dessas tardes de ensaio, estava no banco, ao lado de Jônatas, o Tiago, colega de turma, um ano mais velho que ele. Olhos negros e grandes. A pele era a mais morena de todos. Quase mulato, parecia mais um hindu.

De repente, Tiago ficou alterado e envergonhado, a ponto de ter, em pouco tempo, as faces roxeadas, começou a contorcer-se e tentando disfarçar o que se passava, procurava conter o membro endurecido entre as pernas.

Como envolvido por sua sensação estranha, Jônatas sentiu pela primeira vez o pênis inchar, crescer e em questão de minutos, os mais parecidos com a eternidade até então experimentados, começou a soltar viscoso líquido, molhando cueca e calça. Com a partitura da música disfarçando a região revolucionada, pediu assustado licença ao regente e correu para o banheiro mais próximo. Lá foi ver o que estava acontecendo.

Os padres nunca preparavam os meninos para a entrada na puberdade e nunca se falara em ejaculação, o grande sinal de que os homens começam a ser reprodutores.

Viviam também eles o estigma da pureza exigida, como obsessão, pelo fundador da congregação religiosa, Dom Bosco, proclamado o Santo da Pureza. Dentro da síndrome de salvação da alma em que, garantida a castidade, tudo o mais é secundário, para eles, na verdade o único pecado era contra o sexto mandamento da lei de Deus, em cuja gama de atos se instalava a masturbação. Para os demais naturalmente fechavam-se os olhos (afinal, ali ninguém iria matar ou roubar, desobedecer a pai e mãe, nem lhe faziam mossa os pecados sociais e a prática da injustiça e da hipocrisia!).

Desesperado Jônatas correu do banheiro para a enfermaria e contou para o velho irmão leigo, italiano, que fazia o papel de enfermeiro:

- Seu Vicenzo, estou com dor esquisita no saco e meu pinto arde feito fogo. Saiu dele um líquido estranho, acho que é pus. Me ajuda, por amor de Deus.

O sábio do velhinho o consolou e lhe deu a primeira aula de sexologia, junto com um cálice de Cinzano, que sempre oferecia qual panacéia para qualquer dor ou indisposição, e assim justificar, na cumplicidade, seu disfarçado pendor para a bebida de Baco, tipicamente italiana:

- Bambino mio. oggi tu sei diventato un uomo. Hai lasciato di essere un bambino. Capisce allora? Altra volta che questo ritornare, prega, prega a Domenico Sávio o a San Luigi Gonzaga e lascia tutto nelle mani dei nostri gran piccoli protetori della purezza. Com la protezzione di loro avrai forza contra il diavolo nelle tentazioni della carne. Beve, beve questo bichiere di vino e che il diavolo vade retro. (Meu menino, hoje você se tornou um homem. Deixou de ser uma criança. Entende então? Outra vez que isso voltar a acontecer, reze, reze a Domingos Sávio e a São Luiz Gonzaga e deixe tudo nas mãos de nossos grandes jovens protetores da pureza. Com a proteção deles terá força contra o demônio nas tentações da carne. Beba, beba este cálice de vinho e que o demônio vá embora ).

Aliviou, de fato, toda a tensão de Jônatas e com ela a primeira consciente tesão. Coitada! acontecida toda cercada de imprevidências e preconceitos! Recomendou-lhe que toda vez que se repetisse aquilo, deixasse correr naturalmente. Poderia ir para o banheiro, mas não deveria tocar no membro, nem ficar olhando. Do contrario, seria pecado mortal e neste caso não poderia comungar, sem antes confessar. E saber que quem cometesse pecado mortal, sobretudo contra a castidade, seria mandado para casa. Proscrito. O mesmo que pegar o passaporte para o inferno.

Hoje, ao encontrar com Jônatas, relembro o episódio que me contou e ele arremata incontinente:

- Ah! Por que não tinha, naquela época, a experiência de hoje!? Entre os dois infernos, em que me torturavam, há muito teria optado pelo paraíso que entre eles se situava, mas pelos padres negado: o prazer tão puro quanto tantos outros que ontogenética e filogeneticamente herdamos, mas que a cega e bitolada moral da Santa Madre nos conspurcou.

Disse com propriedade Santa Madre e não simplesmente os salesianos. Alguns anos depois do episódio narrado encontrei um livro do Padre Negromonte sobre moral católica. É de estarrecer. Chega a medir pecado venial e mortal pelo tempo de duração, por exemplo, de um beijo! Até 1 minuto é pecado venial. Mais de 1 minuto passa a ser pecado mortal.
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