CHEGAR SEM IR?
Andava a passos largos, caminhava, ou, mais que caminhava: marchava.
Não se detinha a contemplar o mar, nem as flores ao longo da alameda e não se detinha para dar um dedinho de prosa com os conhecidos ou mesmo amigos.
Acenei ao passar de carro e estacionei mais adiante. Desci do carro e voltei em sua direção:
- Por que tanta pressa?
- É rapidez; não pressa.
- Aonde vai? Por que não vai de carro ou mesmo de ónibus?
- Não vou. Já cheguei.
- Como assim? - eu bem que sabia -.
- Meu destino é isto: caminhar, fazer ginástica, meu propósito é este: melhorar o condicionamento físico. E elucidou:
- Sabia que a ginástica libera um hormónio, a endorfina, que produz bem estar, bom humor, com benefícios, não só para o corpo, mas também para a alma? Acrescente-se a isso: enquanto caminho vejo a água, as ondas, as montanhas mais adiante, as flores, ouço até o canto de passarinhos, além de poder cumprimentar "de passagem" os conhecidos e conversar com algum deles que tenha a ousadia de interromper minha ginástica.
Enquanto dizia o final pigarreou. Marchava sem sair do lugar.
- Muito bem: Você está de parabéns; cuidar do condicionamento físico é cuidar do corpo, do cónjuge, do profissional, do amigo, do colega, do vizinho, pois tudo isto somos cada um de nós. É cuidar da psique, do espírito e da sociabilidade.
Ele acenou a cabeça concordando com minhas palavras. Acrescentei:
- Lembra-se do que disse a Você a respeito do escandir versos?
- Mais ou menos...
- Pois os objetivos do escandir versos - Ã semelhança do caminhar - estão no próprio escandir. Você leva das caminhadas não apenas a melhoria do condicionamento físico, mas também a lembrança das belas coisas que viu: a lembrança das ondas, do mar, das montanhas distantes, das flores, do verde, de muita coisa. O objetivo de caminhar não é chegar a alghum lugar; para isto teria o carro, o ónibus, o metró, o avião, etc. Seu objetivo ao caminhar não é chegar a algum lugar, mas a prática em si mesma. Quando Você escandir versos Você vai fixando a beleza do poema, princípios, valores, bens assim, sob o ritmo.
- Ah! entendo, entendo...
- Você disse que meu projeto com poemas poderia ter de esperar por cinco ou mais gerações para dar frutos, lembra-se?
- Acho que me lembro...
- Você tem sua razão; poemas são sementes cujos frutos podem levar tempo para serem colhidos, mas a violência, a criminalidade, a corrupção, a mendicància, etc, que fazem parte de nossa vida nos dias atuais são frutos de sementes plantadas há uma, duas, três, muitas gerações.
- Sim, sim...
- Tem mais: além de chegarmos mais rápido à queles bens: valores, princípios e sensibilidade contidos nos versos, sua leitura promete criar uma expectativa em nós e, principal e urgentemente, nos jovens de coisas boas que se podem esperar... Fiz-me claro? Chegamos mais rápido com o escandir poemas que com a busca de certos bens...
- Sim, pode ser...
- Desculpa-me ter interrompido sua ginástica. Se não fosse o bom humor que ela gera talvez nem pudesse ter abusado de sua atenção, ter dito estas coisas para Você. Vá em frente.
- Qual? foi bom te ver. Agradeço por tuas palavras.
CONVITE Á VOZ E ÁS MÃOS
No chegam textos mil. Maravilhosos.
Como fazer pra não os esquecer?
E logo chegam outros tão charmosos
como os primeiros, mas, como os reter?
Todos autores vêm esperançosos
de que seu texto possa enternecer
para fazer-nos, todos, mais bondosos.
Sim: isto é que pretendem nos trazer.
A todos eles sou agradecido
As boas intenções me fazem bem
Ter boas intenções quero também
Por isto a meus poemas os convido
a escandir, este é o modo de envolver
na poesia, inteiro, o nosso ser.
Diógenes Pereira de Araújo
diogenes@poemanet.com
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