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Cronicas-->O Zé Preto -- 11/07/2004 - 13:59 (Thomaz Figueiredo Magalhães Neto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dona Adalgiza nasceu por volta de 1880, ninguém ficou sabendo com certeza, pois morreu vaidosa aí pelos noventa em 1970. Na verdade a data mais certa vem do nascimento de sua filha, em l898. Tempos duros, passados 10 anos a cidade cheia de escravos alforriados, pois a Princesa Isabel, de imagem viva entre as brasileiras, as brancas também, os havia libertado em 1888. A parte privilegiada dos negros libertos se transformara na distinta e bem vista sub-classe social dos criados. A precursora das domésticas.

Racismo não havia, não dessa forma atual, pois negro não era problema. Pegava-se para criar uma neguinha criança, e esse tratamento não tinha essa conotação absurda na época, se cuidava com carinho, que em poucos anos ela dava uma mulher tão boa quanto qualquer branca para a lide doméstica. Um neguinho também, brincava com os filhos, cedo já ajudava na casa e era alternativa para servir o exército no lugar dos irmãos brancos, que não podiam perder tempo nos estudos. Sim, os brancos brasileiros precisavam de estudos, para enfrentar os estrangeiros que vieram substituir o negros no trabalho. Eram europeus metidos, tinham no mínimo uma educação básica, e seus filhos a invadirem as melhores escolas da então. A eles sim, Dona Adalgisa se referia preconceituosamente, falando que eram estrangeiros quase em sussurro, prestando atenção se não estava constrangendo algum, mesmo na família. Pois seus netos já haviam se casado com filhas de italianos e franceses. E ela as ensinava, escolher as neguinhas com o branco da sola subindo pelo calcanhar, dão as melhores criadas, dizia.

Zé Preto era criado da famíla e figura muito falada, querida, nas conversas de mesa, embora as crianças não o conhecessem pessoalmente. Tinha a idade dos pais e tios, mas se perdera na vida, mesmo tendo toda chance de se tornar gente. Até para a Segunda Guerra, lá na Itália, ele foi mandado, pois o avó influente lhe conseguira a vaga, mesmo sem a ameaça de seus filhos médico e advogado serem convocados. Mas que nada, nem o francês, equivalente hoje ao inglês o negão aprendeu, diziam as tias, que até lá na Europa ele criou problemas com rabo de saia. E os tios emendavam que o Zé Preto é que sabia das coisas. Daí para a frente as crianças eram convidadas a sairem da mesa para brincar. Não se ouvia conversa de adultos.

A bisavó chegava do Rio no verão, para a temporada mais fresca em São Paulo. Era mais carola que as mães, tias e avó, ia a missa todo dia, e se tivesse algum bisneto dando sopa, láu. Não escapava. Seus casos contados à mesa eram no mínimo imperiais, pois ela, viúva desde os 26, criara sozinha as filhas no refinado ambiente da capital federal, sempre relatado com pompa, e as casara muito bem, uma delas melhor, com o avó médico, líder político, culto, homem de bem. Mineiro de família enraizada. A irmã também casou bem, mas os papos não batiam. Tio Edgar, um tio-avó, era homem do mar, da marinha de guerra, e no papo da família era oficial de submarino. Prestando atenção na conversa dos tios ele era menos, parece que oficial marinheiro de máquinas. Coitada da tia Filinha, uma tia-avó, o Edgar era o capeta. Temporadas no mar e quando aportava sobravam uns dias na cadeia, por aprontadas nas viagens. Tio Edgar era mais vivo que o Zé Preto, falavam os tios. E dona Adalgisa, minha bisavó, lhes cobrava modos mais fidalgos para exemplo das crianças.

Devo bastante a ela, especialmente em minha formação religiosa. Ao onze anos, quando entrei no ginásio, me puseram num colégio de padres, o Santa Cruz, que era de vanguarda, mas não a ponto de não ter missa e confessionário, o grande terror da minha infància. Eu era temente, dos castigos, do inferno, das trevas e de Deus, claro. Já na primeira comunhão, que fiz vestido de batina branca no colégio Sion onde minha irmã estudava, me falaram, aos sete anos, que se mordesse a hóstia escorria o sangue de Jesus. Mesmo assim eu dei uma mordidinha, mas bem de leve. Vai saber, né?

Pois nas minhas idas à Igreja São José, pertinho da casa do meu avó, descobri a salvação dos meus medos, me livrei das terríveis penitências, ou pude pelo menos parcela-las. Confessava parte dos pecados pro padre do colégio e a outra mais cabeluda deixava para o da São José. Porque embora minha bisavó conhecesse o padre, era tão metida que não dava muita trela para qualquer padre paulista, pois convivera até com bispos no Rio. E também já não escutava lá muito bem. Me ajudou bastante a ser ateu.
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