Um aparelho de televisão de boa marca e ecrã médio, naquele ano de 1966, pesava cerca de 30 kgs, transmitia a preto e branco e, para que alcançasse imagem razoalvelmente nítida, tinha de estar ligado a uma antena com 3 mts de comprimento.
Com o país parado de lés a lés, os portugueses, em casa, no trabalho ou no café, a partir das 15 horas do dia 23 de Julho de 1966, estavam postados diante a um televisor, entusiasmados, plenos de convicta esperança, dado o êxito que os Magriços vinham até aí realizando. Ninguém contava que iria viver uma das mais fortes e belas emoções da sua vida. Inclusive, até os que só ouviram o relato do Artur Agostinho através da telefonia, experimentaram sob alta pulsação o acontecimento.
A selecção portuguesa de futebol, pela primeira vez apurada para disputar o Mundial da modalidade, estava em Inglaterra havia duas semanas e fazia parte dos 16 melhores seleccionados do mundo.
O sorteio colocara a equipa dos Magriços no Grupo C, juntamente com a Bulgária, a Hungria e o Brasil. Os magiares tinham fama de exímios praticantes e os brasileiros, com Pelé, Garrincha & Cª., partiam como incontornáveis favoritos. A maioria dos portugueses, sem ilusões, já se dava por muito feliz ao contar com a presença lusitana na ribalta futebolística. Ninguém sonhava ou tinha motivo para sonhar...
Estreando-se a 13 de Julho, em Old Trafford, Portugal bateu surpreendentemente a Hungria por 3-1 e a hipótese de acompanhar o Brasil na fase seguinte de imediato se apresentou plausível.
Três dias depois, os Magriços ganharam facilmente à Bulgária por 3-0 e, além de lograrem passaporte para prosseguir, colocaram o país em expectante euforia.
A 19 Julho, em jogo decisivo para o Brasil - os brasileiros haviam vencido os búlgaros por 2-0 e perdido com os húngaros por 1-3 - a selecção portuguesa ganhou por 3-1 e eliminou da prova a famosa equipa canarinha. Foi neste jogo que Vicente, numa entrada assaz rigída, lesionou gravemente Pelé.
Por consequência, a 23 de Julho em Goodison Park, Liverpool, logo que as selecções de Portugal e da Coreia do Norte entraram no relvado, não havia português que não considerasse o desfecho do jogo como favas contadas.
Os pequenos coreanos, espectacularmente lestos, em passes rectilíneos, curtos e rápidos, caíram ávidos sobre a defesa portuguesa e em breve lograram gerar o pânico e a estupefacção.
Logo no primeiro minuto, Pak Seung Zin abriu o activo para os coreanos. Li Dong Woon, ao minuto 22, subiu para 2-0. Três minutos depois, Yang Sung Kook, batia pela terceira vez José Pereira. Em menos de meia-hora os coreanos surpreendiam, não só os boquiabertos portugueses, mas o mundo inteiro. Os jogadores lusos estavam como que atordoados em face de tão catrastófico resultado.
Então, tenazmente indómito, jamais se dando deveras por vencido, Eusébio - ainda um desconhecido que estava em fase de revelar-se - empolgando toda a equipa, protagonizou um inesquecível e inimitável espectáculo de futebol a sério. Em sucessivas, persistentes e maravilhosas jogadas, aos 27 e 43 minutos, o pantera negra conseguiu repor a diferença mínima, resultado com que se chegou ao intervalo.
No segundo-tempo os portugueses regressaram ao jogo com precauções extremas, persuadidos que conseguiriam contornar a audácia coreana. Então, Eusébio, em dois momentos geniais - minutos 56 e 59 - colocou a equipa das quinas a vencer por 4-3. Os coreanos, aos quatro e cinco em redor de Eusébio, para impedirem os lances individuais do pantera negra, foram obrigados a cometer duas grandes penalidades.
Ao minuto 80, José Augusto culminou com o quinto golo um dos mais emocionantes encontros de futebol de sempre, hoje considerado uma exemplar e clássica memória da modalidade.
Nesse dia, o coração de todos os portugueses, sem que algum desse pelo efeito, terá estado parado cerca de uma hora. Quiçá por isso, passados 40 anos sobre a emoção, o meu coração ainda funciona razoavelmente, e sonho, sonho que Portugal de novo se levantará...
O ELENCO DA SELECÇÃO PORTUGUESA EM 1966
Seleccionador: Manuel Luz Afonso
Treinador: Otto Glória
Guarda-redes: José Pereira
Defesas: Morais - Victor Baptista - Hilário
Médios: Vicente - Coluna - Jaime Graça
Avançados: José Augusto - Eusébio - Simões
Ponta de lança: Torres
PERCURSO
13 Julho - Old Trafford
3 - Portugal - Hungria - 1
16 Julho - Old Trafford
3 - Portugal - Bulgária - 0
19 Julho - Goodison Park
3 - Portugal - Brasil - 1
23 Julho - Goodison Park
5 - Portugal - Coreia do Norte - 3
26 Julho - Wembley
2 - Inglaterra - Portugal - 1
28 Julho - Wembley
2 - Portugal - União Soviética - 1
PORTUGAL - 3º. CLASSIFICADO NO MUNDIAL 1966
António Torre da Guia |