Usina de Letras
Usina de Letras
164 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62211 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13568)

Frases (50604)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140797)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A Ilha dos Amores I - Milena -- 21/05/2006 - 22:47 (José J Serpa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Capítulo I - Milena





Voltava eu à Pátria. À pequena
ilha onde nascera e me criara
e donde, moço ainda, me empurrara
o destino cruel que tudo ordena.
Voávamos de tarde, tarde amena,
calma, sem nevoeiro, tarde clara.
Para os céus açorianos, tarde rara
de começos de Abril... assim serena.
Como depois me disse, ela também
voltava às raízes, ao torrão
donde a levara um dia sua mãe,
pouco antes de nascer, a partilhar,
já desde então, da triste condição
desta fatal diáspora insular...


Vinha vazio o voo. Éramos três.
Mas mil que fossem, eu tinha notado,
de certo, aquele rosto aureolado
dum misto de ousadia e timidez.
Não sei se houve no mundo alguma vez
encontro entre amantes, combinado
numa existência e noutra consumado...
não sei se amor refaz o que desfez
a morte. Sei que a atracção nasceu
logo ao primeiro olhar e que cresceu
a cada novo olhar, para nos guiar
com um inexorável fatalismo,
irresistível, místico tropismo,
e aos braços um do outro nos lançar.




E sei que tive então clara noção,
claríssimo presságio, cristalino...
que se traçava ali o meu destino
- e o dela - para o próximo verão.
É que, para além da mística atracção
daquele ar transcendente e peregrino,
vinha dela um eflúvio feminino
que concitava intensa tentação...
Telúrico apetite, plexo astuto
que, a cada doce enleio e inocente
arroubo de meiguice e de ternura,
nos cobra o erótico tributo
da lasciva avidez, desejo ardente,
que o mais cândido afecto desfigura...


É que era mesmo linda a criatura,
cinturinha de vespa, vaporosa,
boquinha sensual, apetitosa,
a prometer delírios de doçura.
E aqueles maneirismos de insegura,
ora me dando os olhos, curiosa,
ora mos retirando de medrosa,
a suscitar reparos de censura
da velha companheira mais prudente...
Oh, quem pode conter o amoroso
apelo dum corpinho tão bem feito,
quando o oferece olhar tão insistente
num palminho de cara tão formoso,
e um sorrir tão discreto... contrafeito?



O olhar entre azul e o cinzento,
conforme a timidez ou ousadia
com que do meu fugia ou insistia,
ao oscilar do vário sentimento.
O cabelo era longo, louro e lento,
em queda que dos ombros lhe escorria,
dourada catarata que luzia
em reflexos de luz e movimento.
Mas não eram os olhos, o cabelo,
os lábios, o pescoço, a tez tão pura...
havia ali mais profundo apelo:
mística vibração que me atraía,
pujante de meiguice e ternura,
que me incitava, que me seduzia


Para lhe falar faltou-me a ousadia...
ou talvez fosse o medo de quebrar
aquele doce enleio. Ia esperar
o desembarque e então lhe falaria.
Ela também de certo que não ia
na presença da outra aceitar
que me apresentasse. Era acirrar
os zelos com que ela a protegia.
E o verdadeiro amor é cauteloso,
avança pouco a pouco, a passo leve,
é paciente, é meigo, é receoso...
a correr riscos graves não se atreve,
de frágil que se sente e melindroso...
E foi amor assim que me conteve.



O desembarque foi uma surpresa...
é que, apesar de tarde, havia então,
no terminal, enorme multidão
à espera doutro voo com certeza.
E o meu plano de usar de gentileza,
de a ajudar, de ter uma atenção,
de lhe falar, desfez-se em frustração...
de nada me serviu a subtileza...
Mas, como nos amores estorvados,
em que, a cada novo estorvo, mais aumenta
a fome dos desejos não logrados,
quanto mais a matrona ma levava
a perder-se na turba, sonolenta,
mais eu a queria, mais a desejava


Chamava-lhe Milena a companheira:
-Milena, espera! Olha, um momento...
a saída é ali... O guarda-vento,
vês?... Olha, vai atrás da bagageira.

Já bem entrada em anos, ar de freira
que se evadira há pouco do convento,
modo desconfiado, rabugento,
de abadessa mandona, rija, inteira...
Milena obedeceu-lhe e foi atrás
da bagageira... A outra perspicaz,
e má olhou-me e regougou danada,
qualquer abominável bizarria
que nem eu entendi, mas que trazia
o hálito da guerra declarada.



No hall, enfim, entre o beijo de alguém
que a vinha receber e um segredo,
que ali lançava as teias dum enredo,
olhou-me novamente com desdém
(e a do segredo e beijo olhou também).
Estremeci. Não foi por lhes ter medo,
mas por sentir-me, no olhar azedo
das duas, tão sozinho, sem ninguém...
É nos beijos e abraços, nos carinhos
que os felizes se dão, que os sozinhos
se revêem em toda a amargura
da sua solidão. Não há sofrer
mais triste, mais amargo, que não ter
um beijo à nossa espera... uma ternura.


Não pode haver miséria mais severa,
não há maior tristeza maior dó,
do que voltar à Pátria, triste e só,
sem um abraço amigo à nossa espera.
É que o próprio abandono degenera
em recusa cruel... O próprio pó
em que agoniza, abandonado, Job,
no desprezo a que Deus o expusera,
recusa o desgraçado que só quer
aninhar-se no pó para morrer.
Não há maior tristeza, maior dor.
Beijo, segredo, olhares de desdém...
tudo ali me doía... mas ninguém
ali à minha espera, era pior!

continua

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui