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Contos-->O Blog da Mãe -- 03/06/2006 - 20:43 (Sergio Marcondes Cesar de Araujo Lopes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Já era a terceira vez que Rose batia à porta, dessa vez com mais inquietação que nas vezes anteriores. As batidas, ritmadas com os apelos para que a patroa se manifestasse e fosse receber os filhos, ecoaram pelo corredor.

- Rose, fala para voltarem amanhã. Estou morrendo de dor de cabeça. Aliás, de enxaqueca, das bravas.
- Dona Iara, eles disseram que dormem no sofá mas não saem daqui enquanto a senhora não falar com eles.

O silêncio se fez prolongado e puro durante mais de minuto, enquanto Rose podia ouvir pedaços da conversa que corria na sala.

- Rose, diga que se quiserem falar comigo, que venham até a porta e falem. Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira. Se querem falar, posso ouvir tudo. Diga a eles que nem tenho pressa, que podem falar bastante. Sou toda ouvidos. – e riu gostoso demais para quem sofria com enxaqueca.
- Tá bom dona Iara. Eles não vão achar graça nenhuma.
- Mas não é piada, mesmo. Só ri quem quer. – e riu de novo.

Rose voltou para a sala e logo em seguida surgiam os dois filhos, ambos em torno dos trinta e cinco anos, elegantemente vestidos e ostentando semelhante ar esbaforido e mal-humorado. O rapaz, de terno, já afrouxara a gravata e parecia suar muito, molhando as extremidades da gola da camisa azul-claro, e a moça, também de terno, parecia mais calma, ou menos nervosa, que o irmão, vindo atrás dele pelo corredor que levava ao quarto da mãe.

- Mãe, abra a porta! Precisamos conversar. – esbravejou o rapaz

- Vai, mãe, abre isso aí. Parece criança!

- Quem precisa conversar? Vocês? Eu não preciso.

- Mãe, por favor, abra essa porta e vamos conversar.

- Falem daí, eu não convidei ninguém.

- Virou criança depois de velha, é?

- Ihhh. Não basta ignorarem a mãe, agora vão agredir também?

- Quem está agredindo quem, mãe? Que estória é essa de internet? A senhora enlouqueceu de vez!

- Sabia que era sobre isso.

- E sobre o que seria? A senhora cria um site pra meter o pau na gente, expõe os filhos ao ridículo e acha que poderia ser outro o assunto?

- Blog!

- Que?

- É um blog, menino, um blog é diferente de um site.

- Ahhh, blog, site, o que a senhora fez foi palhaçada!

- Palhaçada? Vou lançar uma enquete no blog para saber se todo mundo pensa como você, minha filha. Em dois dias saberemos se você está com moral ou não.

- Se você fizer isso eu nunca mais falo com a senhora.

- Ué, você fala comigo hoje em dia?

- Ai, mãe, essa paranóia sua já deu, não? É carência demais! Por que a senhora não arranja um namorado, ou uma turma de amigas pra jogar baralho, sei lá,... .

- Não preciso, agora tenho meu blog, que me ajuda a registrar as coisas que meu coração costuma esconder pra minha cabeça esquecer.

- Mãe, a senhora sabe o quão chato está sendo esse negocio de site pra nós?

- Blog!

- Blog, blog, que seja! O pessoal do escritório até me olha de lado agora. Você me expôs ao ridículo!

- Eu não! Quem se expôs ao ridículo foi você, sendo um péssimo filho. Eu apenas registro minhas memorias no meu blog, para quem quiser ler.

- E essas suas memorias me prejudicam perante a sociedade. A senhora faz ideia de quanta gente já leu esse troço?

- Vinte e seis mil e quatrocentos e quatro visitantes únicos. Isso hoje depois do almoço. Agora já deve ter mais gente.

- Tem até cliente meu que viu isso. Eu sou advogado, sabia? Isso prejudica minha carreira. Isso é irresponsável!

- Mãe, até a tia-avó do Sílvio já viu. Ela ligou pra mãe dele na mesma hora. Até minha sogra já leu essa droga!

- Meus queridos, não expus ninguém, a não ser a mim mesma. Vocês vieram aqui nessa hora – Ju, você deixou seu filho em casa pra vir aqui perder o nosso tempo – pra exigir de mim um compromisso que nunca assumi. Vocês querem ser péssimos filhos, me deletam da vida de vocês, não ligam nem no dia das mães, e exigem que os poupe perante os outros!? Pra que? O que eu ganho em troca? Não, não, trouxa eu já fui! Aliás nem sei se eu era trouxa ou se eu simplesmente estava debitando os créditos filiais de vocês. Seja lá o que era, acabou.

- Mãe, independente desse chororô todo, independente de quem está certo, o fato é que a senhora está nos prejudicando, e uma mãe não deveria prejudicar seus filhos.

- É contra a natureza, mãe. Eu sou mãe e sei disso!

- Mas eu sou uma boa mãe, vocês não me deixam nem provar o contrario. A natureza da mãe é tão espontânea quanto a natureza do filho. Eu sei disso, meninos, eu também sou filha, há bem mais tempo que vocês.

- Se a vovó vir isso ela te mata!

- Sua avó? Ela recebe páginas impressas quase todo dia. Ela morre de rir. Ontem eu liguei pra ela para contar que dei uma entrevista para a Veja e ela teve que desligar pra não fazer xixi na calça. Acho que ela remoçou uns anos com essa estória.

- O que? Veja?

- É verdade? Você deu uma entrevista?

- Entrevistaram você?

- Mãe?

- Mããe! Fala a verdade!

- Droga, mãe! Fala alguma coisa!

- Sábado nas bancas! Virei celebridade. As pessoas se identificam comigo. As mães são solidárias na solidão, mas não estão sós na solidariedade! Vixi, vou escrever isso. Vou pôr na home!

- Mãe, a senhora enlouqueceu!

- Enlouqueci, sim, em 1968, quando você nasceu, quando virei mãe. Desde então vaguei louca por aí. Agora me libertei dessa loucura. Consigo enxergar as coisas de forma clara. Consigo ver a incompetência de vocês como filhos, e sei da minha culpa nisso. Esse blog é minha punição a mim mesma, a exposição do meu fracasso materno. Os que me escrevem julgam as atitudes de vocês, mas também as minhas. Somos todos farinha do mesmo saco. Eu criei vocês, e vocês não foram capazes de corrigir meus erros, nem de ao menos se incomodarem com eles. Sabe o que mais? Criem um blog para vocês, falem sobre mim como mãe, procurem explorar o lado divertido disso tudo. Riam de si mesmos, riam de mim. Eu tenho rido bastante, e isso tem me feito um certo bem. Que tal minha ideia? Querem dicas para o blog de vocês?

- Ih, dona Iara, os dois já foram faz um tempinho. A senhora tá falando sozinha! – disse Rose enquanto apagava a luz do banheiro do corredor.

- Ah, que chato! Eles devem ter ficado mais bravos ainda. Ih, não quero nem ver depois que eles lerem a revista.
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