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Contos-->IX - O Padrinho -- 27/05/2006 - 09:40 (José J Serpa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


IX - O Padrinho

Queria o padre estar a sós comigo.
Fomos sentar-nos ambos na varanda:
—Olha, rapaz, desculpa a sarabanda,
mas isto... gente nova é um castigo...

Tu... bota bem sentido ao que te digo:
nestas terras pequenas isto anda
ao ralenti ... aqui ainda manda
a moda velha, o costume antigo.

Namoro na rua, não. É só em casa...
E isto de andares a arrastar a asa
às raparigas, nesta escuridão,

sozinhas por aí fora, não está certo!
Se não houver alguém por ali perto,
acaba tudo na màcriação...




—Não, Senhor Padre, não, não tenha medo.
Não sou assim um animal qualquer
e o saber respeitar uma mulher
foi coisa que aprendi eu muito cedo.

Que eu goste de Milena não é segredo.
Mas não se agaste... eu não a vou comer
assim ao cru. Ou se ela não me der
ocasião para isso... E algum enredo

ou mexerico, ou coisa que se diga
a enxovalhar a pobre rapariga
não vai partir de mim, não. Pode crer...

—Eu falei-te assim desta maneira,
nesta linguagem rude... assim caseira,
p´ra que imagines o que vão dizer...









Os outros por aí... Olha, imagina
se vos vissem, assim, só tu e elas,
perdidos nessas ruas e vielas...
Pensa no que diria a Josefina...

E a outra, aquela língua viperina
da Guiomar, e as outras tagarelas
todas da vila a inventar novelas
escabrosas: ´aquela da Argentina

e a do padre... só... com o rapaz
da quinta... prenhas já ele é capaz
de as ter´. E pra ser franco isso acontece

a toda a hora... olha, eu cá por mim...
tenho medo também, ai tenho sim...
sei muito bem como o diabo as tece.




—Também fui moço, e, como toda a gente,
amei e fui amado... E fiz burrice...
começa-se por nada, uma meiguice
e depois outra... e haja quem se aguente...

A minha, coitadita, era inocente...
tudo o que fez foi pura criancice,
só para agradar à minha gulodice.
A culpa foi só minha, inconsciente,

que não a protegi do meu... carinho.
Aquilo era tenrinha – um torresminho...
provei e pronto, fui até ao fim.

Quando me tirei dela, a desgraçada
par´cia uma borrega esquartejada...
virilhinhas sangrando... ai de mim...








Gemia e tiritava... um frenesi
que eu não sei se era dor ou se era frio...
sei que me pareceu um desafio
e que a tomei de novo... e repeti

até que me cansei e que consumi
até ao fim aquele bruto cio...
Foi então que me encheu este vazio
que eu carrego na alma. Este fastio

por tudo o que é pecado, o que é luxúria.
A coitadita nem se pôde erguer
eu é que a levantei e que a vesti...

dorida... santo Deus... numa lamúria:
“ai tudo me dói... não vou poder
andar... ai, isto doi-me tudo aqui!”




...E apontava... E não houve jeito
de eu a mandar embora... e levei-a,
de novo, para a cama e deitei-a...
Tremia tanto que agitava o leito...

corpinho frio, dorido e desfeito...
deitei-me ao lado dela e aconcheguei-a
“parace que me deste uma tareia...”
tentou sorrir, chegando-se ao meu peito...

e adormeceu assim como criança
que se aninhava em plena confiança
no colo maternal... O que eu sofri,

José, remorsos, meu rapaz... nem sei...
com ela nos meus braços eu chorei
a mais pungente dor que já senti.








—Connosco isso não vai acontecer!
Mas peço que me poupe ao pormenor
dessa história horrorosa, desse... horror.
Não estava preparado... olhe, se quer

que eu lhe diga, amar uma mulher
não é no seminário que o Senhor
ia aprender. Mas seja como for,
eu e Milena ainda nem sequer

nos conhecemos bem... e até, quem sabe?...
talvez a gente nunca mais acabe
fazendo amor... não sei...se amando... assim

como homem e mulher. Mas lhe garanto,
se acontecer, não há-de dar em pranto,
nem p´ra Milena, nem depois p´ra mim.




—José, não caias nessa tentação,
pelo amor de Deus. Amor carnal
é baixo, é reles, vil, é animal...
É perverter a própria criação!

Oh, não sujeites ao jugo da paixão,
a um apetite reles, bestial,
a tua própria alma imortal...
nem arrastes Milena à perdição!

Não queiras, meu amigo, este tormento,
este remorso imenso, esta agonia
a torturar-te a alma noite e dia!

Tudo por nada... nada... um momento
de prazer... não, José, pensa primeiro...
não te afundes assim nesse lameiro!








—Padre Tobias, não! Teologia
assim, tão desumana, não convence
ninguém. E por pior que o Senhor pense,
por maior que seja essa fobia,

o amor humano é santa liturgia...
é o mais santo, puro e comovente
encontro com o divino... um inocente
estar na mão de Deus que concilia,

e que arrebata, num fervor sublime,
os dois... e que os empolga e os redime...
Não há altar no mundo mais sagrado

que uns braços amorosos de mulher,
onde o homem se imola ao transcender
a triste solidão do exilado...




—Falsa filosofia... E indecente!!!
Por mais, José, que a gente dissimule
não há nada no mundo que macule
mais fundo a alma... —Pronto, minha gente!


Eram elas. Chegavavam de repente,
vindas lá da cozinha, com um bule
um lindo bule de porcelana azul,
a fumegar de chá cheiroso e quente.

Vinha tudo em enorme tabuleiro:
chávenas, pires e açucareiro,
da mesma louça azul. Biscoitos secos,

caseiros: —Olhem, molham-se no chá...
assim... Fê-los a Leonor. Que bons! Não há
quem os faça tão bons por estes becos



Continua



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