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Infanto_Juvenil-->O INCRÍVEL MENINO DA GAITA -- 02/11/2003 - 14:19 (ADELMARIO SAMPAIO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O MENINO DA GAITA


Eu vi o menino uma vez só. Mas me impressionou tanto, que jamais esqueço dele.
Foi uma viagem que fiz a São Paulo com um conhecido meu. Ele é um médico psiquiatra em Goiás, e estudava comportamentos para um livro que estava escrevendo. Eu aceitei o convite, e só depois foi que desconfiei que eu próprio, era motivo de seus estudos.
Fomos então à Febem, e enquanto ele tratava do seu trabalho, vi um garoto ainda, que não sei precisar a idade, assentado em um canto do pátio, sozinho, tocando uma gaita de boca. Chamou a minha atenção, porque ele era diferente dos outros, e eu mesmo, sempre gostei de ficar assim isolado como ele.
Tocava muito bem, uma das músicas que gosto. Aproximei, e fiquei ouvindo. E assim que percebeu que eu gostava, tocou com mais entusiasmo, já que percebia talvez em uma única vez ali dentro, que tinha platéia. Fiquei também pensando que a música que ele tocava, não se parecia com o repertório mais ao gosto de meninos de sua idade.
Pude perceber o brilho em seus olhos, quando viu que eu aplaudia, e sem dizer nada, tocou outra melodia que também me agradava muito. Assentei-me então na calçada em que ele estava, e ouvi ainda outras músicas de um repertório que parecia ter sido escolhido por mim.
_ Gosto dessa música... – eu disse sem cumprimentá-lo.
_ Eu sei que gosta de todas que toquei...
_ Como sabe do que gosto? – perguntei intrigado.
Ele não respondeu, e eu perguntei em seguida puxando assunto:
_ Como foi que aprendeu tocar assim?...
_ Todos nós temos facilidade para aprender a fazer aquilo que está dentro de nós. Ninguém me ensinou... Simplesmente comecei a tocar.
Eu sentia estar diante de uma pessoa diferente. Não entendia o que era, mas algo de maior parecia estar nele, além da música, do jeito de falar... E o fato de estar separado do grupo, não era a conseqüência, mas a causa. Eu entendia isso, claramente sem explicações. E a resposta que deu à minha próxima pergunta, foi mais uma prova:
_ Como é seu nome?
Ele me olhou, e sorriu. Era um sorriso bonito, e a beleza estava muito além da brancura dos dentes, o que era também estranho num grupo de internos naquele lugar. E confesso que senti um embaraço diante do seu olhar penetrante e bondoso. E isso afirma para mim, o pensamento que tive que ele não era daquele lugar.
_ Você quer mesmo me conhecer? – respondeu ainda sorrindo. – Não pergunte meu nome. E se quer saber quem sou, não pergunte o que faço. Que importa um nome que alguém tenha me dado? E que importância tem a minha ocupação, ou o lugar onde uma pessoa tenha nascido? Não é por esses motivos que os homens julgam as pessoas? E que é que sabem quem julga por esses detalhes?
_ Você fala como se não fosse humano, _ eu disse.
Ele riu alto desta vez, e não me deu resposta. E eu vi que o seu rosto parecia esconder um segredo. E mais intrigado eu fiquei com a sua atitude que até hoje não sei se era uma brincadeira. Levantou-se, abriu os braços em forma de cruz, e disse pendendo a cabeça para a frente, como se estivesse morto crucificado. Achei no momento que ele foi tão bom ator, que só não parecia mais com Jesus Cristo, por causa da idade, e do rosto liso, sem barba. Mas eu só fui entender o seu gesto, quando ele de braços assim aberto, disse:
_ Sou Jesus Cristo!...
Eu ri no momento, mas sentindo que havia algo estranho na brincadeira. E perguntava a mim mesmo, que brincadeira é essa? E em tom de brincadeira, eu perguntei:
_ E o que é que o próprio Jesus Cristo faz aqui nesse lugar?
_ Jesus Cristo entra onde quer... Mas para não ser notado onde está, usa artifícios.
Esperei que continuasse. E eu não sei o que é que se passava comigo naquele instante, mas a brincadeira me dava um frio gostoso no peito, e sinto o mesmo todas as vezes que me lembro... E como ele ficou calado, eu perguntei:
_ E qual é o artifício que Jesus usou para entrar num lugar como esse?
_ Desta vez, fiz o seguinte: Tocava a minha gaita na véspera de natal do lado de uma grande loja no centro da cidade. De vez em quando, parava uma pessoa atraída pela música, e foi-se formando um círculo ao meu redor, porque as pessoas achavam que havia algo de diferente no espírito da minha música.
Então o Papai Noel da loja veio até onde eu estava, e disse que eu não poderia ficar ali, porque estava atrapalhando a movimentação das pessoas. Eu brinquei com ele, dizendo que a minha música era mais importante que todas as lojas da rede onde ele trabalhava. As pessoas à volta me aplaudiram quando falei, e isso fez com que ele ficasse mais furioso do que estava.
Mas a gota d água, foi quando ele voltou irritadíssimo alguns minutos mais tarde, e perguntou em tom desafiador:
"_ Quem você pensa que é garoto?!...
_ O próprio Jesus Cristo, - eu respondi rindo. E como todos os presentes começaram a rir também, ele saiu ameaçando, e esbravejando. Continuei tocando. E de longe, vi que ele conversava com um dos guardas da loja. E eu me distraí tocando, quando de repente, o segurança chegou por trás, e tirou o meu instrumento, sem que eu pudesse fazer nada. Eu ainda argumentei que ele não podia fazer isso, mas de nada adiantou.
E vi quando voltou e entregou a gaita ao Papai Noel, que me olhou de longe com um ar de zombaria, enquanto guardava-a no saco que tinha nas mãos. Fui até ele, e pedi que me entregasse o que era meu, que eu prometia não tocar mais ali. Mas em resposta, ouvi a sua zombaria:
_ Rô, rô, rô... O garoto quer a gaita dele!... Rô, rô, rô!...
_ Como vi que ele não me entregaria, tomei o saco dele, e corri para a rua. Tirei a minha gaita, joguei o saco, e continuei correndo, mas fui agarrado pela polícia. E é por isso que Jesus está aqui preso como um trombadinha, um ladrão... É assim que ele entra em todos os lugares disfarçado, conforme o ambiente do lugar. Ele pode ser um mendigo em um, ou um executivo em outro... E até em igrejas, eu entro assim, sem nunca ser reconhecido por pessoas que cantam músicas com meu nome, e fazem orações pedindo coisas dos seus interesses. E no meio deles, eu me escondo sem jamais ser descoberto...
O menino parou de falar, e me olhava sorrindo, sem que eu soubesse se falava sério, ou se brincava. Ele sorria, mas as suas palavras não tinham o mesmo tom das brincadeiras, mas também não tinha a minha lógica... Eu não disse nada, mas uma vez mais, parecia conhecer meus pensamentos.
Mas até hoje fico intrigado sem saber com quem falei naquele dia. E as suas palavras seguintes, podem ser aplicadas tanto a um como a outro se eu quiser escolher quem era aquele que estava ali:
Não sou quem dizem que sou... Eles não me conhecem. Estou preso, pelos que dizem promover a paz. Se eu gritar para que me ouçam, dirão que sou louco. Se eu toco para ver se tem alguém com o coração parecido com o meu, se fazem de surdos, ou me expulsam do lugar. Mas um dia descobrirão quem sou, eu tenho certeza...
Nesse momento, o meu conhecido chegou, e o que o menino dizia, foi interrompido. Então o psiquiatra falou comigo me chamando par ir embora.
Eu estendi a mão, e apertei a do menino, e isso fez com que fosse repreendido enquanto saíamos:
_ Tenha cuidado com essa gente. Esses meninos são muito perigosos. Podem inventar qualquer história para enganar as pessoas. E o que é pior, quando cativam a confiança de alguém, podem matar sem mais nem menos, se descobrem que suas vítimas tenham alguma coisa que possam roubar...
Eu não disse nada. De longe, podia ouvir a música da gaita. A melodia era uma das minhas preferidas.
Eu fiquei muito impressionado com o menino. E alguns meses depois voltei a São Paulo, somente para falar com ele com mais calma. Mas não foi possível. Eu não sabia seu nome, e não sei se não quiseram falar, mas ninguém dava qualquer informação do menino da gaita.

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Adelmario Sampaio
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