"Suicídio é uma alternativa?" - me perguntou ele.
Que resposta posso dar a uma pessoa que já está com a mente firmada numa idéia destas?
- Tem gente que pensa que sim, tem gente que pensa que não - foi minha brilhante resposta.
"O que você acha - que sim ou que não?" - insistiu ele.
- Depende - continuei, brilhando.
"Depende de quê? Seja mais clara, por favor."
Já esperava pela insistência. O que ele quer - pensei - é meu aval. É minha cumplicidade. Ele está querendo se suicidar. E quer que eu aprove. Se eu aprovar e ele se matar, sou cúmplice. Se eu desaprovar, e ele se matar, sou negligente. Se ele continuar a viver, como poderei vê-lo tanto sofrer?
--Depende das circunstàncias - o clichê estava pronto, só dependia de eu tirá-lo do armário. - Olha, se uma pessoa está muito doente, está em fase terminal, já não aguenta mais a dor e quer descansar de tudo, pode ser que o suicídio seja a fórmula. Pode ser. Não digo que o seja, pois milagres também acontecem e pode haver uma possibilidade de a doença parar, algo acontecer.
"Você está mudando o assunto para eutanásia. Estou perguntando por suicídio. Um doente em fase terminal, cheio de dores, não tem a capacidade de se matar. Tem de depender de outros para isto. É o que se chama de eutanásia. E é ilegal aqui no país. Estou perguntando pra você sobre suicídio. Você aprova ou não?"
-- OK. Você quer saber, redondamente, se eu aprovo sua idéia de cometer suicídio, não é? É isto que você quer saber? Pois vou te dizer: se você se suicidar, nada garante que seus problemas vão terminar com sua vida. Podem até continuar numa outra, pois não terão sido resolvidos aqui. Isto é, se você acreditar em outras vidas, o que me parece que você não acredita. - Então, se acredita só nesta, aqui está uma oportunidade de se mostrar que é possível solucionar os problemas daqui sem se jogar na morte. É possível. E se não solucionar na exata medida em que você quer, pelo menos alguma coisa pode ser resolvida. Agora, o suicídio é uma resolução única - não tem volta. Se você está me perguntando se eu aprovo ou não, é porque você mesmo ainda não sabe se é válido ou não, se é ou não é a solução. Portanto, você já tem a sua própria resposta. Nem precisaria me perguntar.
"Então, vou me suicidar. Estou cansado da vida. Ninguém gosta de mim. Ninguém nunca gostou de mim. Nem minha mãe. Cresci como um vegetal, recebendo água da chuva e carinho do sol. Não sei fazer carinho porque ninguém nunca me fez nenhum. Não sei dar amor porque nunca recebi. Sou grosseiro com as pessoas porque todas foram grosseiras comigo. Sou um homem feio, mulher nenhuma me deu atenção. Uma ou outra, mas é porque decerto ninguém dava nada por elas. Pra que viver assim? Estou cansado desta vida. Vou me suicidar."
-- É uma possibilidade de descanso, não há dúvida. Pode ser que isto ajude você a parar de sofrer. Se é isto que você quer... mas ninguém até hoje voltou pra dizer se depois da morte a gente não sofre igual a que sofre aqui. Não sei. Não sei. Você me apresenta argumentação bastante forte. Mas ainda não sei te responder. Você está decidido, deixe uma carta para a polícia, outra para mim, explique tudo nestas cartas, para não ficar dúvidas quanto a meu papel nesta sua decisão. Seu livre arbítrio será sua única base de ação. Eu não estou querendo demover você de sua idéia nem tampouco estimular este ato. Você é quem sabe. Eu não vivo na sua pele para saber do grau de seu sofrimento com tudo o que você me tem contado. No entanto, dentro da minha perspectiva, eu sei que você pode solucionar muitos dos problemas que o tem acompanhado pela vida. E você também sabe que se pode solucionar. Leva esforço e tempo, mas tem solução. O suicídio leva esforço também, mas bem menos tempo... no entanto, não garante soluções para você. Garante a morte, mas não soluções.
"Obrigado. Você disse tudo. Obrigado. Não volto mais aqui para aborrecê-la com estas perguntas. Vou pagar minha conta na saída e termino hoje o tratamento. Obrigado."
Levantou-se e saiu. Olhei para sua ficha, nas minhas mãos: "Paciente: R....I .... - Suicida latente." Escrevi em vermelho: "Desligado do tratamento em ...."
Meu próximo paciente era um médico do interior, atrapalhado com sua amante virtual que insistia em conhecê-lo pessoalmente. O problema era que a tal amante era sua própria esposa, só que ela não sabia que se correspondia com seu marido. Cada caso... um mais complicado do que outro.
Ele entrou no consultório, sentou-se na poltrona e começou a falar.
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Érica Eye
