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Contos-->V - Florinda -- 22/05/2006 - 22:38 (José J Serpa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
V - Florinda



Com a vinda de Milena e toda aquela
barafunda, na Quinta da Galera,
tudo mudou. Florinda renascera.
Mostrava-se aguerrida na querela
que se ia aos poucos armando entre ela
e as da pensão: —Malvadas! Oh, prouvera
a Deus! Mas eu... não perdem pela espera...
hei-de vê-las as duas numa cela!

O Gonçalo também. Que entusiasmo,
sempre que se falava de Milena:
—Aquelas cabras! Eu ainda pasmo
daquele atrevimento... aqui metidas,
como se fosse!... E a pobre da pequena
sujeita àquelas duas atrevidas.



Passou Florinda a vir todos os dias
à Quinta. Vinha à tarde e ia dando
notícias de Milena, e contando
o que ia descobrindo das manias
da Josefina: —A do Padre Tobias,
Elvira, aquilo é funda, mas eu ando
a descosê-la... ela de vez em quando
lá escorrega: ‘Florinda, tu sabias
que o Chico veio cá falar com o velho
já duas vezes? Veio pedir conselho...
não sei para quê, parece casamento...
coisas da Josefina da Portela
e duma moça que veio com ela
da Argentina pràquele ferrugento’.



‘O velho’ era o padre. E a Elvira
era sobrinha dele. Ou... bom... amiga,
a fazer fé nalguns: —E há quem diga
que é as duas coisas. —É mentira!
Despeitas e invejas... Nem admira...
tudo atrás dela e ela nem lhes liga...
enxovalham a pobre rapariga.
— É.... Mas a fama já ninguém lha tira.

Era Florinda pronta a defender
as virtudes de Elvira e o Gonçalo
a fazer de advogado do diabo.
—Onde há fumaça há fogo. Ela é mulher
e o padre, no Passal, é que é o galo...
e ela é bonita... só aquele rabo!


—Velho baboso! Havia ter vergonha!
Não tem idade já pra tal tolice
‘aquele rabo’! ... Ai se ela o ouvisse
dava-lhe umas palmadas nessa fronha!...
C’os pés pra cova... Olhe, não se ponha
agora a sonhar com parvoíce...
Tenha juízo, homem, já lhe disse...
e não fique com essa carantonha,
que quem deseja aquilo a que não chega
vive inquieto e nunca mais sossega...
deixe isso pròs rapazes, ó Gonçalo.

Era a brincar, mas ele abespinhou-se.
Florinda deu por isso e desculpou-se
e pra fazer as pazes quis beijá-lo.


—O sonho e o desejo, ó Florinda,
não morrem nunca. Eu sei que sou velho
que bem me sinto e também tenho espelho,
mas inda sonho... E desejo ainda!
E quando vejo uma moçoila linda
como é Elvira... o beicinho vermelho...
e que quadris, que perna, aquele artelho...
peitinhos a saltar-lhe da berlinda...
...São más, ruins, vocês, mulheres velhas!
São tão ruins vocês como a abelhas...
matam o macho à fome e ao desprezo
quando já não lhes serve nos caprichos...
Não sejas má! Os velhos não são bichos...
e que eu sou velho... sou, mas velho teso!



Com lágrimas nos olhos, o velhote
saiu porta fora. Ela, espantada,
olhou-me, arrependida da tirada,
e saiu atrás dele, num virote.
Vi-os depois sentados num caixote,
no terraço. Florinda, desolada,
tentando consolá-lo da piada,
limpava os próprios olhos ao saiote...
Uma amizade já de muitos anos
plasmara as duas almas de tão de perto
que, quando uma sofria desenganos,
tristezas, ilusões, o sofrimento
duma tocava a outra no concerto
da mesma dor, do mesmo sentimento.


A Amizade cresce e se envigora
contente só de si... é mais isento,
o mais puro, o mais nobre sentimento
de que é capaz um coração... Embora
se cante e louve Amor, Amor devora,
puericida, o seu próprio rebento,
de egoísta que é e avarento...
Quanto parece dar, não dá – penhora.
A Amizade pura e verdadeira
dá-se espontânea, livre e toda inteira,
nada reserva, nada pede em troca.
De beijos e carinhos usurário,
Amor é de Amizade tão contrário,
que quanto abraça Amor, Amor sufoca.


A quanto a amizade não obriga!...
A Florinda chegou com ar festivo
de quem traz mais notícias: —O motivo
para quererem casar a rapariga
co patife do Chico é intriga
das duas... Descobri!... O objectivo
é reaver a casa e o respectivo
terreno da Portela... É velha briga.
Quando a mãe morreu, a Josefina
pediu, exigiu, até mandou
um advogado cá da Argentina,
imaginem! Mas o unhas de fome
do Chico tanto fez, tanto aldrabou,
que às tantas tinha tudo no seu nome.


Antes da Guiomar ir pra Angola
eram amigas já, e confidentes.
Nas cartas que trocavam, frequentes,
conjuravam-se já contra o carola
do Chico. Guiomar comprou pistola,
e trazia um papel ‘as competentes
palavrinhas que aquele tira-dentes
há-de assinar ou ir para a gaiola’...
e exibia o escrito que trazia
‘a confissão do roubo que o patife,
o sem vergonha, fez à luz do dia...
para que conste e toda a gente veja...
e de pressinha antes que eu lhe espatife
os miolos com esta benfazeja.’


Era assim pitoresco o linguajar
da mana Guiomar... faca e calhau...
aquilo era mulher de instinto mau
se se zangava, era logo a matar
Foi madrinha de guerra até casar
com um sargento sorna, em Bissau.
Um de Santa Maria, o garajau,
que finalmente a mandou chamar
para a Guiné. Lá foi. Pouco depois,
já ambos em Angola, abasteceram
a tropa com feijões, vacas e bois
que a Guiomar e ele iam comprar
no mato, aos pretos . Lá enriqueceram
e, retornados, cá estão a morar.



A Florinda de certo inda não tinha
chegado ao fim daquela excursão
ao passado dos donos da pensão.
Ia continuar a louvaminha
quando a interrompeu a campainha
que pendia lá fora no portão
e que servia apenas a função
de avisar que à porta da cozinha
ia surgir alguém... logo a seguir
um vulto desenhou-se na incerteza
daquele anoitecer e, num instante,
Florinda levantou-se e foi abrir
a custo dominando a surpresa
que lhe causava aquele visitante


—Senhor Padre , isto é mais do que se vê!...
Traz aguinha no bico, sim senhor...
passa ano sem cá vir este pastor
e agora assim aqui sem mais nem quê...
O que é que o traz por cá... ninguém o vê,
homem de Deus, mas entre, por favor
não fique aí à porta que o calor
ainda lhe faz mal... Vossemecê
entre, venha cuidar das ovelhinhas
do seu redil... de que um dia há-de dar
contas a Deus que há-de querer saber
se olhou por elas, pobres, coitadinhas,
ou se as abandonou para manjar
do lobo mau que só as quer comer.



Padre Tobias não se atrapalhou:
—Língua de trapos, veja não lhe caia
algum dentinho! Seu rabo de saia,
atrevidona, eu visto calças, sou
o seu Prior e não lhe dei, nem dou
confiança pra isto, sua arraia...
Eu vim cá prevenir... não se distraia,
que isto daqui pra lá tudo mudou!
Deixar de andar aí na linguarice.
A Elvira já foi bem castigada
por ter caído assim na patetice
de lhe contar o que era um segredo...
Mas a culpa é só sua, desgraçada....
E se não tem vergonha tenha medo.


—É só o que lhe digo. É um alerta.
E não se atreva a ir mais ao Passal
pra ir sondar a Elvira... sai-se mal...
nem pense que não vai ser descoberta...
A pobre moça não é muito esperta,
é uma ingénua é, mas é leal
ao tio que a criou... é natural
que me há-de dizer tudo - fique certa.
E comigo é que tem de se haver...

Deu meia volta e foi fazer tinir
De novo a campainha do portão...
Nós ficamos pasmados sem saber
O que dizer ou mesmo o que sentir
daquele facundíssimo sermão


Reagiu Florinda: —Ai, agora
é mesmo o fim. Eu acho que não há
mais casamento... e não me admirará
se a Josefina se for já embora.
Mas eu ainda hei-de ir por aí fora
sondar minhas comadres. Deixa lá
que se não for Elvira, outra será,
pois isto em cada hora Deus melhora.

Voltou no outro dia. Era certo
que o fim de tudo aquilo estava perto
a Josefina fora convocada
pra ir ao Passal com a Milena
e depois duma triste e longa cena
tinha vindo de lá desenganada.


O Chico não casava com ninguém...
e o prédio da Portela, era esquecê-lo:
—O prédio é meu, só meu, e tem o selo
da posse justa. Quando a tua mãe
morreu, devia lá no armazém
de anos de fiado e desmazelo
comida, roupa, tudo, até o novelo
de lã pràs meias... Tudo sem vintém
ela ia lá buscar. Tudo a fiar.
Morreu e, contas feitas, nem o prédio
nem os tarecos davam pra pagar.
E eu que sempre fui e sou honesto,
pobre de mim, não tive outro remédio
tomei o prédio e perdoei o resto.



A Josefina, é claro, incapaz
de se calar, rogou terríveis pragas
ao Chico Pana: Deixa que inda as pagas
e há-de ser no inferno. Satanás
há-de barrar-te o rabo de aguarrás
pra ver bem quantas brasas tu apagas
a esfregá-lo nelas. Três adagas
em cruz no coração e uma tenaz
para to arrancarem pelas costas
e essa maldita língua feita em postas
pros diabos salgarem. Falcatrua,
ladrão!
E apopléctica arranhou
o rosto do sobrinho que a arrastou
engasgada de raiva até à rua.

Continua

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