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Contos-->VI - Elvira -- 24/05/2006 - 07:32 (José J Serpa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VI - Elvira



A pobre da Milena, resgatou-a,
daquela horrível cena, a boa Elvira,
levando-a para o seu quarto. –É mentira
tudo o que o Chico diz! Essa leoa
da tua tia... é... é má pessoa,
mas esse Chico... oh, ninguém lhe tira
o primeiro lugar. Vira e revira,
é capaz de comer uma meloa
sem a partir. Grandíssimo aldrabão!
Mas deixa. Olha, eu levo-te à pensão,
que brigas, eu já vi, não são pra ti.
A Florinda contou-me que tens gosto
naquele moço lá da Quinta... Aposto
que em pouco tempo o vês. Vem por aqui...


E foram por esconsos e travessas
para evitar olhares indiscretos...
Não havia entre as duas mais afectos
que as emoções presentes, e mesmo essas
eram confusas. –Olha, não te esqueças
—disse a Elvira—que eu já tinha projectos
p´ra te ver longe destes... inquietos,
mas olha, aconteceu tudo às-avessas.
Queria ver-te só para te avisar
para que não caísses em casar
co Chico Pana, aquele inconsciente...
Pedi inda à Florinda, mas coitada,
ela não foi capaz de arranjar nada...
depois foi isto assim, num de repente.



Ao chegar à pensão, Milena insiste
com Elvira que entrasse: —Olha, Elvira,
um bom ralhanço já ninguém mo tira...
vamos, não tenhas medo... tu não viste
ainda o meu quarto... ele é bem triste
comparado co teu... mas nem admira,
quartinho reles de pensão caipira...
mas vamos, anda, entra, entra, ouviste?!
A minha tia vai ficar ruim,
mas não faz mal, porque ela é mesmo assim,
ralha comigo por tudo e por nada...
Deus queira que isto agora a desengane...
e o maldito do homem que se esgane
co prédio que roubou à desgraçada.



Elvira entrou... Um tanto apreensiva,
mas entrou. E Milena, hospitaleira,
ofereceu-lhe a única cadeira
do quarto e, sem outra alternativa,
pôs-se a afastar, um pouco, a respectiva
colcha para se sentar à cabeceira
da cama. Nisto rola a travesseira
para o chão, e ambas, numa tentativa
espontânea para apanhar a almofada,
dão-se mútua e medonha cabeçada...
e riem, riem, riem a fartar...
Milena é que pôs fim à brincadeira,
Dizendo aflita para a companheira,
—Calar, calar! Meu Deus, a Guiomar...


A porta abriu-se e, mesmo sem entrar,
alguém meteu o rosto na abertura...
era, de facto, a cara feia e dura
da dona do lugar, da Guiomar.
Nem abriu boca. Só aquele olhar
cortante e frio... Nem uma escritura
teria dito mais da criatura
e do recado que ali vinha dar.
Ambas as moças, muito envergonhadas,
ficaram para ali embasbacadas.
Com os olhos na intrusa ... A Milena
inda esboçou uma desculpa breve,
mas em vão, Guiomar não se deteve
para a ouvir, e abandonou a cena.


Entreolharam-se ambas no espelho,
num gesto de amizade e simpatia:
—É má não é? —Se é! Tem a mania
de andar sempre a meter cá o bedelho.

O quarto era pequeno e tudo velho.
A cama era de ferro e quase enchia
o espaço todo. A um canto ainda havia
um guarda-fato antigo e vermelho.
Uma mesinha com a mesma cor
aos pés da cama era o penteador,
debaixo do espelho na parede.
—É pequenino, é — disse Milena
A modos de desculpa... — uma pena...
Nem é lugar onde ninguém se hospede...


Mas olha, até tem porta para o quintal...
às vezes escapo mesmo por aqui
e vou até ao mar... é mesmo ali,
é só atravessarmos um pinhal.
Só tenho é medo... que isto afinal...
não conheço vivalma por aí.
O outro dia - que susto - até corri,
sentia-me mais leve que um pardal...
Era um homem tão grande, tão grandão,
com umas barbas pretas e um bordão
enorme, sem sapatos, pé rapado...

Elvira riu-se muito —isso é o Rosca,
coitado, não faz mal a uma mosca,
um tonto, inofensivo, um desgraçado.


—Pois é! Pois é! Mas, olha, não sabia
e tive um medo!... Nem queiras saber,
como se alguém viesse a correr
pra me matar, Elvira, que agonia!
Agora já conheço. A minha tia
conta que ele á assim depois de ter
perdido o que tinham p’ra viver
às mãos da Chica Pana, essa mafia...
a quem ele empenhou a casa e o pouco
de terrinhas que tinham, por dinheiro
p’rà mulher se ir tratar para Lisboa.
Ela morreu e ele ficou louco
e agora anda por í o dia inteiro
em rezas p’rà mulher vir de lá boa.



A simpatia pura e cristalina
que crescia entre as duas raparigas
ia-as fazendo mais e mais amigas,
duma amizade forte e genuína:
—Há tanto tempo aqui, e imagina,
foi preciso haver estas intrigas
pra gente se encontrar! Olha não digas
ainda nada à... tia Josefina,
(desculpa, mas eu cá não posso vê-la...)
Mas, meu padrinho vai falar com ela
P’ra te deixar sair deste... pavor...
e ir visitar-me. E damos uma volta
por aí fora... E então, por aí à solta,
olha, vai ser do bom e do melhor.


Olha, Milena, até aqui foi mal...
mas, deixa, agora que eu já te conheço,
isto vai virar tudo do avesso.
O meu padrinho pede, ele é legal,
hás-de ir lá visitar-nos ao Passal.
Mas não ouves, lá dentro? É o regresso
da tua tia... Ai!... que eu ainda impeço
com ela!... Não!... eu vou pelo quintal.

De facto, lá para os lados da frente
começara um berreiro indecente...
de praga e grosseria... guedelhuda...
Elvira abriu a porta. —Eu vou, Milena,
antes que me aconteça alguma cena
triste... Tu... calma, que isto agora muda!



E é que mudou. Daí a poucos dias
veio Elvira à Pensão a convidar
Milena para irem passear...
— E com a aprovação das tuas tias!
—Só tenho uma... e tu não te rias
da minha vida, deste meu penar:
a Josefina sim, a Guiomar
nada me é, a não ser arrelias.

Riram e foram ambas num passeio
que as levou à Igreja e ao Correio,
ao Porto e à Casa Primavera...
Apanharam florinhas no jardim,
“uma é pra ti, e uma é para mim...
só não foram à quinta da Galera!

Continua
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