Usina de Letras
Usina de Letras
101 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62231 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22537)

Discursos (3239)

Ensaios - (10367)

Erótico (13570)

Frases (50629)

Humor (20031)

Infantil (5434)

Infanto Juvenil (4768)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140805)

Redação (3306)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6190)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Crónica Doméstica -- 23/06/2004 - 16:49 (Érica) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hoje eu estava tirando pó dos móveis e dei com uma pequenina escultura: um pavãozinho de barro cozido, suas penas abertas em leque, cada uma com uma cor diferente, todas em harmonia e coerência. Quem o fez foi um anónimo artesão do Vale do Paraíba. Comprei-o há mais de 30 anos, quando eu era uma adolescente, cursando algo parecido como Aprendizado e Prática do Guia de Turistas. Era um curso oferecido pelo SENAC, gloriosa instituição de ensino que tanta profissão criou na minha geração. - Praticando a teoria, visitamos, como turistas, o Vale do Paraíba, onde comprei a escultura.

Com o pavãozinho na mão, limpando-o com todo o cuidado (até há pouco estava sob um tampo de vidro, numa mesinha baixa - mas o vidro se quebrou, é uma história muito longa, vou saltar este espisódio). E aí me lembrei do que aconteceu:

Ao entrar na "lojinha", um canto escuro da casinha do artesão, fiquei ali fascinada com as coisas que ele e demais faziam com as mãos, com uns poucos pincéis e umas rodelinhas de massa que se desfaziam em tintas de várias cores. Tão fascinada fiquei que perdi a hora de voltar para o grupo, que deu continuidade ao passeio, montaram numa perua (acho que era uma DKW... alguém aí sabe que tipo de carro era este? antidiluviano...) - e se foram. Fiquei na casa do artesão. Já se fazia tarde, ninguém parecia ter se lembrado de mim (mais tarde me recolheram, fui escolhida como a turista problema e servi de bom aprendizado para todo o grupo...). Aí comecei a ficar com fome... Era hora da janta. A mulher do artesão - não tenho outro nome pra ele, era um artista e tanto - se levantou da banqueta baixinha onde estava sentada, foi até um pedaço da sala onde estávamos ela, eu e o marido dela, se abaixou, revirou uns panos, voltou com um ovo na mãe e me disse:
--- Moça, tenho este ovo aqui. Vou cozinhar pra você porque deve estar com fome.

Constrangida, eu lhe disse que não tinha fome e que decerto o pessoal logo passaria para me pegar. Ela respondeu:

---Não se avexe não. Nós estamos acostumados a não comer, mas você não está. Gente da cidade come na hora certa.

E saiu dali sem mais. Realmente, ela colocou o ovo numa panela naquele imenso fogão de pedra onde ardia um fogo pequeno. O ovo ficou pronto, ela o tirou da água com seus dedos... soprou, soprou, para esfriar a casca. E me perguntou:

-- Quer descascar ele ou eu descasco?

--A senhora descasca. Tem faca? Vamos repartir.

Contra os resmungos da mulher e as negativas do homem, consegui pegar uma pontinha do ovo pra mim e dei pra eles a parte que poderia ser dividida entre os dois. E este foi o jantar deles. - Se eu não tivesse aceito comer aquele pedacinho que fosse, eu estaria ofendendo a hospitalidade deles.

Logo depois acertamos as contas, e o pavãozinho veio junto no pacote que comprei. Esta é a história desta escultura que está comigo há tanto tempo.

Coisa boa na vida é que temos memória. Dá pra esquentar uma tarde fria, sem vozes, sem amigos, sem parentes, sem nada. Como aquele ovo quente.
--------------------
Érica Eye
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui