Dinorá e a filha aguardam o resultado dos exames no consultório. Dinora trouxera a menina por exigência da escola. Detestava consultórios médicos, e achava que o que a menina tinha era uma frescura.
- Ela precisa de ar puro. Os exames mostraram que ela tem uma fortíssima alergia à ácaros. Por isso seu nariz congestiona e tem um ambiente mais propicio à s sinusites.
- Mas eu não tenho como sair para o campo, doutor. Trabalho e vivo perto do centro de São Paulo. Ela passa o dia na escolinha. Aos finais de semana, eu e meu marido somos voluntários em uma Igreja. Nós catequizamos jovens que querem seguir o caminho de Deus.
Dinora aparentava ser uma mulher calma e bondosa.
- Ela fica aonde?
- Com a avó, em casa.
- Mas a senhora pode reservar um período de duas, três horas para ir a um parque, por exemplo. Ajudaria muito.
- E onde ficam os parques aqui em São Paulo? Os parques são mais poluídos que qualquer outro local. Tem gente que faz piquenique e joga papel no chão, bicicletas que não nos permitem caminhar, não há espaço na grama para estender uma toalha e relaxar, o sol parece disputado por cinquenta ao mesmo tempo por metro quadrado.
- Fique à sombra de uma arvore. Sua filha nem pode tomar sol com essa sinusite.
- E qual a graça de me sentar à sombra?
- Leia uma historia com a menina, deixe-a deitar em seu colo tranquilamente, de um pequeno passeio no parque. Arvores e sombras não faltam nos parques públicos.
- O senhor diz isso porque deve frequentar casas e hotéis de luxo na praia e no campo. Não sabe como são esses parques.
A aparência de calma e bondade foi se esvaindo. O medico tentou remendar a conversa, para quem sabe convence-la da importància de tratar a menina.
- Já que a senhora não gosta, chame sua mãe para leva-la.
- Ela não dirige.
- Então seu marido.
- Ele não tem tempo. É o pastor da igreja.
- Ele deve saber então a importància da dedicação aos filhos.
- Sabe. Todos nós somos filhos de Deus. Minha filha é uma delas. Deus se encarregara de encaminha-la.
- Com essa saúde, não sei não. Cuide dela.
- Vou cuidar é de mim. Vamos, Leandra. Esse doutor ta me deixando pirada. Hoje é dia de "Culto pelos Doentes". Eu tenho que estar lá.
- Mãe, um dia, quando eu estiver no hospital à beira da morte, você vai se lembrar do que esse médico te falou. E aí, quando eu estiver morrendo, você vai morrer junto comigo. Porque se arrependerá pela vida toda de não ter feito nada.
- Ce ta louca, menina? É só um resfriado... Todo mundo se resfria. Eu não tenho tempo pra tratar frescurinhas. Preciso cuidar dos doentes da Igreja que comparecem religiosamente. Esses sim precisam de milagres.
- Então porque a senhora não cura a menina, se é milagrosa?perguntou o medico, a fim de provoca-la.
- Não sou eu quem cura. É Deus, através das mãos de todos da Igreja.
- Então leve sua filha para ser curada...
- Vamos embora....eu já estou atrasada, querendo fugir do consultório. E a menina, no desespero e imaginando ser algo grave, pediu a mãe para leva-la junto a Igreja.
- Não é uma Igreja pra sua idade.
- Igreja tem idade, perguntou o medico?Pelo que eu saiba Deus é pai de todos.
- É uma Igreja especial. Só funciona à noite, o senhor entendeu?
- Entendi. Mas um motivo pra senhora saber quão importante é cuidar da saúde. Da sua também, principalmente. Concordo com a menina e digo mais: talvez a senhora morra antes dela. O seu caso sim, deve ser sério. Ou melhor, espero que não.Se a senhora resolver se tratar a tempo. E trate de sua cabeça, também, porque caminhas para a loucura.
- Doutor, hoje tem cura pra tudo, não é mesmo? Vi nas revistas, perguntando Leandra, ingenuamente.
- É verdade. Você vai ficar jóia, tenho certeza. Você é muito esperta. Ligue para mim quando quiser e a gente conversa. E deu um cartãozinho à quela mini-mulher de oito anos.
