O ANIVERSÁRIO DA MENINA
Faz tanto tempo que nem sei se isso li, vivi ou ouvi, em algum lugar. Lembro-me dessa história sempre, todavia. Real, embora difusa na memória.
Encerradas as aulas da Aliança Francesa (Rio de Janeiro, Praça Mauá), entro na lanchonete ao lado. É tarde: apenas o proprietário encerrando o expediente. Enquanto aguardo o pingado, entra um casal e uma criança de uns três anos. Modestamente vestidos, mãos dadas, pai, mãe e filha, passos incertos, pouco à vontade, tímidos como quem está fora de seu ambiente, procuram a mais escondida mesa.
O pai verifica o dinheiro que traz no bolso e, vagarosamente, vai ao balcão; conversa com o comerciante e consulta novamente os trocados; volta à mesa e fala com a mulher; decidem, pedem uma pequena rosca e uma garrafa de guaraná. Silenciosos, passam a uma cerimônia que parecia ensaiada: a mulher abre a bolsa, apanha uma velinha de aniversário e a coloca cuidadosamente sobre a rosca, acendendo-a em seguida; o pai serve o guaraná –pouquinho para ele e a mãe; um tanto maior para a menina--. Parecendo envergonhados pela simplicidade e pobreza, evitam olhar para os lados e mantêm todo seu interesse na criança. Esta, de olhos bem abertos, refletindo sonhadores a pequena luz da vela, aguarda calada e paciente. Incentivada pela mãe, sopra a chama, apagando-a. A mãe parte a rosca cuidadosamente, distribuindo entre si o que selava o amor que os unia, o aconchego carinhoso presente em cada gesto, em cada olhar...
O comerciante pôs-se de costas e deixou-se dominar pela emoção, disfarçando o quanto o singelo e a beleza daquela cena alcançara sua sensibilidade. Deixei–me levar também pelo momento e seu significado. Sentimentalismo exagerado, a proximidade do Natal, o ambiente mágico e puro daquela cena... ou o que quer que seja, não havia como permanecer indiferente.
Enlevados, fomos surpreendidos pela entrada de dois jovens armados que anunciaram um assalto, disparando ordens seguidas em altas vozes. Tragédia que me segue em pesadelos, desde então: assustado, o pai levantou-se; supondo reação, um dos jovens acionou sua arma, atingindo a menina!...
José Eurípedes de Oliveira Ramos
Da Academia Francana de Letras
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